- PorCélio Yano
- 27/06/2024 21:29
- Atualizado em 28/06/2024 às 11:04
O aumento nas reclamações de consumidores em relação a cancelamentos unilaterais de planos de saúde por parte das operadoras tem pressionado o Congresso a acelerar a discussão de mudanças na legislação do setor. O número de ações contra planos de saúde cresceu 32,8% no ano passado. Foram 234,1 mil processos movidos contra as operadoras, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Segundo "O Estado de S. Paulo", o gasto das operadoras com despesas judiciais teria chegado a R$ 5,5 bilhões em 2023, 37% a mais do que no ano anterior. As empresas apontam que o aumento pode ser creditado à aprovação da lei 14.453/2022 que estabeleceu que os planos devem cobrir procedimentos não incluídos na lista de cobertura definida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Enquanto parlamentares defendem que seja incluída a proibição à rescisão imotivada de contratos, as operadoras de saúde suplementar querem a criação dos chamados “planos segmentados”, que dariam direito apenas a consultas, exames e terapias, sem cobertura de internações.
A demanda das empresas foi um dos pedidos feitos por representantes de operadoras em um acordo verbal firmado no fim de maio com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que fossem interrompidos os cancelamentos unilaterais de contratos.
“Uma boa notícia para os beneficiários dos planos de saúde: em reunião realizada agora há pouco com representantes do setor, acordamos que eles suspenderão os cancelamentos recentes relacionados a algumas doenças e transtornos”, escreveu Lira nas redes sociais, na ocasião.
Presente à reunião que selou o acordo, o deputado Duarte Jr. (PSB-MA), relator do projeto que altera a regulamentação dos planos de saúde, disse que as operadoras tinham uma programação para rescindir contratos com mais de 40 mil clientes.
Para ele, o único ponto “inegociável” da nova lei será a proibição de cancelamentos unilaterais por parte dos planos. “Vamos deixar clara a proibição das rescisões unilaterais de qualquer contrato, exceto quando o consumidor atrasar o pagamento a partir de 60 dias. Os planos vivem dizendo que vão quebrar, mas não vão. É mais fácil trocarem o relator do que eu tirar a proibição da rescisão unilateral, de qualquer tipo de contrato, do texto”, disse ao jornal "O Globo".
Segundo dados da ANS, as operadoras de planos de saúde tiveram lucro de R$ 3,3 bilhões no primeiro trimestre deste ano. O crescimento foi de 343% em relação ao mesmo período de 2023, segundo a agência reguladora.
Reclamações de cancelamentos unilaterais dispararam 85% no Procon de SP
A disparada no número de rescisões teve início há pouco mais de dois meses. Entre abril e maio deste ano, o Procon de São Paulo constatou um aumento de 85% nas reclamações de consumidores em relação a cancelamentos por parte das empresas.
Em audiência recente na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, o diretor adjunto de assuntos jurídicos do órgão, Robson Campos, disse ter notícias de rescisões de planos de idosos, portadores de doenças raras e pessoas autistas.
“Simplesmente cancelam esses contratos, muitas vezes por um e-mail. No meio de um tratamento de um câncer, no meio de tratamentos extremamente necessários. E o que ocorre? Agravamento da doença, endividamento das famílias que estão no desespero e acabam contratando crédito para fazer o custeio particular”, disse.
A atual legislação que rege a cobertura assistencial permite o cancelamento unilateral no caso de planos de saúde coletivos, mas proíbe a rescisão de contratos individuais por parte das operadoras. Além disso, as empresas não podem selecionar consumidores específicos para o cancelamento de planos, somente contratos inteiros.
“É vedada a seleção de risco em qualquer modalidade de plano de saúde não só em relação ao ingresso do beneficiário em um plano mas também numa situação de cancelamento”, explicou Carla Soares, diretora-adjunta de Normas e Habilitação dos Produtos da ANS, na audiência. “Ninguém pode ser impedido em razão da idade ou da condição de saúde ou doença.”
Ainda de acordo com a diretora, deve ser respeitado o prazo mínimo de 12 meses de contrato para o cancelamento e tratamentos em curso devem ser garantidos.
Em outra audiência na Câmara, realizada nesta terça-feira (25), Fabricia Goltava Vasconcellos, também representante da ANS, rebateu acusações de que a agência tem sido omissa nos casos relatados. Segundo ela, as taxas de cancelamentos informados pelas operadoras em fevereiro e março são iguais às do ano passado.
Ela disse que a ANS está elaborando requerimento de informações a todas as operadoras que fizeram rescisões nos últimos meses, incluindo a identificação dos transtornos dos usuários que tiveram o contrato cancelado. A partir dessa informação, a agência poderá aplicar multa diária aos planos.
Pedido de abertura de CPI dos Planos de Saúde tem 310 assinaturas
No início de junho, o deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), protocolou um pedido de abertura de uma CPI dos Planos de Saúde. “A gente já vinha sofrendo com os aumentos abusivos, agora a gente tem o cancelamento [de planos] de idosos, de crianças atípicas e de pessoas com deficiência no nosso país”, disse o parlamentar.
Para o requerimento, Ribeiro conseguiu reunir 310 assinaturas – bem acima dos 171 apoios necessários para a abertura de CPI na Câmara. A instalação do colegiado depende, no entanto, de Lira, teria se comprometido com as operadoras a evitar o procedimento no acordo firmado no fim de maio.
Em outra frente, no último dia 13, o Ministério Público Federal (MPF) abriu investigação para apurar recusas de atendimento e cancelamentos unilaterais de planos de saúde de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Em ofício à ANS, o procurador federal dos Direitos dos Cidadãos, Nicolao Dino, solicitou informações sobre eventuais disposições provisórias pelo órgão regulador, bem como dados sobre reclamações ou denúncias relacionadas à discriminação de pessoas autistas por planos de saúde recebidos pela agência.
Ele também enviou ofício a procuradores regionais dos direitos do cidadão que atuam em todo o país para que acompanhem o tema em suas respectivas localidades. Entre janeiro e abril deste ano, somente a Defensoria Pública do Distrito Federal recebeu 300 reclamações envolvendo recusas de atendimento ou cancelamentos de planos, segundo o MPF.
Segundo a Lei 12.764/2012 (Política Nacional de Proteção dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista), a pessoa com TEA não pode ser impedida de participar de planos privados de assistência à saúde em razão de sua condição de pessoa com deficiência.
A Lei 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde) garante ainda que ninguém pode ser impedido de participar de planos privados de assistência à saúde em razão da idade ou da condição de pessoa com deficiência.
Já a Lei 13.146/2015, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, estabelece que as operadoras de planos e seguros privados de saúde são obrigadas a garantir à pessoa com deficiência, no mínimo, todos os serviços e produtos oferecidos aos demais clientes.
Associação do setor diz que operadoras buscam equilibrar contas
Procurada, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) informou que as operadoras se comprometeram a manter a cobertura de beneficiários vinculados a planos coletivos por adesão que estejam internados, em ciclos de terapias oncológicas e que realizam terapia para transtornos globais do desenvolvimento (TGD), incluindo o TEA.
Segundo a associação, desde então estão suspensas novas notificações de rescisões unilaterais por motivo de desequilíbrio econômico-financeiro para contratos de plano coletivo por adesão, mas que cancelamentos motivados por descumprimento contratual, inclusive inadimplência, estão mantidos.
“A Abramge entende que o diálogo entre o setor, a sociedade, agências e órgãos públicos é o melhor caminho para se chegar a soluções propositivas que atendam às necessidades de todos e reforça o seu compromisso com a qualidade dos serviços e o acesso da população à saúde suplementar”, diz nota da entidade.
Em maio, durante audiência pública na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, o superintendente da Abramge, Marcos Novais, explicou que as operadoras de planos de saúde apresentaram resultado negativo de R$ 17 bilhões nos últimos três anos e estão buscando o equilíbrio de suas contas.
Segundo ele, 138 empresas tiveram as operações encerradas entre 2022 e 2023 por falta de sustentabilidade financeira. Novais criticou ainda a rápida incorporação de medicamentos de alto custo, como o Zolgensma, para atrofia muscular espinhal, que custa cerca de R$ 10 milhões, ao passo que 379 operadoras faturam menos de R$ 7 milhões por mês.
“A gente não tem nenhum protocolo ou diretriz para tratamento das terapias, inclusive a terapia do Transtorno do Espectro Autista, dessa condição tão importante. Para longe disso. A gente recebe pedidos de 120 sessões por semana”, afirmou.
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