12 de janeiro de 2025, 8h00

Em dezembro de 2024, em uma pesquisa produzida pela Transparência Internacional – Brasil, denominada “Corrupção e Integridade no mercado brasileiro: a percepção dos profissionais de Compliance”, foi feita uma pergunta aos participantes sobre se o crime organizado se tornou um problema e afetou a integridade no Brasil nos últimos dois anos. A resposta foi afirmativa para 93% dos respondentes.

A impressão dos profissionais tem lastro, lastimavelmente, na realidade – notadamente na relação do crime organizado com o poder público. Exemplos disso têm sido frequentes nos noticiários nacionais.

Em abril de 2024, Ministério Público deflagrou a “operação munditia”, revelando fraudes em licitações com a participação do crime organizado, com a conivência de agentes públicos em contratos de limpeza e vigilância, utilizando o expediente do cartel e da combinação e preços previamente a licitações. O caso investigado aconteceu no município de Guarulhos, mas revelou um esquema muito maior: o cartel atuou em 13 cidades do estado.

O periódico O Estado de S. Paulo publicou uma série de reportagens com dados sobre atuação do crime organizado nos municípios em fevereiro de 2024. Segundo o jornal, “[t]rata-se de um movimento silencioso, um passo fundamental na transformação de uma facção criminosa em uma organização mafiosa, o passo que parecia faltar para que uma gangue nascida no interior de um presídio se transforme em uma ameaça à segurança nacional.”

Além dos problemas evidentes relacionados à entrada do crime organizado em negócios com o poder público, como a circulação de recursos que fortalecem essas organizações, por que o crime organizado se tornou uma preocupação para o ambiente de integridade? Em primeiro lugar, a infiltração do crime organizado em serviços públicos básicos, sobretudo os no âmbito municipal, como coleta de lixo, varrição, limpeza, locação de bens, transporte, entre outros, prejudica a qualidade desses serviços, trazendo prejuízos à população.

Ademais, a entrada dessas empresas na prestação de serviços públicos vai, aos poucos, retirando as empresas honestas desses segmentos de mercado, o que contribui para o aumento do custo desses produtos ou serviços no longo prazo. Um exemplo que sempre é recordado pela literatura especializada em prevenção à lavagem de dinheiro é o que ocorreu com a Colômbia: a infiltração do crime organizado em vários setores trouxe inflação e bolhas econômicas para o país.

A entrada do crime organizado nos serviços públicos dá-se por meio de fraudes em procedimentos licitatórios ou contratações diretas irregulares, o que também fomenta a corrupção e outros ilícitos, como sonegação fiscal e, o principal, a lavagem de dinheiro. Ademais, uma vez o crime organizado “dentro” da administração pública, prestando serviços para o Estado, a operação de lavagem de dinheiro fica mais facilitada: afinal, basta utilizar dinheiro “sujo” para prestar serviços de maneira precária e receber, em contrapartida, uma remuneração “limpa” dos cofres públicos, sem que se desperte suspeitas do setor financeiro e do mercado em geral.

Monitoramento

O que o Estado pode fazer para tentar reduzir esse risco? Um primeiro passo, de lege ferenda, seria um processo de discussão para alteração da Lei de Licitações e Contratações Administrativas, permitindo a aplicação de penalidades mais severas caso uma empresa que preste serviços públicos tenha envolvimento com o crime organizado. Mas o processo legislativo é moroso e o problema já é realidade, como indicado pela pesquisa acima.

Nessa linha, os municípios, estados e até mesmo a União podem, desde já, com a legislação atual, adotar, por meio de suas Controladorias ou órgãos ou departamentos voltados à integridade, mecanismos de conformidade para poder monitorar seus principais fornecedores, sobretudo aqueles serviços considerados críticos, a fim de verificar riscos de infiltração do crime organizado em tais contratações. Essa proposta, inclusive, é veiculada em uma pesquisa cartilha do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).

Embora o setor público municipal não se sujeite à Circular nº 3.978/2020, do Banco Central, ou à Resolução nº 41/2022, do Coaf, que trazem a política, os procedimentos e os controles internos a serem adotados pelos sujeitos obrigados na prevenção à lavagem de dinheiro, seus conteúdos poderiam ser bem aproveitados como boas práticas a serem aplicadas frente ao cenário atual de disseminação do risco de lavagem de dinheiro com serviços públicos.

O mercado também pode começar a se proteger mais da influência do crime organizado em atividades econômicas, reforçando seus códigos de ética, suas políticas anticorrupção e de prevenção à lavagem de dinheiro e, sobretudo os seus procedimentos e práticas de due diligence de terceiros, a fim de não terem relações comerciais com empresas suspeitas de vínculos com o crime organizado. A mesma pesquisa da Transparência Internacional indicou que a “Due diligence em fornecedores, prestadores de serviços, parceiros e colaboradores” é uma das dimensões do programa de integridade que mais necessitam aprimoramento nas empresas, portanto, é uma excelente oportunidade para as áreas de compliance começarem a sensibilizar a alta administração de suas respectivas empresas em relação à importância de não se ter vínculos, ainda que indiretos, com o crime organizado.

  • é bacharel, mestre e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, tendo seu trabalho recebido o Prêmio Capes de Tese 2014 como a melhor tese de doutorado de Direito no Brasil em 2013, co-coordenador do Manual de Compliance (4. ed. – Ed. Forense), professor regular de MBA, pós-graduação e educação executiva em diversas escolas de negócios. Fez estudos em nível de pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e na Faculdade de Direito da USP, foi vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial e atualmente é membro do seu Comitê de Ética.

  • é bacharel em Direito e Especialista em Direito Administrativo (PUC-SP), master em Direito (Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne), pós-graduado em Relações Internacionais e Direito Internacional (Ibmec), certificado chief sustainability officer (Massachusetts Institute of Technology), experto em Provisão de Infraestruturas (Universidad Politécnica de Madrid), coordenador da Comissão de Direito e Ética na Infraestrutura do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE), mentee do Basel Institute on Governance (University of Basel) no Programa de Mentoria de Ação Coletiva Anticorrupção, membro do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (Ceid/Inac) e co-coordenador do Manual de Compliance (4ª ed., Ed. Forense).

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