Cedeca e Fórum DCA divulgaram nesta semana o 5º Relatório do Monitoramento do Sistema Socioeducativo Cearense Meio Aberto
Quase 70% dos adolescentes em conflito com a lei que passam pelo Judiciário em Fortaleza seguem para medida socioeducativa em meio aberto, segundo o juiz Manuel Clístenes, titular da 5ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza. São jovens que, na maioria dos casos, cometeram infrações sem uso da violência e que necessitam de políticas públicas para prevenção da reiteração delitiva. Mas, o cumprimento eficaz dessas medidas está ameaçado.
Um relatório que monitora o Sistema Socioeducativo Cearense Meio Aberto divulgado nesta semana pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) e Fórum Permanente das ONG'S de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará (DCA) aponta problemas que vão desde a insuficiência dos Centro de Referência de Assistência Social (Creas) - onde estes adolescentes são acompanhados - à faccionalização dos territórios na capital cearense, que impede o ir e vir da população moradora de determinados bairros periféricos.
Até o último mês de outubro, conforme a Secretaria de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS), eram acompanhados 649 adolescentes em medidas socioeducativas em meio aberto. O número é o dobro dos jovens acompanhados pela Pasta em 2019, antes da pandemia.
Para o magistrado, que participa diariamente das audiências, o número não reflete uma realidade de ressocialização e a pandemia precisa ser levada em consideração.
"Eu digo que a pandemia também causou uma verdadeira tragédia dentro do Sistema Socioeducativo. Hoje, em mais da metade das audiências, os adolescentes não comparecem. Perderam o hábito de se apresentar ou até mesmo não conseguem se locomover de ônibus porque são ameaçados nos bairros. Ainda há a insuficiência dos Creas, que não é de hoje que batemos nessa tecla", pondera Manuel Clístenes.
CONSEQUÊNCIA DA PANDEMIA
O distanciamento como consequência da pandemia também é abordado pelo Fórum DCA e Cedeca. Eles trazem no documento que "a suspensão das medidas de meio aberto durante a pandemia enfraqueceu mais ainda os vínculos dos adolescentes e suas famílias com o Creas, uma vez que a distância e o atendimento ficaram cada vez menos frequentes"
Também preocupa pensar em onde estão estes adolescentes. De acordo com Manuel Clístenes, em um dia de audiência nas últimas semanas, ele se deparou com cinco atestados de óbito de jovens que cumpriam medida socioeducativa: "enquanto todos olhavam para a pandemia, houve uma matança".
"A medida de meio aberto é para prevenção secundária. É preciso fortalecer o acesso do adolescente à escola, ao projeto social e prevenir a violência letal. Essas medidas de meio aberto são fundamentais"INGRID LEITEAssessora técnica do Cedeca e coordenação colegiada do Fórum DCA
ONDE ESTÃO OS CREAS
Cabe ao Creas ser equipamento de referência da proteção social especial em Fortaleza. Hoje há seis centros para atender os 121 bairros na Capital (Alvorada; Conjunto Ceará; Luciano Cavalcante; Monte Castelo; Mucuripe e Rodolfo Teófilo). A distribuição implica até mesmo para que os adolescentes consigam chegar aos equipamentos, segundo relatos.
"Todos os dias nós escutamos sobre adolescentes que não conseguem cumprir medida porque não podem frequentar o Creas de área tal. Isso também se deve a ter poucos Creas. A questão de atravessar bairros é uma dificuldade para essas famílias. Eu escuto relatos que eles não conseguem se locomover de ônibus porque esses ônibus passam por territórios rivais. Aí colocam o deslocamento de aplicativo como uma necessidade, sendo que às vezes não conseguem o dinheiro para o carro", pondera o juiz.
A dificuldade também foi percebida durante as visitas que culminaram no relatório. Os pesquisadores indicaram que durante as visitas aos equipamentos todas as equipes técnicas relataram que conflitos territoriais são "uma grave questão para o cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto". A demarcação territorial gera um campo de tensão atravessado pelo tráfico de drogas, afetando e aumentando as desigualdades sociais que já são enfrentadas pela população.
O que aconteceu com Caio (nome fictício) é exemplo da situação. Ele relatou aos pesquisadores que: "fazia karatê no Cuca, mas fui interrompido pelas facções. Aí fica muito distante ir para outro canto. Nem sempre pegar ônibus é tranquilo, mesmo tendo o valor do transporte".
A SDHDS afirma que está em elaboração um plano de ação sobre implementação de novas unidades do Creas que será apresentado em audiência ao Ministério Público e ao Cedeca.
QUESTÃO ORÇAMENTÁRIA
O monitoramento indica a necessidade imediata de, pelo menos, 13 Centros em Fortaleza. Para Ingrid Leite, os equipamentos "são extremamente estratégicos para esse plano individual de atendimento que acabam em um cenário de poucos profissionais sobrecarregados".
De acordo com a publicação do Fórum e Cedeca, nos últimos quatro anos o orçamento previsto não foi executado. A estrutura física dos Centros é outro problema exposto no monitoramento.
"Temos Creas com estrutura de casa e não de equipamento público. A política de assistência social é direcionada a quem precisa dela. Atravessamos um contexto de pandemia e vemos o aumento dos índices das pessoas em situação de pobreza. O cenário é grave", diz a assessora técnica do Cedeca e membro da coordenação colegiada do Fórum DCA.
A Secretaria afirma que os Centros contam com equipe de 61 profissionais entre psicólogos, assistentes sociais, educadores, advogados e pedagogos.
Conforme a Pasta, neste ano, os Creas realizaram 2.359 atendimentos voltados ao acompanhamento de medidas socioeducativas em meio aberto, destes, 2.052 foram atendimentos relacionados ao cumprimento de Liberdade Assistida (LA) e 181 relacionados ao cumprimento de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC).
"Em outubro, a SDHDS reuniu cerca de 70 profissionais dos CREAS que atuam no acompanhamento de medidas socioeducativas em meio aberto. O Seminário reuniu promotores de Justiça, defensores públicos, psicólogos, pedagogos, advogados e assistentes sociais e construiu debates sobre: Atribuições da Psicologia e articulações com a Saúde no atendimento socioeducativo; Limites e possibilidades da atuação da Pedagogia na socioeducação; Enfoque restaurativo nas medidas socioeducativas em meio aberto; Desafios e os impactos no acompanhamento das medidas socioeducativas em meio aberto".SDHDS
A SDHDS diz que devido à redução de cerca de 60% de financiamento do Fundo Nacional da Assistência Social para custeio de despesas dos Creas no município de Fortaleza, foi necessária uma readequação no projeto de expansão destes equipamentos.
O Cedeca e o Fórum pedem em paralelo a criação do Censo do Sistema Socioeducativo em Meio Aberto, com dados que incluam faixa etária, escolaridade, raça e gênero de todos os adolescentes que cumprem medida.
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