Congresso cortou gastos obrigatórios para elevar emendas parlamentares. Segundo economistas, governo terá de bloquear recursos, e serviços públicos podem ser afetados.
Por Alexandro Martello, G1 — Brasília
O orçamento de 2021, aprovado nesta semana pelo Congresso Nacional, não traz parâmetros realistas, segundo analistas ouvidos pelo G1, e, por isso, avaliam, levará a área econômica do governo a realizar forte bloqueio de despesas para cumprir as regras fiscais.
Segundo economistas, o Legislativo efetuou algumas manobras contábeis, quase todas sem concordância da área econômica do governo, para aumentar as emendas parlamentares — instrumento que os congressistas dispõem para destinar mais recursos aos seus projetos nos estados e municípios.
Com as alterações, o Congresso cortou R$ 26,45 bilhões em gastos para inflar as emendas parlamentares previstas para este ano, para cerca de R$ 46 bilhões — 2022 é ano eleitoral para deputados, senadores e presidente da República.
"Achei que foi um verdadeiro ataque ao orçamento pelos parlamentares. Aconteceu de tudo. Teve contabilidade criativa, pedalada fiscal, transferência de despesas para a iniciativa privada. Do ponto de vista orçamentário, foi uma noite para ser esquecida", avaliou o economista Gil Castello Branco, do portal Contas Abertas, sobre as negociações finais em torno da peça orçamentária.
Segundo ele, as manobras implementadas pelo Legislativo para "driblar" o teto de gastos — mecanismo pelo qual a maior parte das despesas orçamentárias não pode subir acima da inflação do ano anterior — tornaram o orçamento "maquiado".
"O Congresso está tentando preservar o teto [de gastos] de uma forma artificial", acrescentou.
Segundo o economista Arnaldo Lima, diretor de Estratégias Públicas do Grupo Mongeral Aegon, a "falta de aderência" do orçamento e dos parâmetros macroeconômicos a um cenário mais realista gera "aumento de incerteza no mercado, o que impacta negativamente a recuperação da atividade econômica de forma sustentada".
"Não diria que o orçamento virou uma peça de ficção, mas deveria estar mais adequado às diretrizes ASG [ambiental, social e governança], especialmente no quesito de transparência e governança, até porque o orçamento é a política de investimento do principal investidor institucional, o setor público", disse.
Ele observou que, desde o ano passado, as emendas de relatores estão "ganhando valores substanciais".
Por meio da assessoria, o G1 entrou em contato com o senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator do orçamento de 2021, e perguntou sobre as críticas dos economistas às alterações promovidas na peça orçamentária. Mas não obteve resposta.
Bloqueio de gastos
Antes mesmo da aprovação do orçamento deste ano pelo Congresso Nacional, o Ministério da Economia já havia apontado a necessidade de efetuar um bloqueio de R$ 17,5 bilhões em gastos discricionários (não obrigatórios) para impedir que as despesas superassem o teto de gastos.
Entretanto, segundo analistas, a equipe econômica terá de aumentar o bloqueio orçamentário por conta das alterações no orçamento promovidas pelo Legislativo. Como as despesas previdenciárias são gastos obrigatórios, ou seja, não há a alternativa de não pagá-los, o governo terá de cortar em outras áreas.
"O orçamento vai ser administrado na boca do caixa, e o ônus vai ficar para o Executivo, que não vai ter outra solução a não ser fazer um contigenciamento [bloqueio] drástico para continuar caminhando dentro da responsabilidade fiscal, da meta de déficit primário e do cumprimento do teto", disse Gil Castello Branco, do Contas Abertas.
Ele estimou que o bloqueio pode ultrapassar a marca dos R$ 30 bilhões neste ano. Pela regra, pode atingir até mesmo as emendas parlamentares, na mesma proporção do corte total. Se não implementar o corte de gastos, explicou ele, o governo pode responder por crime contra a responsabilidade fiscal.
Arnaldo Lima, do grupo Mongeral Aegon, afirmou que o governo terá de enviar ao Congresso um projeto de lei recompondo o orçamento das despesas obrigatórias por meio de créditos suplementares em cerca de R$ 30 bilhões, especialmente para previdência, seguro-desemprego e subsídios.
"É possível que o governo tenha que iniciar conversas com o TCU [Tribunal de Contas da União] para abrir créditos extraordinários para pagar todas essas despesas obrigatórias até o final do ano, pois elas dificilmente caberão no orçamento sem uma redução brutal das despesas discricionárias [não obrigatórias], que inibirá o devido funcionamento da administração pública", declarou.
- Com um bloqueio maior nos gastos em 2021, o orçamento dos ministérios, englobando despesas em saúde, educação, investimentos federais e gastos de custeio, como contas de água e luz, que já estava restrito, deve ser mais impactado ainda.
- No fim do ano passado, o governo admitiu que, sem reformas estruturais, o teto de gastos tende a "precarizar gradualmente a oferta de bens e serviços públicos e a pressionar, ou, até mesmo, eliminar investimentos importantes".
O que o Congresso fez
Confira abaixo algumas manobras contábeis adotadas.
- O Congresso Nacional reduziu em R$ 13,5 bilhões a previsão para os gastos previdenciários em 2021, que são obrigatórios, ou seja, não existe a opção de não serem pagos.
- O Legislativo cortou R$ 7,4 bilhões em gastos previstos para o abono salarial neste ano. A medida foi considerada como um tipo de pedalada, ou seja, transferir para o ano seguinte a realização das despesas, mesmo que tenha ocorrido após aprovação do Codefat (com participação do governo).
- Os parlamentares diminuíram em R$ 2,6 bilhões a estimativa para gastos com seguro-desemprego em 2021, que também são gastos obrigatórios. Economistas não viram lógica nessa queda de recursos, diante da eventual pressão por mais despesas decorrente da pandemia do coronavírus.
- Os parlamentares reduziram também em R$ 1,35 bilhão a previsão de pagamento de subsídios agrícolas, que são utilizados como contrapartidas do Tesouro Nacional ao crédito agropecuário. A medida pode gerar dificuldades de financiamento ao setor.
- O Congresso quer alterar o formato de pagamento do auxílio-doença, outra despesa obrigatória, mas a implementação da medida ainda tem de ser aprovada legalmente. A proposta é que as empresas paguem, com recursos próprios, esses valores e depois sejam reembolsadas com abatimento em tributos devidos, o que reduziria em R$ 4 bilhões a projeção de gastos neste ano (abrindo igual espaço no teto).
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