A C Ó R D Ã O
(4ª Turma)
GMALR/FBC
AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.
INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. DEMANDA AJUIZADA POR SERVIDOR CONTRA O PODER PÚBLICO. RELAÇÃO JURÍDICO-ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO DE TESE VINCULANTE EMITIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DA ADI Nº 3.395/DF. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO.
I. Fundamentos da decisão agravada não desconstituídos. II. Agravo de que se conhece e a que se nega provimento, com aplicação da multa de 2% sobre o valor atualizado da causa, em favor da parte Agravada, com fundamento no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo em Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-Ag-AIRR-1000228-12.2016.5.02.0035 , em que é Agravante OSMAR DA SILVA OLIVEIRA e Agravada FUNDAÇÃO CASA - CENTRO DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO AO ADOLESCENTE .
Por decisão monocrática, reconheceu-se, de ofício, a incompetência da Justiça do Trabalho para o julgamento da causa.
O Reclamante interpõe recurso de agravo, em que pleiteia, em síntese, a reforma da decisão agravada, a fim de manter a competência da Justiça do Trabalho e o prosseguimento do feito nesta Justiça Especializada.
A Reclamada não apresentou contraminuta ao agravo.
Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho.
É o relatório.
V O T O
1. CONHECIMENTO
Atendidos os pressupostos legais de admissibilidade do agravo, dele conheço .
2. MÉRITO
A decisão ora agravada está assim fundamentada:
" Trata-se de demanda ajuizada por servidor contra ente da Administração Pública , cuja discussão está fundada na relação jurídico-administrativa vigente entre as partes.
Em face da decisão do Plenário do STF no julgamento da ADI nº 3.395/DF, de efeito vinculante e eficácia erga omnes , no sentido de que " a competência da Justiça do Trabalho não alcança as ações judiciais entre o Poder Público e seus servidores ", e em observância ao princípio da não surpresa, disposto no art. 10 do CPC, determinei a intimação das partes, a fim de que se manifestassem sobre a questão.
A Reclamante se manifestou pela manutenção da demanda sob julgamento desta Justiça Especializada, aduzindo, em síntese, que " é incontroverso que a relação jurídica existente entre a reclamante e o ente público é de natureza CELETISTA, não havendo vínculo estatutário ou administrativo " e que " não há discussão acerca de eventuais vícios sobre a forma em que ocorreu a contratação " (fl. 02 do documento sequencial eletrônico nº 09 – destaque no original).
Como dito, é incontroverso nos autos que a parte reclamada é ente da Administração Pública e que a parte reclamante foi admitida mediante prévia aprovação em concurso público, após a vigência da Constituição Federal de 1988.
Fixadas essas premissas, tem-se que, para a análise do caso concreto, há de se examinar necessariamente a questão da competência (absoluta) da Justiça do Trabalho, à luz da decisão do Plenário do STF, no julgamento da ADI nº 3.395/DF, de efeito vinculante e eficácia erga omnes .
Isso porque a questão da competência para processar e julgar as ações entre servidor e o correspondente Poder Público, à luz do art. 114, I, da Constituição Federal de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, já havia sido resolvida na Medida Cautelar na ADI nº 3.395/DF (Relator: Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 05/04/2006, DJ 10/11/2006), nos seguintes termos:
"INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária " (destaques acrescidos).
Com o julgamento do mérito, o STF imprimiu interpretação conforme à Constituição para, a partir do conceito estrito do termo " relação de trabalho ", excluir, como regra, os vínculos de natureza jurídico-estatutária da competência da Justiça do Trabalho:
"CONSTITUCIONAL E TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART.114, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004. AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. EXPRESSÃO "RELAÇÃO DE TRABALHO". INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. EXCLUSÃO DAS AÇÕES ENTRE O PODER PÚBLICO E SEUS SERVIDORES. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR CONFIRMADA. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. O processo legislativo para edição da Emenda Constitucional 45/2004, que deu nova redação ao inciso I do art. 114 da Constituição Federal, é, do ponto de vista formal, constitucionalmente hígido. 2. A interpretação adequadamente constitucional da expressão "relação do trabalho" deve excluir os vínculos de natureza jurídico-estatutária, em razão do que a competência da Justiça do Trabalho não alcança as ações judiciais entre o Poder Público e seus servidores . 3. Medida Cautelar confirmada e Ação Direta julgada parcialmente procedente" (ADI 3395, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 15/04/2020, DJe-165 de 01/07/2020, destaques acrescidos).
O que se observa é que o critério adotado no julgamento da ADI nº 3.395 foi o da fixação da competência em razão da pessoa, uma vez que o STF firmou interpretação conforme da Emenda Constitucional nº 45/2004 para excluir do conceito de " relação de trabalho " a relação entre servidor e o Poder Público.
Vale dizer, se a relação jurídica da qual nasce a controvérsia de fundo se dá entre o Poder Público e o seu servidor, admitido após aprovação em concurso público, nos termos da Constituição Federal (hipótese dos autos), então o vínculo entre as partes é sempre de natureza jurídico-administrativa, independentemente do conteúdo material eleito pelo Ente Público ao disciplinar a matéria por legislação local. Isso porque se o conteúdo da disciplina legislativa fosse o critério de definição da competência, então haveríamos de concluir que a competência para o julgamento de demandas como a dos autos se estabeleceria pelo critério material, o que, como dito, não se coaduna com a ratio decidendi do julgamento da ADI nº 3.395. Ademais, cada município poderia "escolher" a justiça a qual estaria submetido na discussão com seus servidores, algo igualmente fora do escopo da tese fixada pelo STF.
Logo, ainda que a lei local declare que o regime para contratação de seu pessoal é "celetista", tal remissão legislativa à Consolidação das Leis do Trabalho não desfaz o fato de que a admissão da parte reclamante se estabeleceu (e se mantém) a partir de um vínculo de natureza jurídico-administrativa , nascido de um regular processo administrativo, que se iniciou com a realização de prévio concurso público.
Ademais, está pacificada, no âmbito da Suprema Corte, a jurisprudência no sentido de que compete à Justiça Comum julgar demandas em que se discutam, de forma direta ou incidental, o alcance e o conteúdo da relação jurídica vigente entre as partes , independentemente do fato de a pretensão deduzida em juízo ser de matiz trabalhista. É o que se observa da ratio do ilustrativo aresto:
"EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO - ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - DISSÍDIO ENTRE SERVIDORES E O PODER PÚBLICO - ADI nº 3.395/DF-MC - CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1. A reclamação é meio hábil para conservar a autoridade do Supremo Tribunal Federal e a eficácia de suas decisões. Não se reveste de caráter primário ou se transforma em sucedâneo recursal quando é utilizada para confrontar decisões de juízos e tribunais que afrontam o conteúdo do acórdão do STF na ADI nº 3.395/DF-MC. 2. Compete à Justiça comum pronunciar-se sobre a existência, a validade e a eficácia das relações entre servidores e o poder público, fundadas em vínculo jurídico-administrativo. É irrelevante a argumentação de que o contrato é temporário ou precário, ainda que haja sido extrapolado seu prazo inicial, ou de que o liame decorre de ocupação de cargo comissionado ou de função gratificada. 3. Não descaracteriza a competência da Justiça comum, em tais dissídios, o fato de se requerer verbas rescisórias, FGTS e outros encargos de natureza símile, dada a prevalência da questão de fundo, que diz respeito à própria natureza da relação jurídico-administrativa , posto que desvirtuada ou submetida a vícios de origem, como fraude, simulação ou ausência de concurso público. Nesse último caso, ultrapassa o limite da competência do STF a investigação sobre o conteúdo dessa causa de pedir específica. 4. A circunstância de se tratar de relação jurídica nascida de lei local, anterior ou posterior à Constituição de 1988, não tem efeito sobre a cognição da causa pela Justiça comum. 5. Agravo regimental não provido" (Rcl 7217 AgR, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 08/04/2010, DJe-100 DIVULG 02-06-2010 PUBLIC 04-06-2010 EMENT VOL-02404-01 PP-00142 RDECTRAB v. 17, n. 191, 2010, p. 130-141).
Fixada a compreensão da tese adotada pelo STF quanto à competência em relação às causas propostas por servidores em face do Poder Público, cabe agora examinar a questão do efeito vinculante do precedente do Supremo e o consequente reconhecimento, de ofício , da incompetência jurisdicional da Justiça do Trabalho.
O Supremo Tribunal Federal tem entendimento de que, até a estabilização da coisa julgada, é dever de todos os órgãos do Poder Judiciário aplicar a tese firmada pelo seu Plenário, sob pena de formação de coisa julgada inconstitucional.
Em síntese, há de se reconhecer que a fixação de tese com efeito vinculante e eficácia erga omnes pelo STF, tanto em ação de controle concentrado de constitucionalidade quanto em controle difuso , em sistemática de repercussão geral, gera efeito rescisório: (a) para os processos em curso , pela interposição de recurso próprio, inclusive embargos de declaração (ED-AgReg-Rcl 15724, Red. Min. Alexandre de Moraes, DJE 151, de 17/06/2020); (b) em relação aos processos em fase de execução , pela arguição de inexigibilidade da obrigação, por embargos à execução, impugnação ou exceção de pré-executividade, se a decisão transitou em julgado após a fixação da tese pelo STF, na forma dos arts. 525, §§ 12 e 14, 535, §§ 5º e 7º, do CPC e 884, § 5º, da CLT; ou (c) mediante propositura de ação rescisória, se a decisão transitou em julgado antes da fixação da tese pelo STF (§ 15 do art. 525 do CPC).
Na mesma linha segue a inteligência da tese firmada no Tema 360 da Tabela de Repercussão Geral:
"São constitucionais as disposições normativas do parágrafo único do art. 741 do CPC, do § 1º do art. 475-L, ambos do CPC/73, bem como os correspondentes dispositivos do CPC/15, o art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 14, o art. 535, § 5º. São dispositivos que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, vieram agregar ao sistema processual brasileiro um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças revestidas de vício de inconstitucionalidade qualificado , assim caracterizado nas hipóteses em que (a) a sentença exequenda esteja fundada em norma reconhecidamente inconstitucional - seja por aplicar norma inconstitucional, seja por aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais ; ou (b) a sentença exequenda tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional; e (c) desde que, em qualquer dos casos, o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tenha decorrido de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda ".
Como já salientado, a Suprema Corte tem entendido que a tese deve ser aplicada sempre que pendente a análise de algum recurso (inclusive embargos de declaração ou embargos infringentes), em observância ao decidido na ADI nº 2.418 (Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Julg. 04.05.2016) e ao Tema 360 da Tabela de Repercussão Geral (RE 611503, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Relator p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 20/08/2018, DJe-053 de 19-03-2019), diante do fator cronológico do trânsito em julgado em relação à fixação da tese de repercussão geral ou de controle concentrado, como se observa no julgamento da Reclamação nº 38.918 (AgR, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgada em 15/04/2020, DJe-118 de 13-05-2020):
"CONSTITUCIONAL. TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NA ADPF 324 E NO TEMA 360 DA REPERCUSSÃO GERAL. TR NSITO EM JULGADO DA SENTENÇA EXEQUENDA. FATOR CRONOLÓGICO . DELIMITAÇÃO. TESE FIXADA NO JULGAMENTO DO TEMA 360 . INOBSERV NCIA PELO JUÍZO RECLAMADO. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O Juízo reclamado – apesar de reconhecer que a sentença exequenda foi fixada em sentido contrário ao decidido na ADPF 324 – manteve a exigibilidade do título, ao considerar que o entendimento fixado na ADPF 324 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO) não se aplica aos processos em que já houve o pronunciamento judicial a respeito do tema, com sentenças já transitadas em julgado. 2. Ao assim decidir, o Juízo reclamado deixou de observar o fator cronológico bem delimitado, na parte final, da tese fixada no julgamento do Tema 360 – segundo o qual é inexigível a sentença fundada em norma declarada inconstitucional, desde que o reconhecimento dessa inconstitucionalidade tenha decorrido de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda – uma vez que, no caso em análise, a estabilização do acórdão fundado na Súmula 331, I, do TST ocorreu em 27/3/2019; enquanto que, ainda em 2018, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, nos autos da ADPF 324 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Pleno, julgado em 30/8/2018), declarou a inconstitucionalidade da Súmula 331/TST, por violação aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, assentando, ao final, a constitucionalidade da terceirização de atividade-fim ou meio. 3. A manutenção do julgado, fundado na Súmula 331/TST, contraria os resultados produzidos pelos julgamentos do Tema 360 da Repercussão Geral (RE 611.503, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Redator p/ acórdão Min. EDSON FACHIN, julgado em 20/9/2018), combinado com ADPF 324 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Pleno, julgado em 30/8/2018), a sugerir, consequentemente, o restabelecimento da autoridade desta CORTE quanto ao ponto. 4. Recurso de agravo a que se nega provimento" (destaques acrescidos).
Cabe salientar, nessa linha, que, no julgamento dos Embargos de Declaração em Agravo em Reclamação nº 15.724 (AgR-ED, Relator p/ Acórdão: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 05/05/2020, DJe-151 de 18-06-2020), houve aplicação da tese de repercussão geral (Tema nº 725) e da ADPF nº 324 na apreciação dos embargos de declaração apresentados depois da fixação da tese, como se observa da suma do julgado:
"CONSTITUCIONAL, TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NO JULGAMENTO DA ADPF 324 E DO RE 958.252 (TEMA 725 DA REPERCUSSÃO GERAL). EMBARGOS ACOLHIDOS, COM EFEITOS INFRINGENTES. AGRAVO INTERNO PROVIDO. 1. A controvérsia, nestes autos, é comum tanto ao decidido no julgamento da ADPF 324, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, quanto ao objeto de análise do Tema 725 (RE 958.252, Rel. Min. LUIZ FUX), em que esta CORTE fixou tese no sentido de que: É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante. 2. Por esse motivo, apesar da decisão impugnada ter sido proferida antes da conclusão do julgamento da ADPF 324 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO), o processo em que proferida tal decisão encontra-se sobrestado no Tribunal Superior do Trabalho com base no Tema 725, a sugerir, consequentemente, que a solução do presente caso deve observância às diretrizes deste TRIBUNAL quanto ao ponto . 3. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para dar provimento ao agravo interno" (destaques acrescidos).
Assim, revela-se claramente da atual e iterativa jurisprudência do STF que a aplicação de tese fixada pelo seu Plenário, seja em controle concentrado, seja em controle difuso, é vinculante em relação às decisões judiciais supervenientes, operando-se verdadeiro efeito rescisório quando produzida decisão em sentido contrário (coisa julgada inconstitucional). Daí decorre a aplicação de ofício e de forma imperativa da tese , desde que ainda não tenha havido o trânsito em julgado. Para os casos de trânsito em julgado anterior ao julgamento do tema pelo STF, é caso, como já salientado, de ação rescisória (CPC, arts. 525, § 15 e 535, § 8º).
Ademais, se o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento vinculante no sentido de que a Justiça do Trabalho não tem competência para o julgamento de demandas como a dos autos, não há como este Tribunal Superior do Trabalho prosseguir no julgamento dos recursos pendentes, sob pena de inobservância da tese firmada, considerando-se, ainda, que a competência jurisdicional é matéria de ordem pública.
Sobre a possibilidade de reconhecimento de ofício da incompetência da Justiça do Trabalho, por imperativo do efeito vinculante decorrente do julgamento, pelo Plenário do STF, da ADI nº 3.395/DF, em sede de recurso excepcional, trago precedentes do Superior Tribunal de Justiça neste sentido:
"PROCESSO CIVIL - SFH - REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES - CONTRATO FIRMADO COM COBERTURA DO FCVS - NECESSIDADE DA PRESENÇA DA CEF COMO LITISCONSORTE PASSIVA NECESSÁRIA - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL - NULIDADE ABSOLUTA NÃO ARGÜIDA ? LIMITES DO RECURSO ESPECIAL. 1. O prequestionamento é exigência indispensável ao conhecimento do recurso especial, fora do qual não se pode reconhecer sequer as nulidades absolutas. 2. A mais recente posição doutrinária admite sejam reconhecidas nulidades absolutas ex officio , por ser matéria de ordem pública . Assim, se ultrapassado o juízo de conhecimento, por outros fundamentos, abre-se a via do especial (Súmula 456/STF). 3. Hipótese em que se conhece do especial por violação da Lei 8.177/91 e porque configurado o dissídio jurisprudencial, ensejando o reconhecimento ex officio da ausência de citação da CEF como litisconsorte passiva necessária, o que desloca a competência para processar e julgar o feito para a Justiça Federal. 4. Embora não se discuta diretamente questão relativa ao FCVS, mas o critério de reajuste das prestações do contrato, se houver menor amortização do saldo devedor, o Fundo será mais onerado quando ocorrer a quitação. Situação que enseja o legítimo interesse da CEF em figurar no pólo passivo da demanda. 5. Recurso especial conhecido e, de ofício, decretada a nulidade absoluta do feito por incompetência da Justiça Estadual. Remessa dos autos à Justiça Federal, para citação da CEF como litisconsorte passiva necessária " (REsp 698.061/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/03/2005, DJ 27/06/2005, p. 337, destaques acrescidos).
"PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM QUE NÃO PERMITIU A SUBIDA DE AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO EM FACE DE DECISUM QUE INADMITIU RECURSO ESPECIAL POR AUSÊNCIA DE PEÇAS DE TRASLADO OBRIGATÓRIO. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO . 1 - É manifesta a incompetência do Tribunal a quo para negar seguimento a agravo de instrumento tirado para fazer subir recurso especial. 2 - A incompetência absoluta, desde que chegada ao conhecimento deste Superior Tribunal de Justiça, deve ser declarada de ofício, em homenagem à repartição de competência jurisdicional fixada na Constituição Federal . 3 - Agravo regimental a que se confere provimento e, consequentemente, ao recurso especial, para fazer subir o agravo de instrumento interposto" (AgRg no REsp 118.908/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/02/2001, DJ 11/06/2001, p. 99, destaques acrescidos).
"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO RECORRIDA PUBLICADA NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. AÇÃO DECORRENTE DE FEITO TRABALHISTA. JUSTIÇA COMUM. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. 1. É da Justiça do Trabalho a competência para julgamento de ação indenizatória ajuizada por empregado contra ex-empregador, com a finalidade de ser ressarcido dos honorários advocatícios contratuais despendidos em feito trabalhista. Precedentes. 2. A Segunda Seção desta Corte, pacificou entendimento de que "tratando-se de competência prevista na própria Constituição Federal/88, nem mesmo o Superior Tribunal de Justiça detém jurisdição para prosseguir no julgamento do recurso especial quanto ao mérito, não lhe sendo dado incidir nas mesmas nulidades praticadas pelos demais órgãos da Justiça Comum. No caso concreto, impropriedade da discussão sobre se o STJ pode conhecer de matéria de ordem pública de ofício e independentemente de prequestionamento " (REsp n. 1.087.153/MG, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, julgado em 9/5/2012, DJe 22/6/2012.) 3. Embargos de declaração acolhidos, para reconhecer a incompetência absoluta da Justiça comum para julgar a causa e declarar a nulidade de todos os atos decisórios do feito, determinando-se a remessa dos autos à Justiça do Trabalho" (EDcl no AgRg no AREsp 288.530/MG, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 04/08/2016, DJe 16/08/2016, destaques acrescidos).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POR PERDAS E DANOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. AÇÃO TRABALHISTA PROCEDENTE. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. DECLINAÇÃO DE OFÍCIO. PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que compete à Justiça do Trabalho o julgamento de ação por perdas e danos em que ex-empregado requer do ex-empregador os honorários advocatícios contratuais pagos em virtude de ação trabalhista julgada procedente. 2. Por ser a competência absoluta matéria de ordem pública, uma vez constatada, implica a falta de jurisdição do próprio STJ, devendo ser reconhecida de ofício, independentemente de prequestionamento . 3. Agravo regimental não provido" (AgRg no REsp 1399203/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 20/11/2013, destaques acrescidos).
Por tais fundamentos, entendo que:
1) até a estabilização da coisa julgada, é dever de todos os órgãos do Poder Judiciário aplicar as teses com efeito vinculante firmadas pelo Plenário do STF, sob pena de formação de coisa julgada inconstitucional (Tema 360 da Repercussão Geral);
2) tratando-se de questão definida no exercício de controle concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, especificamente na ADI nº 3.395/DF, a incompetência absoluta da Justiça do Trabalho deve ser declarada de ofício, inclusive em grau de recurso excepcional nesta instância superior .
Em conclusão, DECIDO :
(a) reconhecer, de ofício, a incompetência da Justiça do Trabalho para o julgamento da causa e, em consequência,
(b) julgar prejudicado o exame dos recursos pendentes e, ainda,
(c) determinar a baixa dos autos ao Tribunal Regional de origem, a fim de que remeta os autos ao Juízo competente, observados os termos do art. 64, §§ 3º e 4º, do CPC " (documento sequencial eletrônico nº 13).
Na minuta de agravo, a parte Recorrente argumenta que " a agravante ingressou com a presente ação, cuja discussão gira em torno das progressões decorrentes de Plano de Cargos e Salários, inserida no âmbito do CONTRATO DE EMPREGO EXISTENTE ENTRE AS PARTES. A RECLAMANTE POSSUI REGISTRO EM SUA CARTEIRA DE TRABALHO E É EMPREGADO PÚBLICO DA FUNDAÇÃO CASA " e que " questões de ordem trabalhista, decorrentes do seu contrato de trabalho sejam dirimidas por esta Justiça Especializada, nos termos do artigo 114, da Constituição Federal, não havendo que se falar, nem de forma remota, em ‘discussão fundada em relação jurídicoadministrativa’ como objeto desta demanda " (fl. 02 do documento sequencial eletrônico nº 16 – destaques no original).
Afirma que " o que se discute nesta demanda são direitos trabalhistas decorrentes do CONTRATO DE TRABALHO existente entre as partes, (no caso progressões e diferenças salariais decorrentes de plano de cargos e salário e afronta ao artigo 461, parágrafos 2º e 3º, da CLT), e não de relação de natureza jurídico-administrativa " e que " a parte autora é empregado público e seu contrato de trabalho registrado em Carteira de Trabalho e Previdência Social " (fl. 07 do documento sequencial eletrônico nº 16 – destaques no original).
Alega que " o direito perseguido na presente reclamação tem origem, indubitavelmente, na relação de emprego mantida entre as partes, na medida em que se busca o reconhecimento e pagamento de consectários trabalhistas " (fl. 08 do documento sequencial eletrônico nº 16).
Entretanto, o agravo não merece provimento.
Como consignado na decisão ora agravada, é incompetente a Justiça do Trabalho para julgar a presente demanda, porque, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal exarada no julgamento da ADI nº 3.395, o parâmetro para a definição da competência para processar e julgar lide entre o servidor e o Poder Público é em razão da pessoa, uma vez que o STF excluiu do conceito de "relação de trabalho", previsto no art. 114 da CRFB/88, o vínculo estabelecido entre esses atores.
Portanto, quando a relação sobre a qual se funda a demanda se dá entre o Poder Público e o seu servidor, como ocorre no presente caso , o liame entre as partes é sempre de natureza jurídico-administrativa , independentemente do conteúdo material eleito pelo Ente Público para disciplinar o contrato de trabalho do litigante. A adoção de regime de pessoal "celetista" não desfaz o fato de que a admissão da parte Reclamante instituiu-se a partir de um elo jurídico-administrativo, característica que se mantém de forma indelével.
No mesmo sentido, sendo o critério de fixação da competência, in casu , ratione personae , desnecessária a análise do teor dos pedidos formulados, porquanto a índole trabalhista das verbas pleiteadas não tem o condão de alterar a competência da Justiça Comum para apreciar a causa.
Por fim, registre-se que o entendimento pacífico da Suprema Corte é no sentido de ser vinculante, quanto às decisões judiciais supervenientes, a tese firmada em ação de controle de constitucionalidade ou em repercussão geral reconhecida, caracterizando-se coisa julgada inconstitucional a produção de decisão que não observe referida intelecção. Dessa forma, em hipóteses como a dos autos , exige-se a aplicação de ofício da compreensão fixada pelo STF no julgamento da ADI nº 3.395 , vez que não ocorreu o trânsito em julgado.
Nessa circunstância, os argumentos da parte Agravante acima transcritos não logram desconstituir a decisão agravada, razão pela qual nego provimento ao agravo.
O entendimento desta Turma é de que se aplica a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015, nas hipóteses em que o agravo for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime. No mesmo sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ilustrada pelo seguinte julgado:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO – MATÉRIA LEGAL E FÁTICA – O recurso extraordinário não é meio próprio ao revolvimento da prova nem serve à interpretação de normas estritamente legais. AGRAVO – MULTA – ARTIGO 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. Se o agravo é manifestamente inadmissível ou improcedente, impõe-se a aplicação da multa prevista no § 4º do artigo 1.021 do Código de Processo Civil de 2015, arcando a parte com o ônus decorrente da litigância protelatória " (RE 1123275 AgR, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 11/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-242 DIVULG 14-11-2018 PUBLIC 16-11-2018, destaque acrescido).
Considerando que o presente agravo foi julgado improcedente à unanimidade, condeno a parte Agravante a pagar multa de 2% (dois por cento) sobre o valor da causa atualizado pela SELIC (conforme decidido pela Suprema Corte na ADC 58), em favor da parte Agravada, com fundamento no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015 .
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, à unanimidade, conhecer do agravo; no mérito, negar-lhe provimento e condenar o Agravante a pagar multa de 2% (dois por cento) sobre o valor da causa atualizado pela SELIC (conforme decidido pela Suprema Corte na ADC 58), em favor da parte Agravada, com fundamento no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015 .
Custas processuais inalteradas.
Brasília, 22 de junho de 2021.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
ALEXANDRE LUIZ RAMOS
Ministro Relator
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