Em ordem de serviço na última quarta (16), a instituição passou a proibir o uso de espelhos e procedimentos que obrigavam o interno a saltar e agachar nu. Decisão ocorreu menos de um mês após abertura de procedimento da Defensoria que apura a revista pessoal de adolescentes
Publicado 21/02/2022 - 14h41
São Paulo – Em ordem de serviço assinada na última quarta-feira (16), a Fundação Casa passou a vetar as chamadas “revistas vexatórias” pela própria instituição no processo de revista de adolescentes privados de liberdade. De acordo com a resolução, ficam proibidos agachamentos, saltos, uso de espelhos, e outros métodos similares. A revista de internos era um procedimento padrão da instituição, até então utilizado na entrada e saída dos dormitórios e, especialmente após o retorno de atividades externas, como delegacias e fóruns, sob o pretexto de investigar se algum item considerado ilegal tinha sido introduzido em suas partes íntimas.
Pela nova determinação, o desnudamento do interno só será admitido quando não for possível utilizar o escâner e quando houver suspeita fundada de posse de objetos não permitidos pela Fundação Casa. Ainda assim, o diretor da unidade terá de autorizar a revista, que deverá ser registrada no livro de ocorrências. Porém, atualmente a instituição tem escâneres em 101 das 104 unidades no estado de São Paulo. A Fundação Casa aponta que o processo para instalação do equipamento nas três unidades restantes deve ser concluído em março.
Em entrevista a Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual, o defensor público de São Paulo Marcelo Novaes, que atua em Santo André, no ABC Paulista, destacou a importância da decisão. Ele lembra que ela é conquista de uma luta de oito anos, recentemente resgatada pelo órgão. As novas regras foram editadas menos de um mês após a Defensoria Pública de Santo André encaminhar ofício ao presidente da instituição, o também secretário de Justiça de São Paulo, Fernando José da Costa. De acordo com informações do jornal Folha de S. Paulo, o documento avisava sobre a abertura de procedimento administrativo interno para análise dos procedimentos de revista pessoal de adolescentes nas unidades da instituição.
Revista era ‘estupro institucionalizado’
“Há atraso injustificado das instituições em como enfrentar essa situação de ‘estupro institucionalizado’, que é o nome que dou (para as revistas íntimas)”, aponta o defensor. De acordo com Marcelo Novaes, os procedimentos eram aplicados de forma absolutamente “generalizada” e “despida de qualquer eficácia”. Desde o ano passado, o defensor recolhe depoimentos de egressos do sistema socioeducativo que comprovam a “violência” da revista em adolescentes.
Ainda de acordo com Marcelo, a proibição de tais práticas vai “evitar mais constrangimentos” para os jovens e as jovens internas. Com repercussão também sobre os trabalhadores do sistema socioeducativo. “Estamos mostrando uma chaga que existia. (…) E o funcionário também sofria com isso. Existem pessoas vocacionadas mesmo na área de segurança. E ele era obrigado a ver o desnudamento de 500 adolescentes por dia. (…) Há transtornos psicológicos, o número de afastamento por problemas psiquiátricos entre os funcionários da Fundação Casa não pode ser desconsiderado, essa violência também era introjetada para os próprios agentes. Eu creio que (com as mudanças) vai distensionar sim”, justifica.
Controvérsias
Há, contudo, alguns “senões”, conforme aponta o defensor. A ordem de serviço foi assinada pelo superintendente de segurança em exercício, Denis Batista Gomes. Quando, na verdade, deveria ser uma política do governo estadual. “Não dá para se trocar o diretor de segurança e a partir de amanhã voltar todo esse inferno. Tem que ser (assinada) pelo presidente da Fundação Casa, um decreto do governador ou ser um projeto de lei dos nossos deputados. Isso tem que ser firmado e assumido pelas instituições políticas do nosso estado de São Paulo”, sugere.
Novaes também acrescenta que o jovem não deve ficar quando não for possível utilizar o escâner. E destaca que a resolução foi construída em um “ato unilateral” da Fundação Casa em resposta ao ofício da Defensoria Pública.
O órgão deve agora seguir para tornar as novas regras lei não só em São Paulo, mas em outras unidades federativas. O sistema socioeducativo do estado também deverá nos próximos 20 dias responder quantas drogas foram apreendidas ao longos dos últimos anos com a chamada revista vexatória. Até hoje, esses dados não são de conhecimento público.
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