O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou nesta semana um guia completo para orientar gestores na construção de programa de acompanhamento a adolescentes que cumpriram medida socioeducativa de internação ou de semiliberdade. A iniciativa é inédita em âmbito nacional e propõe diretrizes, parâmetros, metodologias de trabalho e de articulação interinstitucional para a adoção da estratégia em todo o país. Para marcar o lançamento da publicação, o CNJ promoveu formação voltada a magistrados e a magistradas que atuam com a temática e equipes dos poderes Judiciário e Executivo, debatendo vantagens e desafios para a implementação conjunta.
O “Guia para Programa de Acompanhamento a Adolescentes Pós-cumprimento de Medida Socioeducativa de Restrição e Privação de Liberdade” faz parte da série Fazendo Justiça, parceria entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que busca solucionar desafios estruturais da privação de liberdade no país. Os três cadernos trazem as temáticas Diretrizes e bases do programa (Caderno I); Governança e arquitetura institucional (Caderno II); e Orientações e abordagens metodológicas (Caderno III).
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A metodologia foi elaborada de forma colaborativa, com grupos de debate e análise sobre experiências em funcionamento e programas já encerrados. A proposta se apoia em marcos normativos nacionais e internacionais, com destaque para o Estatuto da Criança e do Adolescente, que completou 30 anos recentemente, e o Sistema Nacional e Atendimento Socioeducativo (Sinase), instituído pela Lei nº 12.594/2012. No campo internacional, há referência nas Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção de Jovens em Privação de Liberdade, conhecidas como Regras de Havana.
Entre os princípios que guiam as publicações, estão a noção de exercício da cidadania e autonomia de adolescente por livre adesão ao programa, uma vez que este já não faz parte da medida socioeducativa. A estratégia também leva em conta a diversidade e as diferenças regionais, assim como desigualdades de estrutura social. Outro ponto que perpassa todo o programa é a transversalidade de temas relativos às experiências sociais de adolescentes, como raça e etnia, orientação sexual, identidade de gênero e idade.
Segundo o juiz auxiliar da presidência do CNJ com atuação no Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Antonio Tavares, o programa marca o fortalecimento do Judiciário enquanto ator da rede do Sistema de Garantia de Direitos e que deve cooperar com os poderes executivos estaduais, responsáveis pela efetivação das medidas. “Buscamos auxiliar no processo de construção de políticas públicas e de novos vínculos desses adolescentes e jovens com a comunidade.”
Segundo Tavares, “o foco é a garantia de direitos e a prioridade máxima constitucional de proteção e zelo pelo desenvolvimento infanto-juvenil, diminuindo os impactos da intervenção estatal na liberdade, nos corpos e nos projetos de vida de adolescentes que já cumpriram com o estabelecido em seu plano individual de atendimento. Este momento reforça o profundo compromisso do CNJ com a garantia de direitos de crianças e adolescentes no país, em estrito alinhamento com os acordos internacionais”.
O magistrado ressaltou que a proposta é assegurar acesso ao esporte, cultura e lazer e garantindo atendimentos que se façam necessários à saúde e demais políticas essenciais. “Compõem, portanto, alternativas que respeitem a convivência familiar e comunitária, bem como a autonomia de adolescentes nas suas escolhas por projetos de vida para que signifiquem mais do que ideais, representem caminhos para o estímulo à cidadania.”
Para a coordenadora da Unidade de Paz e Governança do PNUD, Moema Freire, a colaboração entre as Nações Unidas e o CNJ tem trazidos frutos importantes para o fortalecimento do sistema socioeducativo, além de promover o compromisso do país com a a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável. “Sabemos que a oferta de oportunidades de reintegração à sociedade após o cumprimento de medida socioeducativa é não só prerrogativa do Estado, mas se configura como uma condição essencial para o desenvolvimento do país.”
Nessa perspectiva, destacou a representante do PNUD, não há como pensar em redução de desigualdades sem a garantia de direitos a jovens e adolescentes envolvidos em atos infracionais, buscando oferecer ferramentas para que tracem novos rumos e exerçam plenamente a cidadania. “A qualificação da discussão, a troca de experiências e a oferta de instrumentos de apoio colaboram com o fortalecimento a esses jovens na construção de novos vínculos entre si e com a comunidade.”
Mobilização nacional
O lançamento do guia foi acompanhado do curso Implementação do Programa Pós-Medida Socioeducativa: Vantagens e Desafios, com a participação de mais de 250 pessoas de todo o país em dois dias de atividade. O primeiro dia abordou a estrutura geral do guia e as diretrizes e bases do programa, além de detalhar desafios de iniciativas em Minas Gerais e Rio Grande do Sul. No segundo dia, as pessoas participantes conheceram a estrutura dos Cadernos II e III e participaram de reflexões diante de violências sofridas por adolescentes.
A coordenadora técnica do eixo socioeducativo do Fazendo Justiça, Fernanda Givisiez, aponta que o programa nacional busca reunir os atores do Sistema de Garantia de Direitos para refletir sobre o atendimento pós-medida socioeducativa. “Temos, no país, importantes e exitosas iniciativas, mas não havia um material que propusesse diretrizes nacionais. A elaboração do programa pensou nas diferentes realidades locais e na possibilidade de contribuir para a construção de propostas que respeitem a autonomia dos adolescentes em seus projetos de vida”, explicou. Segundo Fernanda, a proposta é que esses novos caminhos sejam pautados pelo estímulo à cidadania social e política. “A ideia é levar debate aos estados, para seguir discutindo e conseguir implementar a política a adolescentes em vulnerabilidade social”.
A autora do guia e professora do curso de serviço social da Universidade Federal de Tocantins, Cecília Froemming, destacou o aspecto colaborativo da estratégia, com ampla participação na construção das publicações e também no curso voltado à sua implementação. “O contexto de pandemia nos levou a lançar este guia de forma virtual. Propomos a realização de uma metodologia ativa, na qual os cursistas enviaram um exercício com plano de ação e indicação do papel do Judiciário ou do Executivo para iniciar a implementação do programa. Tivemos uma grande resposta e esperamos com isso alavancar as iniciativas no âmbito estadual. O seminário é um espaço de encontro e trocas com parcerias antigas e novas, de diferentes unidades da federação.”
Temas
O Caderno I do “Guia para Programa de Acompanhamento a Adolescentes Pós-cumprimento de Medida Socioeducativa de Restrição e Privação de Liberdade” é dividido nos seguintes tópicos: marcos normativos e diretrizes de atendimento das políticas de infância e adolescência no Brasil; marcos normativos e diretrizes do Sinase; e parâmetros conceituais da metodologia. No Caderno II, são abordados: arquitetura institucional do programa; Instrumentos para formulação e acompanhamento; e políticas, programas e serviços da rede intersetorial, como educação, saúde e assistência social. Já o Caderno III apresenta orientações teóricas e metodológicas, as etapas do atendimento e os instrumentais pedagógicos.
Iuri Tôrres
Agência CNJ de Notícias
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