Sistema socioeducativo no Brasil segue 'modelo de cadeia', diz presidente da CIDH
Vinte e seis organizações denunciaram nesta quarta-feira (22) encarceramento em massa de adolescentes à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
por Redação RBA publicado 23/03/2017 15h51, última modificação 23/03/2017 18h45
DANILO RAMOS/RBA
'Estamos discutindo os mesmos problemas que vem sendo analisados há mais de 20 anos", diz presidente da CIDH
São Paulo – Ao receber novas denúncias de tortura e encarceramento em massa de adolescentes em conflito com a lei no Brasil, o presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), James Cavallaro, afirmou ter “a sensação de déjà vu” pela recorrência com que as violações ocorrem nos últimos 20 anos, sem que as autoridades implementem ações para de fato combaterem os problemas. As denúncias foram feitas ontem (22), por 26 organizações nacionais e internacionais de proteção aos direitos humanos, em uma reunião na sede da CIDH, em Washington, nos Estados Unidos.
“Preciso dizer que tenho a sensação de déjà vu ao estar aqui discutindo os mesmos problemas que vem sendo analisados há mais de 20 anos, desde o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que nunca consegue ser realizado. Existe na maioria dos estados brasileiros um modelo de cadeia, com o eufemismo que tiver: escola, Febem, centro socioeducativo, mas que é uma cadeia com pessoas com menos de 18 anos”, disse.
O responsável pela comissão, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), obteve autorização do governo brasileiro para realizar inspeções em unidades de cumprimento de medidas socioeducativas no país. Segundo a secretária nacional de Direitos da Criança e do Adolescente, do Ministério da Justiça, Claudia de Freitas Vidigal, que esteve na reunião, “o Brasil possui convite permanente para as comissões do sistema interamericano de direitos humanos”.
Os delegados brasileiros denunciaram uma política massiva de medidas de privação de liberdade, superlotação das unidades, maus-tratos, más condições de higiene e falta de serviços de e saúde. Representantes do governo brasileiro estiveram presentes para responder aos casos.
“A medida de internação deveria ser aplicada como último recurso e pelo período mais breve possível segundo a legislação brasileira e compromissos internacionais do Brasil, no entanto, apesar de ser medida de caráter excepcional, os números demonstram que a internação é a regra. Em 2014, dos 24.628 adolescentes privados ou restritos de liberdade em todo Brasil, 88% estavam internados, 66% cumprindo sentença e 22% cumprindo internação provisória. A semi-liberdade totalizava apenas 9% das medidas de meio fechado, segundo os últimos dados oficiais publicados em 2017 com relação a 2014”, disse a integrante do Cedeca Ceará Dillyane Ribeiro.
Os delegados brasileiros lembraram que o segundo ato infracional que mais interna adolescentes no país é o ato análogo ao tráfico de drogas, apesar deste tipo penal não representar um ato que caracterize extrema periculosidade ou extremo uso de violência pelo jovem infrator, “tornando flagrante a aplicação ilegal e irrestrita da privação de liberdade”, segundo Dillyane.
Outro problema denunciado foi a constante prorrogação das mediadas provisórias, nas quais os jovens infratores ficam internados até que a sentença seja proferida. Segundo a legislação brasileira, o período máximo de internação provisória seria de 45 dias, porém, “estes dispositivos legais não têm sido suficientes para conter as autoridades judiciais brasileiras em determinar a prorrogação dos 45 dias sob alegação de abstrata periculosidade do adolescente”, afirmou a representante do Cedeca cearense.
“Tudo isso contribui para a superlotação dessas entidades, afetando a possibilidade de resguardar a integridade física e psicológica dos internos, dificultando a assistência socioeducativa dos jovens em razão da sobrecarga de trabalho dos profissionais que atuam na justiça juvenil”, acrescentou Dillyane. “Por outro lado, são inúmeros os relatos de tortura e outros tratamentos cruéis e desumanos praticados pelos agentes estatais contra os adolescentes em conflito com a lei. No interior das unidades a tortura é praticada por socioeducadores, com cassetetes, e, no caso do Espírito Santo e Rio de Janeiro, com armamentos menos letais, como spray de pimenta”.
A secretária nacional de Direitos da Criança e do Adolescente respondeu às denúncias afirmando que concorda “quase integralmente com os peticionários nos fatos e na gravidade dos fatos”. Segundo ela, o Executivo brasileiro está investindo em medidas socioeducativas em meio aberto.
“No ano passado, em parceira com o Ministério do Desenvolvimento Social, foi lançado um caderno com orientações para os sistemas de medidas socioeducativas em meio aberto. Há um fortalecimento dessas medidas junto ao governo federal para que seja aumentado o financiamento, o mapeamento e a divulgação de boas práticas”, disse.
Confira a sessão:
registrado
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