Informativo: 651 do STJ – Processo Penal
Resumo: É ilícita a revista pessoal realizada por agente de segurança privada e todas as provas decorrentes desta.
Comentários:
A busca pessoal consiste “na inspeção do corpo e das vestes de alguém para apreensão de coisas. Inclui, além disso, toda a esfera de custódia da pessoa, como bolsas, malas, pastas, embrulhos etc., incluindo os veículos em sua posse (automóveis, motocicletas, barcos etc.)”, na lição de Julio Fabbrini Mirabete (Processo penal, 1998, p. 322). Deve ser realizada, à evidência, de forma serena a contida, de molde a resguardar a integridade física e moral da pessoa, podendo eventual exagero de seu executor caracterizar o crime de abuso de autoridade, ex vi do disposto no art. 4º, “b”, da Lei n. 4.898/65.
Segundo o art. 244 do CPP, a busca pessoal não depende de mandado no caso de prisão ou de fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, nem tampouco quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
Desta forma, havendo suspeita de que a pessoa esteja com arma proibida ou com algum objeto ilícito não faz sentido que se busque, antes, um mandado judicial a fim de submetê-la à revista pessoal para proceder à apreensão da arma, especialmente porque todo esse procedimento tornaria praticamente inviável a realização de diligências desse tipo. De fato, ou seria obrigatória a liberação do sujeito, frustrando a diligência, ou ele permaneceria ilegalmente preso, por horas, até que providenciada a ordem judicial.
Mas quem pode efetuar a busca na forma do art. 244 quando, por exemplo, se suspeita da posse de objetos ilícitos?
As buscas, no geral, são realizadas por policiais civis ou militares. Tem-se admitido inclusive a busca realizada por guardas municipais, pois, se a qualquer do povo é dado prender em flagrante, têm os guardas, na qualidade de agentes de autoridade, o poder de submeter terceiro à revista pessoal, preenchidos, por óbvio, os requisitos que autorizem a diligência, sem os quais pode haver abuso de autoridade. Esta conclusão se reforça a partir da edição da Lei n° 13.022/2014, que, em seu art. 5°, inc. XIV, regulamenta a atuação das guardas municipais e lhes atribui a função de “encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário”.
Mas não se incluem entre os agentes legitimados a proceder à busca pessoal os seguranças de entidades privadas, ainda que de alguma forma ligadas ao serviço público. Foi o que decidiu o STJ no HC 470.937/SP (j. 04/06/2019), no qual se buscava a declaração de ilicitude de provas obtidas a partir da busca pessoal realizada por agentes de segurança da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
No caso, dois agentes de segurança de uma estação de trens em São Paulo abordaram o impetrante porque, segundo eles, este indivíduo demonstrava certa inquietude em sua presença. Durante a abordagem, os seguranças, que acreditavam se tratar de um vendedor ambulante, revistaram uma mochila trazida por ele e encontraram dois tabletes de maconha. Processado por tráfico de drogas, o impetrante foi absolvido em primeira instância, mas acabou condenado em virtude de recurso de apelação julgado procedente pelo Tribunal de Justiça.
No julgamento do habeas corpus, o STJ assentou que o impetrante não tinha a obrigação de se submeter à revista pessoal efetuada pelos seguranças, tendo em vista que diligências como buscas pessoais e domiciliares só podem ser realizadas por autoridades judiciais, policiais ou seus agentes. E não é o caso nem mesmo de equiparar os seguranças aos guardas municipais, pois se trata apenas de funcionários contratados por uma sociedade de economia mista que presta serviços de interesse público operando o sistema ferroviário:
“Na hipótese, o agente objeto da revista pessoal não tinha a obrigação de sujeitar-se à mesma, ante a inexistência de disposição legal autorizadora desse ato pelos integrantes da segurança da CPTM.
De outra parte, esses agentes de segurança não podem sequer serem equiparados a guardas municipais, porquanto são empregados de uma sociedade de economia mista operadora de transporte ferroviário no Estado de São Paulo, sendo regidos, portanto, pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
(…)
Confira-se, ainda, trecho do Tratado de Direito Administrativo 4, coordenado por Maria Sylvia Zanella di Pietro, Revista dos Tribunais, págs. 353/355:
‘A contratação de segurança privada por particulares para a defesa pessoal e de seu patrimônio apenas pode envolver o manejo de poderes privados. Não implica a delegação de poderes públicos a particulares para o exercício de segurança privada.
As empresas de segurança privada atuam no âmbito do direito privado e exercem poderes privados. Daí que os poderes de defesa podem exercer são apenas aqueles tolerados pelo direito privado e que têm o seu uso da força no contexto de legítima defesa e de flagrante delito.
Isso significa que os atos praticados no âmbito da segurança privada são atos privados, que apenas podem envolver o manejo dos poderes a todos reconhecidos para fins de autodefesa e para afastar dano iminente. Os atos praticados devem, assim, observar os limites previstos na lei para o afastamento da ilicitude dos atos praticados em legítima defesa.
A ampliação da participação da segurança privada é um fenômeno verificado nos mais diversos países. Chega-se a afirmar que a segurança não é mais concebida apenas em termos de agentes do Estado. A participação privada assumiu uma dimensão significativa especialmente nos espaços qualificados como semipúblicos, tais como centros de compra, hospitais e escolas, nos quais a população acaba vivendo até mesmo mais do que nos espaços públicos propriamente ditos.
A questão adquire maior complexidade quando aquele que contrata a segurança privada é o próprio Estado, para fins de controle e vigilância de bens públicos e exercício de determinadas atividades de fiscalização.
Nesse tipo de contratação, a questão reside em diferenciar quais tarefas podem ser exercidas no âmbito da segurança privada e quais integram necessariamente a segurança pública.
Em princípio, como se indicou acima, as empresas de segurança privada atuam no âmbito do direito privado e exercem poderes privados. Nesse contexto, poderão se utilizar da força apenas nos casos em que isso for autorizado para qualquer particular (por exemplo, nas hipóteses de legítima defesa e de flagrante delito).’”
Em razão disso, o tribunal reconheceu a ilicitude da prova obtida pela busca ilegal e concedeu a ordem para absolver o impetrante com fundamento no art. 386, inc. II, do CPP (falta de prova da existência do fato).
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