Ex-secretário de Segurança Pública de Betim (MG) lembra que, recentemente, STF decidiu que guardas civis municipais podem fazer trabalho de patrulhamento ostensivo
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A criação de uma Força municipal de Segurança, anunciada pelo prefeito Eduardo Paes logo após tomar posse de seu quarto mandato como prefeito do Rio, é encarada com ceticismo por especialistas, integrantes das polícias Civil e Militar do Rio e até internamente na própria prefeitura. A corporação, segundo Paes, seria armada, teria uma atuação de policiamento complementar às polícias estaduais e atuaria paralelamente à Guarda Municipal. Fontes ouvidas pelo GLOBO, no entanto, afirmam que a medida não é prevista pela constituição. Um decreto publicado por Paes no Diário Oficial determinou a criação de um grupo de trabalho para discutir a criação da força, e um projeto de lei sobre o tema será encaminhado à Câmara de Vereadores em fevereiro.
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— A medida tem nítido viés inconstitucional, visto que a Constituição prevê uma única força nos municípios, que são as guardas municipais. Essa ideia é inviável juridicamente e vai na contramão das discussão mais atuais sobre a participação dos municípios na segurança pública, já que decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) referendam que guardas civis municipais podem fazer o trabalho de patrulhamento ostensivo. O esforço deveria ser canalizado para equipar a guarda, treiná-la e até armá-la — afirma Luís Flávio Sapori, sociólogo, coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Segurança Pública (Cepesp) da PUC Minas e ex-secretário de Segurança Pública de Betim (MG).
O mesmo posicionamento é compartilhado por integrantes da cúpula da PM e até da Guarda Municipal do Rio, que afirmaram terem sido pegos de surpresa com o anúncio da medida. Segundo Sapori, que estuda a gestão municipal da segurança pública, a proposta de Paes não tem paralelo no país: nenhum outro município tem duas forças de segurança em sua estrutura administrativa. A constituição prevê, em seu artigo 144, somente a criação de guardas pelas prefeituras. Segundo a Carta, os municípios "poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações".
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Já a lei 13.022 de 2014 regulamentou a atuação das guardas, que passaram a ter como atribuições a preservação da vida, o patrulhamento preventivo e o uso progressivo da força, e possibilitou o armamento das corporações. Atualmente, o STF discute se as guardas podem atuar no policiamento e fazer prisões em flagrante. A votação foi suspensa em dezembro passado com o placar momentâneo de 4 a 1 a favor do poder de polícia das guardas. Em outra decisão, de 2023, o plenário do Supremo firmou o entendimento de que as guardas municipais integram o Sistema de Segurança Pública.
Outro empecilho mencionado por integrantes da PM e da Guarda ouvidos pelo GLOBO é burocrático: além de não haver previsão no orçamento municipal para a criação de mais uma corporação, o ingresso na força deveria ser precedido de algum tipo de concurso ou capacitação. Após a cerimônia de posse, Paes mencionou que a força seria composta por egressos do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), das Forças Armadas, mas não especificou se esses agentes receberão treinamento específico para realizar policiamento ostensivo.
Segundo um oficial da PM que preferiu não se identificar, não está claro se haverá concurso para escolher quem vai integrar esse órgão, que seria o braço armado do prefeito. E se essas pessoas teriam capacitação para assumir tamanha responsabilidade. "No final das contas, essa responsabilidade cairá na conta dele (Eduardo Paes)", disse o oficial. A lei que regulamenta as guardas, por exemplo, prevê que o ingresso nas corporações requer "capacitação específica, com matriz curricular compatível com suas atividades".
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