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Privatizar o atendimento socioeducativo significa priorizar o lucro sobre o cuidado, comprometendo diretamente a reintegração de adolescentes na sociedade
Publicado 31/05/2024 - 11h28
Por Neemias Souza – A discussão sobre a privatização da Fundação Casa, órgão responsável pelo sistema socioeducativo em São Paulo, tem gerado grande preocupação nos últimos tempos. Em especial, pelos servidores que prestam atendimento socioeducativo no Estado de São Paulo e lidam diariamente com jovens envolvidos em infrações que vão desde delitos leves até crimes graves, como matar a própria família.
A privatização do sistema socioeducativo transforma esses jovens em objetos de lucro, em mercadorias, desrespeitando o propósito da Fundação Casa. Privatizar o atendimento socioeducativo significa priorizar o lucro sobre o cuidado, comprometendo diretamente a reintegração desses adolescentes na sociedade. A mudança da gestão pública para privada não garante a manutenção da qualidade no atendimento e pode, ao contrário, colocar em risco os direitos e o bem-estar dos jovens e dos trabalhadores que estão no sistema.
Relatórios do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura indicam que a privatização em outros estados resultou em violações de direitos humanos e falhas operacionais graves. Modelos de cogestão e parcerias público-privadas na área de socioeducação e no sistema prisional foram denunciados por violações de direitos, demonstrando que a privatização não é uma solução eficiente para os problemas atuais.
Entendo que a proposta de privatização desvia recursos que deveriam ser investidos no fortalecimento da rede socioassistencial, de saúde e nas políticas educacionais. Medidas socioeducativas em meio aberto, que têm prioridade constitucional e legal sobre as medidas privativas de liberdade, têm sido negligenciadas. Além disso, a privatização favorece a expansão das unidades de internação, contrariando as recomendações que apontam para a necessidade de medidas alternativas à privação de liberdade.
A história das Parcerias Público-Privadas (PPPs) no Brasil mostra problemas frequentes, como atrasos em obras, inadequação de performance e falta de transparência. Até 2016, de 93 contratos de PPP assinados, 23 enfrentavam múltiplos problemas, incluindo processos administrativos e performance insatisfatória das concessionárias. Experiências de privatização em áreas como a Arena Pernambuco e o Centro de Ressocialização de Pernambuco foram encerradas antes do prazo devido a falhas significativas.
O sistema socioeducativo afeta principalmente adolescentes e jovens negros, pobres e moradores de periferias, reforçando a seleção e o racismo estrutural. A privatização intensifica essa situação, impactando negativamente famílias negras e em situação de pobreza, as quais são constantemente criminalizadas e institucionalizadas pelo Estado. A falta de espaços de diálogo e participação para essas famílias e jovens no processo de decisão sobre a privatização evidencia a marginalização contínua dessas vozes.
Não vejo com bons olhos a atual proposta política de privatização da Fundação Casa. Entendo ser necessário trazer à sociedade e às autoridades esta questão, sempre mantendo o olhar atento às necessidades dos servidores do setor, defendendo a manutenção dos empregos, a preservação dos direitos laborais a garantia de um atendimento qualitativo, e não quantitativo, aos adolescentes inseridos no sistema.
- Leia também: ‘Retrocesso, superlotação e desassistência’: especialistas se opõem a plano de Tarcísio de privatizar a Fundação Casa
Manter o caráter público da socioeducação na Fundação Casa é basilar para um sistema socioeducativo eficaz e alinhado com os princípios da justiça social e a garantia da efetiva reintegração dos jovens atendidos à sociedade, além de assegurar os direitos e a dignidade dos trabalhadores envolvidos. Oferecer um atendimento que respeite a dignidade humana e promova a transformação social, de forma digna e positiva, é o mínimo que se espera e, infelizmente, esses aspectos não podem ser plenamente garantidos pela lógica mercantil da privatização.
Neemias Souza é presidente do SITSESP sindicato da socieducação é um dedicado trabalhador, líder sindical e defensor incansável dos direitos dos trabalhadores. Nascido na Bahia, Neemias é casado pai de três filhos, constituindo uma família que o inspira e motiva em sua jornada.
Com uma trajetória profissional marcada por 23 anos de serviço na Fundação Casa, Neemias consolidou-se como uma figura proeminente no campo da sócio-educação. Ao longo desses anos, enfrentou desafios, celebrou conquistas e acumulou experiências valiosas que moldaram sua visão de mundo e sua atuação em prol do coletivo.
Uma das lembranças mais marcantes de sua carreira foi o período em que testemunhou a injusta demissão de mais de mil colegas de trabalho. Diante desse cenário adverso, Neemias não hesitou em mobilizar seus companheiros para lutar por seus direitos. Através de protestos nas ruas, articulação política e um imenso esforço coletivo, conseguiram reverter essa situação injusta, evidenciando o poder da união e da liderança eficaz. Em 2019, Neemias foi honrado com a eleição direta pelos seus pares para presidir o sindicato, uma prova do reconhecimento e confiança depositados em sua capacidade de liderança.
Contudo, sua legitimidade foi contestada e seu mandato foi abruptamente interrompido por uma decisão judicial questionável. Apesar disso, Neemias mantém sua fé na justiça e ressalta que a injustiça pode e deve ser corrigida agora. Com o apoio dos seus colegas de profissão a verdade prevalecerá.
Diante dos desafios presentes, como a ameaça de privatização da Fundação Casa através de Parcerias Público-Privadas (PPP), Neemias reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos dos trabalhadores e com a luta incansável por justiça e igualdade. Ele coloca seu nome novamente à disposição da categoria, pronto para liderar e representar os interesses dos trabalhadores com dedicação e determinação.
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