Cumprindo medida socioeducativa em uma unidade no Recife, Vitória relata ter sofrido preconceito 'nas ruas', fala sobre apoio da família e sonha com projetos em liberdade.
Por Ricardo Novelino, g1 PE
Mulher trans, Vitória trocou nome na certidão de nascimento, mesmo cumprindo medida de ressocialização em unidade para infratores no Recife — Foto: Funase/Divulgação
Uma jovem de 19 anos que cumpre medida socioeducativa em uma unidade para infratores no Recife é a primeira mulher trans a conquistar o direito ao nome social na história do sistema de ressocialização de Pernambuco. Ela retificou o registro civil, alterando o gênero, e passou a ser conhecida oficialmente por Vitória, nome feminino que escolheu. “Me sinto mais mulher”, declarou.
Segundo a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase), a mulher trans cumpre uma medida socioeducativa há quase dois anos na unidade de Santa Luzia, no Prado, na Zona Oeste da capital pernambucana.
Por determinação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Funase não pode informar em qual cidade ela morava nem qual delito praticou.
A fundação disse apenas que ela cumprirá uma medida de, no máximo, três anos, a maior imposta aos jovens infratores.
Como ela praticou o ato infracional antes de completar a maioridade, aos 18 anos, terá que cumprir a medida em uma unidade de ressocialização, mesmo já sendo adulta.
Vitória é o segundo nome escolhido pela jovem. O primeiro, informou a Funase, não pode ser divulgado, assim como sobrenome, que não teve mudança.
A Funase divulgou o perfil da mulher trans que conseguiu o direto de mudar as informações nos documentos. Com ajuda da fundação, o g1 enviou perguntas para Vitória, que falou sobre todo o processo.
A jovem tem dez irmãos e revelou ser “a filha do meio”. Na entrevista, Vitória relatou ter recebido apoio da mãe, desde os 11 anos de idade, quando “se viu uma pessoa diferente”.
Mulher trans, Vitória adotou nome social mesmo cumprindo mdida socioeducativa em unidade para infratoras no Recife — Foto: Funase/Divulgação
“Quando soube da minha decisão, minha mãe disse que assinaria qualquer documento, se eu precisasse. Os meus irmãos estão felizes. Viram a minha felicidade e vibraram junto comigo”, afirmou.
A jovem apontou não ter sofrido preconceito dentro de casa, mas afirmou que sofreu “nas ruas”, quando “era muito xingada”.
Na unidade onde cumpre medida socioeducativa, a jovem usa roupas femininas e maquiagem e diz que “se sente livre e respeitada”.
A fundação informou que ela demonstrou interesse em fazer a mudança de registro civil durante os atendimentos com o serviço de assistência social do sistema.
“A decisão foi aqui na unidade quando tive conhecimento que tinha esse direito. Todas as orientações foram dadas pela assistente social daqui”, contou.
Depois de manifestar o desejo de tratamento com hormônios femininos e de alterar a documentação, a fundação buscou informações no Centro Municipal de Referência em Cidadania LGBTQIA+.
A equipe da assistência social ficou sabendo que era necessário providenciar todos os documentos para dar início ao processo. Vitória só tinha CPF e certidão de nascimento. Por isso, foi preciso conseguir o resto da documentação exigida.
Após o processo da retirada das segundas vias, aconteceu o retorno para o Centro de Referência e, posteriormente para a Defensoria Pública, que fez todo encaminhamento para a retificação do nome.
De acordo com a equipe de assistência social do sistema socioeducativo, com os novos documentos, a jovem vai evitar constrangimentos e discriminação social.
Com a mudança, a jovens trans planeja a vida fora da unidade de ressocialização. Fez cursos profissionalizantes promovidos pelo sistema e pretende trabalhar em algumas áreas.
“Quero fazer cursos de esteticista e maquiagem. Mas gosto muito de design gráfico, fiz um curso pela Funase”, comentou.
Atualmente, Vitória faz um estágio na área administrativa. “Estou aprendendo muito. Acho que todo aprendizado é válido”, acrescentou.
Lei
Em 2018 o Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu que o processo de retificação pudesse ser feito pelos cartórios civis.
Antes disso, era necessária autorização judicial para alterar o nome. A retificação do registro civil é um direito que permite a alteração do nome e do gênero em todos os documentos da pessoa interessada.
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