segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Número de jovens na Fundação Casa cresce 15% no Grande ABC

 

Com 69% de ocupação, as cinco unidades localizadas na região concentram 189 adolescentes, a maioria com idades entre 15 e 17 anos

Thainá Lana
19/01/2025 | 22:33
Compartilhar notícia
 Denis Maciel/DGABC
Denis Maciel/DGABC Diário do Grande ABC - Notícias e informações do Grande ABC: Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra

ouça este conteúdo

O número de jovens infratores internados na Fundação Casa, antiga Febem, cresceu 15% em um ano no Grande ABC. Segundo levantamento realizado pelo governo estadual a pedido do Diário, em 2023, os cinco centros da região registravam 164 adolescentes, enquanto em 2024 foram contabilizados 189. No total, o Estado possui 96 centros e atende 4.500 internos.

As cinco unidades, localizadas em São Bernardo, Diadema, Mauá e Santo André (duas), têm capacidade para atender 272 adolescentes e estão atualmente com 69% de taxa de ocupação. Os dois centros no município andreense registram a maior quantidade de internos, com 52 e 49 em cada equipamento.

Sobre o aumento no período, a presidente da Fundação Casa, Claudia Carletto, disse que está dentro da margem e, por isso, não é possível apontar uma possível causa. “É um número que, apesar de ser estatisticamente relevante em termos absolutos, é considerado uma variação normal para a instituição”, explicou. 

A taxa de jovens que saem da instituição e não retornam é de 80%. No Grande ABC, o índice de reincidência nos últimos dez anos variou entre 16% e 32%. 

Claudia ressaltou ainda que a maioria dos jovens que cometem atos infracionais está em situação de extrema vulnerabilidade e que isso reflete o cenário de desigualdade socieconômica do País. “Muitas vezes eles cometem o roubo ou o tráfico para levar dinheiro para dentro de casa. Claro que não é 100% dos casos. Existem aqueles que cometem atos mais graves, como homicídios, latrocínios e já estão mais estruturados no mundo do crime”, pontuou.

Em relação ao perfil dos jovens, mais da metade, 68% (ou 129), tem entre 15 e 17 anos. Na sequência aparecem os internos mais velhos, com idade entre 18 e 21 anos, com 48 pessoas, e por fim foram contabilizadas 12 crianças de 12 a 14 anos. Todos os atendidos na região são do sexo masculino, pois apenas quatro centros, dois na Capital e outros dois no município de Cerqueira César, recebem adolescentes do gênero feminino.

ATOS INFRACIONAIS

O levantamento mostrou ainda quais são os principais atos infracionais cometidos pelos adolescentes internados no Grande ABC. Diferentemente da média do Estado, que registra a maioria (41%) para tráfico de drogas, o delito de roubo, qualificado e simples, com 121 casos, foi o mais registrado entre os internos da região. Tráfico de drogas (30), furto (12) e receptação (9) completam a lista, que ainda possui casos de estupro (3) e ameaça (2), entre outros.

No Brasil, enquanto maiores de idade podem responder a crimes e cumprir penas, no âmbito do Código Penal, pessoas com menos de 18 anos respondem a atos infracionais e cumprem medidas socioeducativas de advertência, que podem ser PSC (Prestação de Serviço à Comunidade), LA (Liberdade Assistida), semiliberdade e internação, de acordo com o artigo 112 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

O diretor da unidade Santo André I, Marcelo Aparecido de Campos, afirmou que a característica regional pode ser uma das causas para que o delito contra o patrimônio seja o mais praticado. 

“Diferentemente do tráfico de drogas, o roubo traz dinheiro rápido. Temos muitas pessoas em situação de vulnerabilidade no Grande ABC, então acaba sendo a escolha deles para conseguir um retorno instantâneo. O tráfico também está bastante ligado às facções criminosas, mais presentes na Capital”, avaliou Campos.

Passei a valorizar mais a família, diz interno

Grades por todos os lados, prédio cercado por arames farpados e muros altos, grandes portões de ferro e dormitórios coletivos com camas de concreto. A descrição indicaria a estrutura interna de um CDP (Centro de Detenção Provisória), mas é, na verdade, uma das unidades da Fundação Casa localizadas na região – todos os centros possuem basicamente a mesma arquitetura e design interno.

Com os braços para trás (sem algemas) e acompanhado de um agente socioeducativo, Henrique (nome fictício para proteger a identidade do adolescente) chegou para conversar com a equipe de reportagem do Diário na unidade Santo André I. O jovem, assim como os outros 51 internos, participavam de uma dinâmica sobre uso de álcool na manhã do último dia 10 – se não fosse pelo recesso escolar, neste horário os adolescentes estariam em horário de aula.

Henrique chegou ao centro com 14 anos, está internado há dois anos e cinco meses e no próximo dia 30 completará 17 anos. “Sabe, senhora, depois que entrei aqui, passei a valorizar muito mais a minha família”, disse o adolescente.

Quando ingressam na Fundação Casa, os jovens definem um PI (Plano Individual) com metas e objetivos a serem cumpridos durante a internação. No caso de Henrique, ele fixou que gostaria de melhorar a leitura e desenvolver sua comunicação pessoal.

Nos 735 dias em que está internado até então, Henrique diz que conseguiu cumprir as metas, fez cursos de jardinagem, criação de websites e até aprendeu a fazer crochê. “Pensei que iria chapar todo esse tempo, mas falar com a psicóloga ajudou bastante, assim como a religião.”

O adolescente vive pela quinta vez a expectativa de deixar o centro. Ele aguarda a avaliação do Poder Judiciário sobre seu pedido de liberdade, negado por quatro vezes. Calmo, sorridente e com olhar fixo, Henrique já faz planos para quando sair. “Quero terminar o ensino médio, (quero) trabalhar na feira e estudar algum curso na área de TI (Tecnologia da Informação)”, afirmou.

Caso seu pedido seja negado, Henrique deve sair em agosto, pois irá completar três anos de internação, prazo máximo de permanência permitido na Fundação Casa, ou até completar 21 anos. 


Sindicato vê sistema pior que prisional

Com 23 anos de experiência na função de socioeducador, o atual presidente do SITSESP (Sindicato da Socioeducação de São Paulo), Neemias de Souza, afirmou que a Fundação Casa é pior que o sistema prisional paulista. A alegação leva em consideração a saúde mental e a falta de valorização profissional dos servidores que atuam na instituição.

Segundo Souza, a Fundação tem 8.800 funcionários, sendo cerca de 5.700 socioeducadores, agentes que atuam diretamente nos centros com os internos. “Eles são divididos em quatro plantões de 12 horas, ou seja, sobram cerca de 1.700 por plantão. Esse número é insuficiente, o efetivo está ficando velho, não tem ninguém com menos de dez anos, e muitos adoecem e ficam de licença. É preciso valorizar a mão de obra qualificada”, cobrou.

O constante clima de tensão nas unidades é um dos principais fatores para o adoecimento psíquico dos servidores, conforme explica o presidente do sindicato.

“A instabilidade emocional é muito grande. A maioria dos adolescentes são instáveis e infantilizados, sem contar a questão da abstinência, que provoca casos de suicídio e autoflagelação entre os internos. Outro ponto é a segurança. Muitos já foram ameaçados, tiveram seus carros roubados, entre outras situações. A verdade é que estamos abandonados no pátio”, finalizou Souza.

Sobre as demandas apresentadas pelo sindicato, a Fundação Casa informou que conta com cerca de 4.000 agentes de apoio socioeducativo, que atuam diretamente com os adolescentes nos 96 centros, além de outros 4.000 profissionais, como psicólogos, pedagogos, educadores físicos, assistentes sociais e agentes operacionais.

“Esses números estão acima do exigido pelo Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo). A saúde mental é uma prioridade para a Fundação Casa, que realiza o monitoramento contínuo de seus colaboradores por meio da Gerência de Medicina e Saúde ao Trabalhador. A instituição oferece suporte especializado, incluindo atendimento psicológico, social e médico, além de manter um canal emergencial disponível 24 horas via WhatsApp”, destacou a instituição.


Clique aqui para participar do nosso grupo de Whatsapp


Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.

00:00/01:00
Truvid
Conteúdo acessível em Libras usando o VLibras Widget com opções dos Avatares Ícaro, Hosana ou Guga.

Nenhum comentário:

Postar um comentário