Carolina Linhares
SÃO PAULO
Ao anunciar um déficit de R$ 10,4 bilhões nas contas do estado de São Paulo, o governo João Doria (PSDB)decretou o bloqueio de quase R$ 6 bilhões nos gastos previstos para este ano. Mais da metade desse valor (54%) representa despesas que seriam destinadas a investimentos.
Com isso, o estado perde 18% dos investimentos descritos no Orçamento para 2019, elaborado pela gestão anterior, de Márcio França (PSB), e aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo. De um Orçamento de R$ 260,8 bilhões, foram congelados R$ 2,8 bilhões em custeio e R$ 3,2 bilhões em investimentos.
Ainda assim, Doria, que é postulante à Presidência da República em 2022, terá R$ 14,7 bilhões para gastar com obras, aquisição de equipamentos e outros investimentos. Em 2018, o estado empenhou R$ 12,4 bilhões em despesas do tipo.
A liberação dessa verba até dezembro está condicionada à eventual venda da Sabesp, estatal de água e saneamento do estado, o que traria receitas novas e aliviaria o caixa do governo. Mas, se a privatização ou capitalização não for concretizada neste ano, diferentes áreas terão que reduzir quase metade do que teriam direito a gastar com novas obras e programas.
O governador de São Paulo, João Doria, e o secretário da Fazenda, Henrique Meirelles, em reunião em Brasília - Pedro Ladeira - 10.jan.19/Folhapress
As secretarias de Saúde, Educação e Segurança Pública, essa última a principal vitrine de Doria, foram preservadas da tesourada. A pasta da Cultura também, após um recuo.
Turismo, Habitação e Direitos da Pessoa com Deficiência estão entre as mais afetadas pelos cortes definidos pela gestão tucana. Investimentos como compra de veículos e trens, expansão do metrô, obras do rodoanel e ferroanel, além de repasses a municípios para obras de infraestrutura podem ser afetados.
“Turismo é importante, mas se tiver que decidir entre um novo programa para atrair turista e contratar policial que está precisando em uma região, vamos escolher o policial”, afirma o secretário da Fazenda, Henrique Meirelles (MDB).
Os demais 46% do valor congelado representam gastos com custeio da máquina pública. Em relação ao previsto no Orçamento de 2019, houve uma perda de 3% nas despesas desse tipo.
O argumento do governo é que diminuir gastos da máquina pública possibilita alocar recursos em investimentos, porém, na prática, os dois tipos de despesa foram represados —sendo que proporcionalmente houve maior retenção nos investimentos.
“O custeio não teria condições de absorver tudo, então uma parte teve que ser corte de investimento. É a realidade”, afirma Meirelles.
O valor bloqueado foi distribuído entre as secretarias, inclusive com a definição exata dos percentuais a serem cortados em investimento e custeio para cada uma delas, em uma decisão tomada conjuntamente por Doria, Meirelles e pelo vice-governador e secretário de Governo, Rodrigo Garcia (DEM).
Houve protesto e mobilização, por exemplo, em relação ao corte no Projeto Guri, programa de educação musical gratuita para crianças carentes. Doria recuou e descongelou toda a verba da Secretaria da Cultura, que havia perdido R$ 148,5 milhões (sendo 22% de custeio e 46% de investimento).
A definição de quais programas seriam cortados ficou a cargo de cada secretaria --o bloqueio está em vigor desde 21 de janeiro, quando o decreto foi publicado. Segundo Meirelles, não será necessário um novo decreto para liberar a verba da Cultura.
O secretário diz que recuos fazem parte do processo. “Acho notável só ter havido necessidade de ajustar até agora na Cultura”, afirma.
Para o especialista em contas públicas, Gustavo Fernandes, professor da FGV, a situação financeira de São Paulo não é tão preocupante, sobretudo se comparada à dos vizinhos Rio de Janeiro e Minas Gerais.
O professor afirma que é tradicional que os governos promovam contingenciamentos nos primeiros meses e que o déficit é usado como discurso para justificar a medida. “Esse é o momento de contingenciamento porque a gente não sabe o que vai acontecer daqui pra frente”, diz.
“O bloqueio em investimento piora o quadro de obras paradas e de carência de infraestrutura. O custeio tem um certo limite, porque se reduzir demais inviabiliza o funcionamento da máquina pública.”
O governo Doria afirma ter verificado que o Orçamento elaborado por França contava com receitas incertas, o que gerou o rombo de R$ 10,4 bilhões. Além do contingenciamento, Meirelles pretende arrecadar mais R$ 4,76 bilhões no mercado internacional para cobrir o déficit.
“A hora que a gente entrou no governo, percebemos um passivo desse tamanho e sem previsão orçamentária”, disse o secretário de Desenvolvimento Regional, Marcos Vinholi (PSDB), que era deputado estadual e foi relator do Orçamento enviado por França no ano passado. “Isso não estava apontado no Orçamento que o governo enviou”, justificou o tucano.
Maurício Juvenal, secretário do Planejamento de França, diz que não faz sentido falar em déficit orçamentário no início do ano e que, ao diminuir a previsão de receita, “Doria não acredita no próprio governo que montou”.
“Não era necessário contingenciar, isso é absolutamente conservador”, afirma o ex-secretário, lembrando que a arrecadação cresceu neste trimestre em relação a 2018. “Falar em corte e dar incentivos fiscais, fazer renúncia de receita, me parece contraditório.”
Na Assembleia, partidos de oposição, como o PT, acusam Doria de inventar um déficit para pavimentar caminho para privatizações. Meirelles rebate os argumentos. Diz que as isenções fiscais, ao setor automotivo e ao combustível de aviação, por exemplo, gerarão mais receita.
Meirelles diz também atuar para que as receitas previstas, como a da Sabesp, se concretizem neste ano, mas não conta com elas. E aponta que o aumento de receita já estava previsto no Orçamento, portanto não se trata de renda extra.
O contingenciamento representa 2,3% do Orçamento previsto, de R$ 260,8 bilhões. “Isso é um fato. O estado não tem esses recursos. Se gastasse, ia faltar. Ou você decide pelo contingenciamento de forma inteligente, organizada e racional. Ou o contingenciamento vai ser caótico na hora que faltar dinheiro”, diz o secretário da Fazenda.
De acordo com Meirelles, o bloqueio redefiniu as prioridades segundo o governo Doria, em vez de seguir o planejamento de França. A secretaria de Turismo, por exemplo, perdeu 43% do orçamento total previsto —46% dos investimentos. A pasta terá 37% menos verba do que teve em 2018.
Em nota, o presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens de São Paulo (Abav-SP), Edmilson Romão, afirmou que “o turismo é e deve ser encarado como produto de exportação em relação às divisas que deixa no país e vetor de desenvolvimento”.
Em situação oposta, a secretaria de Habitação, mesmo com 41% de corte, ainda terá orçamento 24% maior do que em 2018, já que a estimativa de França praticamente duplicou a verba destinada à pasta.
Entre as campeãs de perdas nos investimentos estão as secretarias de Governo (46%); Esporte, Lazer e Juventude (46%); Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (43%) e a Fundação Parque Zoológico de São Paulo (46%), que está contemplada em um projeto de lei de concessão.
O contingenciamento também retira 19% do custeio e 35% do investimento previstos para a Fundação Casa. Em nota, o órgão diz que está se adequando e que o atendimento a adolescentes não foi afetado.
A Fundação Casa menciona medidas como “a negociação dos contratos com os prestadores de serviço e a implantação do scanners corporais no acesso a centros de atendimento, o que possibilita a redução do número de vigilantes neste trabalho”.
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