Índice ficou pouco abaixo do INPC e acima do que havia sido oferecido pela empresa. ECT diz que proposta põe companhia em risco. Trabalhadores contestam
EDILSON RODRIGUES/AGÊNCIA SENADO
Ministro considerou improcedente o pedido dos Correios de abusividade da greve. E propôs dois anos de vigência para o acordo
São Paulo – Em julgamento do dissídio coletivo da greve dos funcionários da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), o relator, ministro Maurício Coutinho Delgado, da Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho (TST), propôs reajuste salarial de 3%, um pouco abaixo do INPC acumulado em 12 meses até a data-base (1º de agosto), que havia somado 3,16%. Os Correios haviam proposto 0,8% de reajuste.
O ministro também determinou desconto dos dias parados, em três parcelas mensais. “É uma atenuação da jurisprudência”, afirmou durante o julgamento, na tarde desta quarta-feira (2). Ele considerou improcedente o pedido dos Correios de abusividade da greve. Propôs dois anos de vigência para o acordo. Sobre o plano de saúde para pais e mães dos funcionários, um dos pontos de controvérsia, decidiu que os empregados têm de arcar com 30% do custeio, mas foi voto vencido: a maioria foi pela exclusão do plano, mantido apenas para pais e mães em tratamento continuado. Delgado indeferiu mudanças na convenção que haviam sido solicitadas pela ECT: “Não cabe ao poder normativo substituir a negociação coletiva”.
Ex-presidente do TST, o ministro Ives Gandra Martins Filho divergiu parcialmente do relator (plano de saúde, vigência do acordo e desconto sindical), mas concordou com os 3% de reajuste. Em seguida, Aloysio Silva Corrêa da Veiga acompanhou o voto sobre a questão salarial. Já a ministra Kátia Magalhães Arruda seguiu o voto na íntegra. O próximo a votar, o vice Renato de Lacerda Paiva – que na primeira fase do processo tentou uma conciliação –, disse que tanto empresa como funcionários precisam de paz, estabilidade e segurança jurídica. Por isso, concordou com o prazo de vigência de dois anos para a convenção coletiva. Concordou com o reajuste e discordou da mudança no plano de saúde.
O penúltimo voto, da ministra Dora Maria da Costa, também teve divergência sobre o plano de saúde e a duração do acordo coletivo. Por fim, o atual presidente do TST, João Batista Brito Pereira, acompanhou na maior parte o voto do relator. Foi favorável à exclusão do plano de saúde para pais e mães, conforme a divergência aberta por Gandra.
A representante da ECT na sessão do TST, a advogada Mariana Scandiuzzi, disse que a empresa não se recusou a negociar e afirmou que a situação financeira dos Correios é “delicada”. Segundo ela, a ECT está impossibilitada de manter todos os benefícios, ainda mais com um reajuste de 3%, que colocaria “em risco” a sobrevivência da companhia. “Esse julgamento é decisivo para a sustentabilidade da ECT.” Representante da Advocacia-Geral da União, Mário Luiz Guerreiro endossou a posição da empresa.
Empresa estratégica
O advogado Hudson Marcelo da Silva, da Findect (federação interestadual dos trabalhadores), afirmou que a empresa “não quis” assinar um acordo coletivo e questionou afirmação da ECT sobre a situação financeira. Ele citou declarações do ex-presidente Juarez de Paula, demitido em junho por Jair Bolsonaro após declarar, em audiência na Câmara, que a empresa é “estratégica” e “auto-sustentável”. General do Exército, o presidente dos Correios foi substituído no cargo pelo general de divisão Floriano Peixoto, o que para o advogado representou “uma guinada” na postura negocial.
Já o advogado da Fentect (federação nacional da categoria), Alexandre Lindoso, disse que os números apresentados pela ECT como supostos custos da pauta de reivindicação representam uma “pirotecnia”. E rebateu afirmações de representantes da empresa no sentido de que os funcionários ganham bem, informando que um carteiro ganha, em média, R$ 2.338,10.
Pela Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap), aceita como amicus Curiae, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Cezar Britto afirmou que o TST está sendo usado como instrumento político, pela empresa, para justificar a privatização. Afirmou que a ECT registrou lucros nos dois últimos exercícios e que a manutenção dos direitos não impede que isso continue acontecendo. “Qual a razão de desconhecer que sua média salarial é a menor de todas as estatais?”, questionou. Balanços apontam lucro líquido de R$ 161 milhões em 2018 e de R$ 667,3 milhões no ano anterior.
Campanha unificada
O presidente do TST considerou infeliz a expressão “retaliação” usada pela advogada da ECT para se referir ao tribunal, lembrando que foram os Correios que suscitaram o dissídio coletivo. Também fez ressalvas às expressões “arrancar acordo” e “faca no pescoço”, ditas pelo advogado da Findect. Já o relator disse que não alterou a convenção e considerou injusta a manifestação da ECT: “Não existe meia cláusula que seja avanço”.
Pelo último dado disponível, referente a agosto, a empresa tem 104.688 funcionários próprios, sendo 16.436 na região metropolitana de São Paulo, 11.625 no interior paulista, 10.333 no Rio de Janeiro e 10.275 em Minas Gerais. Os carteiros representam pouco mais da metade (51,79%) do efetivo.
A campanha deste ano foi unificada, envolvendo as duas federações que representam a categoria, Fintect e Findect. Diante do impasse nas negociações, os trabalhadores chegaram a entrar em greve, durante uma semana. Em 12 de setembro, Delgado reuniu-se com sindicalistas e representantes da empresa e propôs a suspensão do movimento até 2 de outubro, mantendo-se até lá a vigência do acordo coletivo de trabalho e o plano de saúde para os pais dos funcionários. Uma semana depois, as federações comunicaram que aceitavam a proposta. Em assembleias, os empregados da ECT concordaram em suspender a paralisação, à espera do julgamento.
As representações sindicais afirmam que a intransigência dos Correios só foi vencida com a deflagração da greve, que para a empresa foi parcial. Durante a negociação, a ECT manteve proposta de reajuste abaixo da inflação e retiradas de dezenas de cláusulas da convenção coletiva.
Em nota, os Correios afirmam que “cumprirão integralmente a decisão, mas alertam para a delicada situação financeira da empresa, que já acumula um prejuízo de aproximadamente R$ 3 bilhões”.
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