Uma parte dos adolescentes que chegou à Fundação Casa para cumprir medidas socioeducativas tem defasagem no ensino por ter abandonado a escola antes de concluir os ciclos. Atualmente, Sorocaba conta com 209 internos, sendo divididos em quatro centros de atendimento.
Por Maria Fernanda Silva* e Larissa Pandori, g1 Sorocaba e Jundiaí
Dentro dos muros da Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) de Sorocaba (SP), em um cenário desafiador, onde jovens se encontram privados de liberdade, um raio de esperança brilha por meio do poder transformador da educação.
Atrás da vontade de aprender a ler e escrever, também há sonhos extraordinários, como o do Matheus (nome fictício), de 16 anos.
Matheus, que vem de uma família cigana, chegou na Fundação Casa aos 16 anos, mas abandonou a escola ainda novo, quando precisou ajudar na casa após suas filhas gêmeas nascerem.
“Quero ser médico do coração”. Ainda em processo de alfabetização, ele contou ao g1 que deseja ser médico cardiologista com um propósito: entender a doença cardíaca que afetou suas filhas gêmeas, sendo que uma morreu com 21 dias.
“O estudo é bom, né, senhora. Mas eu matava muita aula quando eu morava com a minha avó, mas eu parei de estudar mesmo foi com 13 anos, porque eu tive filho, eu tinha que dar uma assistência para as filhas né senhora.”
Para Matheus, os desafios principais são as contas de multiplicação e escrever as letras corretamente. Mas mesmo com as dificuldades, o menino acredita que está evoluindo a cada dia para que no futuro possa ensinar a sua filha.
“O estudo vai mudar a vida né, senhora. É importante saber fazer as contas que precisam. E é bom ter o apoio dos amigos também, eles nos respeitam, a gente respeita eles.”
Aluno exemplar
Gabriel (nome fictício), de 16 anos, deve receber novidades sobre seu tempo de permanência na Fundação Casa no próximo mês.
O menino chegou no local há um ano e cinco meses. Segundo ele, a medida que ele cumpre é de um ano e seis meses, por isso, em algumas semanas ele deve passar por uma avaliação que vai apontar a evolução dele dentro da Casa.
"Quero ver minha avó, mãe do meu pai. Ela mora no Rio de Janeiro e a gente conversa por cartas. Estou esperançoso para a próxima avaliação", diz animado.
"Sei que o pessoal considera bastante a questão das aulas e eu melhorei bastante do começo do ano pra cá. Quando entrei aqui não sabia nem escrever meu nome," completa Gabriel.
A afirmação do menor é confirmada pela professora Elisa Machado, que aponta orgulhosa uma folha do caderno de Gabriel e diz que ele é um dos "casos de sucesso" dela na alfabetização dos adolescentes.
"Ele melhorou muito. No começo do ano, ele só fazia letra de forma, agora já escreve com letra cursiva. Ele é um caso que sempre uso de exemplo aqui para falar com outros jovens". Comenta Elisa.
O menino, que é fã do Neymar, diz que sonha em ser caminhoneiro, profissão do falecido pai. Apesar do desejo profissional pouco comum, ele diz que sabe a necessidade de estudar para conseguir um emprego em qualquer área.
"Meu sonho é ser caminhoneiro, mas aí preciso tirar carta e vou ter que fazer as provas. Eu fico feliz em ver que hoje consigo ler gibis, placas e eu quero terminar meus estudos quando sair daqui.". Afirma Gabriel.
Futuro guiado pelos estudos
Vitor (nome fictício), de 15 anos, conta que também já sabe ler um pouco, mas ainda quer aprender a escrever e melhorar a leitura para poder arrumar um emprego. O adolescente chegou à Fundação Casa com 14 anos.
“Eu não sabia ler, e aqui faço até cursos, então também é uma oportunidade, é uma coisa diferente para fazer né senhora.”
Além de estudar matemática, a matéria que mais gosta, Vitor também já fez cursos de confeitaria, sobre cidadania, informática e outros que a Fundação oferece.
“Eu fiz errado, se eu tivesse na escola, estaria adiantado, eu matava aula, pulava o muro da escola para ir soltar pipa, para brincar na rua, não foi uma boa coisa e hoje vejo que o estudo é tudo. Hoje se não tivermos estudos não fazemos nada”, reflete.
Como funciona o aprendizado?
A educação dentro da Fundação Casa é feita a partir da Escola Estadual Isabel Rodrigues Galvão, cumprindo integralmente o que está previsto no ECA e no Sinase. Os adolescentes estudam das 6h às 22h, além de uma agenda multiprofissional que inclui atividades de esporte, cultura, educação profissional, atendimento de psicólogos e assistentes sociais.
Uma parte dos adolescentes que chegam à Fundação Casa para cumprir medidas socioeducativas tem defasagem no ensino por ter abandonado a escola antes de concluir os ciclos. Atualmente, Sorocaba conta com 209 internos, sendo divididos em quatro centros de atendimento.
Aqueles que ainda não sabem ler e nem escrever estão sendo alfabetizados, não apenas em termos de letras e números, mas também em termos de oportunidades e perspectivas de vida. A alfabetização emerge como um pilar fundamental para a reintegração desses jovens na sociedade.
Total de adolescentes custodiados em Sorocaba
Idade | Quantidade |
13 | 5 |
14 | 17 |
15 | 28 |
16 | 43 |
17 | 79 |
18 | 35 |
19 | 2 |
Total | 209 |
Educação dentro da Fundação Casa
A Fundação Casa, que atende jovens nas faixas etárias de 13 a 21 anos incompletos, conta com uma parceria com a Secretaria de Estado da Educação, no qual garante o Ensino Básico a todos os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa com privação de liberdade. Eles também têm direito a cursos e oficinas que podem ser adicionados no currículo.
Ao adquirir habilidades de leitura e escrita, eles criam mais chances de ingressar em programas de educação formal, buscar empregos e se tornar cidadãos produtivos quando retornarem à sociedade, e isso só é possível através da ajuda dos professores.
Elisa Machado, professora dos anos iniciais, relata que quando foi trabalhar na Fundação foi um grande susto, mas encarou o desafio e hoje vem ajudando a transformar a vida dos jovens que estão nessa condição.
A professor ainda explica que parte da educação infantil eles não tiveram, então ela opta por levar jogos, para incentivar a formação de palavras. "Sempre tento trazer coisas lúdicas para eles resgatarem essa infância que eles não tiveram. Eles também têm uma dificuldade porque é diferente de uma criança que cresceu no meio de uma família que incentiva, que historinha, que leva para assistir peça teatral e aqui eles não tiveram nada disso, então é bem mais cru".
Ver a evolução dos alunos emociona Elisa, que sempre é surpreendida por notícias que aquecem o seu coração, como quando um dos alunos chega e fala que conseguiu ler um gibi ou quando ela percebe que melhoraram na pintura.
"A gente se diverte, eu tento trazer diversão para eles, nós cantamos e assim vamos criando juntos uma oportunidade de eles crescerem", finaliza.
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