Gastos. Um dos problemas das instituições públicas é criar o próprio mundo paralelo
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Agência O Globo | @jornalovale
Em meio à iniciativa do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, de pregar contra as decisões monocráticas de ministros, o julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro na condenação do ex-presidente Lula expôs outro mecanismo que concentra poder nas mãos de um magistrado: os pedidos de vista. Neste momento, o expediente paralisa 377 processos na Corte, em desrespeito, na maioria das vezes, ao regimento interno do colegiado, que prevê a obrigatoriedade de retorno do caso ao plenário duas sessões depois para que a tramitação seja retomada.
O mais comum é que os ministros levem meses e até anos para devolver os casos para julgamento. No caso da suspeição de Moro, o ministro Gilmar Mendes pediu vista do julgamento em dezembro de 2018, na Segunda Turma. Até agora, Cármen Lúcia e Edson Fachin votaram a favor de Moro. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski ainda não votaram, mas deram a entender nos debates que consideram exacerbada a atuação do ex-juiz na condução da Lava-Jato.
Em outubro do ano passado, o ministro Celso de Mello, que também votaria, se aposentou e foi substituído por Nunes Marques. Com a nova configuração do colegiado, Mendes cogita retomar o julgamento ainda neste semestre, na esperança de seu ponto de vista sair vitorioso. Isso porque o voto de Celso de Mello era uma incógnita e, no STF, ministros acreditam que Nunes Marques votará contra Moro, por ser visto como garantista.
O constitucionalista Mamede Said, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), avalia que a demora em devolver os casos para julgamento contribui para a morosidade da Justiça, que já está congestionada com muitos processos:
— O pedido de vista é um direito do magistrado em qualquer tribunal, em geral, para firmar uma ideia mais precisa sobre matéria. Mas muitas vezes (em que) ele é utilizado, acaba surtindo efeito de procrastinar, retardar o julgamento do feito.
Temas polêmicos
Atualmente, entre os pedidos de vista no STF, 207 são do plenário. Nesses casos, os 11 ministros participam do julgamento. Outros 90 são da Primeira Turma, formada por cinco ministros; e 80, da Segunda Turma, constituída por outros cinco magistrados. Dos 377 pedidos de vista no STF, 152 já foram devolvidos e, em tese, a votação pode ser retomada a qualquer momento, dependendo apenas de o presidente da Corte, Luiz Fux, incluir os processos na pauta.
Entre os processos que aguardam reposição na agenda está o que versa sobre a criminalização do porte de drogas para consumo próprio. Em setembro de 2015, o ministro Teori Zavascki pediu vista no julgamento. Com a morte dele, em janeiro de 2017, o seu substituto, o ministro Alexandre de Moraes, herdou o processo e em novembro de 2018, devolveu o caso para ser analisado em plenário. O então presidente do STF, Dias Toffoli, chegou a marcar o julgamento por duas vezes no ano seguinte, mas o retirou de pauta. Até agora, três ministros votaram: o relator Gilmar Mendes, que defendeu a descriminalização do porte para uso de todo tipo de droga; e Fachin e Luís Roberto Barroso, que votaram pela descriminalização, mas só para o porte de maconha.
Num outro caso, em maio de 2012, o ministro Luiz Fux pediu vista no julgamento de uma ação da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra uma lei do Estado do Rio de Janeiro que trata da organização do Tribunal de Justiça local e prevê, entre outros itens, algumas gratificações, como o auxílio pré-escolar. Em dezembro de 2017, Fux devolveu o caso para julgamento. Um ano depois, Toffoli, então presidente a Corte, marcou o julgamento para março de 2019, mas, logo depois, o retirou da pauta.
Na Suprema Corte dos Estados Unidos, os ministros podem rejeitar o julgamento de uma causa em razão de a questão envolver valores que não estão maduros socialmente para serem julgados. A Constituição brasileira não permite isso. A válvula de escape para esse filtro, muitas vezes, acaba sendo o pedido de vista.
O pedido de vista mais antigo aguardando julgamento no plenário é do ministro Carlos Ayres Britto, que se aposentou em 2012. A interrupção do julgamento foi em agosto de 2006. Ele devolveu o caso para a pauta em fevereiro de 2012, mas a ação jamais voltou a julgamento. O processo trata do quorum necessário para o Legislativo deliberar sobre acusação contra governador por crime de responsabilidade.
Também no plenário, Gilmar Mendes pediu vista de um processo em agosto de 2011 e ainda não o devolveu. É o caso mais antigo do plenário sem devolução do ministro. O caso trata de execução extrajudicial no Sistema Financeiro de Habitação.
Na Primeira Turma, o caso mais antigo de pedido de vista é de um processo de uma empresa de energia elétrica do Espírito Santo que questiona o cálculo de alguns impostos federais. Fux interrompeu o julgamento em outubro de 2016. O ministro não integra mais o colegiado desde setembro do ano passado, quando assumiu a presidência do STF. Na Segunda Turma, o recorde é de um processo com pedido de vista também de Ayres Britto em agosto de 2010 e jamais devolvido para julgamento. É um processo em que uma empresa aérea tentou anular uma multa aplicada pela Justiça.
A assessoria de comunicação do STF divulgou nota defendendo o direito dos ministros de pedirem vista e ponderando sobre as dificuldades de elaborar a pauta de julgamentos. "É prerrogativa dos ministros pedirem vista para estudarem melhor os processos em andamento na Corte. Em relação à pauta do plenário, que é elaborada pelo presidente da Corte, a definição dos julgamentos é feita em interlocução com os relatores dos casos, respeitando sempre que possível a prioridade por eles solicitada, e levando em conta casos que demandam solução em prol da segurança jurídica do país", diz o texto.
Outros tribunais
O pedido de vista não é um mecanismo apenas do STF; ele existe também nos outros tribunais brasileiros. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, pedidos de vista vêm retardando a análise, pela Quinta Turma da Corte, de habeas corpus do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no caso da "rachadinha" na Alerj. Em novembro do ano passado, o relator, ministro Felix Fischer, votou para negar os pedidos da defesa, mas o ministro João Otávio de Noronha pediu vista.
O regimento interno do STJ prevê que a vista deve ser devolvida em até 60 dias, prazo que fica suspenso durante o recesso e as férias. Noronha fez isso dentro o prazo e, na última terça-feira, votou a favor de parte dos pedidos da defesa. Mas o julgamento não foi concluído porque o próprio relator pediu nova vista.
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