terça-feira, 23 de julho de 2019

Plataformas virtuais permitem investimento em precatórios. Vale a pena comprar esses títulos?


Segundo intermediadora, prazo de retorno é entre 12 e 36 meses e valor mínimo para aplicação é de R$ 10 mil

Por Isabel Filgueiras, Valor Investe — São Paulo
 

Quando a Justiça condena um órgão público a pagar um valor por alguma ação judicial, essa dívida é chamada precatório. Ele é um título judicial que gera um crédito e funciona mais ou menos naquela máxima popular “Devo, não nego. Pago quando puder”.
A dívida é reconhecida tanto pelo devedor como pela Justiça, mas o prazo de pagamento é, assim, um tanto indefinido. Para se ter uma ideia, a fila de pagamento de precatórios do estado de São Paulo está em 2002. As pessoas (ou empresas) que estão recebendo agora esperaram 17 anos desde a decisão para receber o dinheiro. Mas isso varia. No Rio de Janeiro, o atraso é de três anos (pois é, logo no estado em que a situação das contas públicas não anda boa).
Comprar precatórios não é uma prática nova, tampouco é ilegal. É legítima. O modo de investir é que vem ficando mais sofisticado. As plataformas Hurst Capital e Precatórios Já, por exemplo, viabilizam o investimento para pessoas físicas (com CPF) nesses títulos públicos judiciais pela internet. Por ter preços altos, muitos precatórios costumavam ser inacessíveis para pequenos investidores.
“Desenvolvemos robôs que vasculham os tribunais em busca desses ativos e seus titulares de uma forma muito mais rápida e segura”, diz Arthur Farache, presidente da Hurst Capital. Se o precatório tem um valor muito alto, a empresa rateia a compra entre vários investidores.
Nesse categoria, o investimento inicial na Hurst é de R$ 10 mil e o retorno é considerado de médio prazo, variando de 12 a 36 meses. O valor do rendimento total varia (e muito) e depende de negociação e da data de emissão do papel.
Todo precatório tem correção monetária e juros (veja tabela abaixo). Mas não é nada extraordinário. Até porque os juros são simples, não compostos. Eles incidem apenas uma vez sob o valor corrigido.
Rendimentos podem ser altos, mas é importante ter acompanhamento na hora de investir  — Foto: Getty Images
Rendimentos podem ser altos, mas é importante ter acompanhamento na hora de investir — Foto: Getty Images
"São juros simples, não são compostos. Precatório sempre perde pras correções das aplicações normais, de CDI, Selic", explica o presidente da comissão de precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Eduardo Gouveia.
Onde se ganha dinheiro mesmo nesse tipo de transação é no descontona compra do precatório. Você compra um papel que vale, por exemplo, R$ 70 mil por R$ 50 mil. Quem vende abre mão do valor cheio para receber logo o dinheiro. Quem compra, fica com o valor integral do precatório, mais a correção, os juros, descontando a comissão da corretora ou dos intermediários.
“Hoje em dia tem gente que prefere o contato físico. Mas também pode ser feito a distância. Tudo formalizado por e-mail e contratos online”, afirma presidente da Precatórios Já, Rafaella Ridolfi.
Ela afirma que o retorno num precatório é de no mínimo 20% do valor investido no prazo de um ano. A liquidez, contudo, admite, não é das melhores. “É possível, sim, revender um precatório. Mas a gente não garante que seja rápido”, explica.
Regras de correção monetária e juros para precatórios
PeríodoCorreção monetáriaJuros simplesTotal de ganhos
Emitidos até 2009IPCADe 6% a 12% a depender da decisão judicialValor do precatório + IPCA + 6% ou 12% + diferença conseguida na negociação do desconto
Emitidos e pendentes de junho de 2009 a fevereiro de 2015:TR + juros simples de poupançaTR (Taxa referencial)Juros de poupança (0,70% da Selic)Valor do precatório + TR + 0,70% da Selic + diferença conseguida na negociação do desconto
Emitidos a partir de março de 2015IPCAJuros de poupança (0,70% da Selic)Valor do precatório + IPCA + 0,70% da Selic + diferença conseguida na negociação do desconto

Riscos

Os investimentos em precatórios não são regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), porque esse ativo não entra no hall de valores imobiliários. Assim, Gouveia defende que é preciso ter cuidado e investigar muito bem as empresas antes de investir o dinheiro.
Tanto a Hurst Capital como a Precatórios Já estão no mercado há cerca de dois anos. Ambas dizem que contam com time de advogados de ponta e tentam realizar processos transparentes, com documentos e certificados de compra que garantam que o investidor vai receber o dinheiro uma vez que o precatório seja pago pelo órgão devedor.
“Nós fazemos uma avaliação dos precatórios que chegam até aqui. Vasculhamos tudo, escolhemos os melhores e apresentamos para o investidor. Ele pode decidir continuar com nossa assessoria ou escolher um desses precatórios e seguir com o investimento por conta própria. Na hora da compra, o precatório é transferido para o nome do investidor”, diz Rafaella.
“Cada um sabe qual o precatório e qual o percentual ele tem do precatório. O lastro é feito com escritório de advocacia. A pessoa conhece o lastro. Nós cobramos uma taxa de administração. Mas a pessoa pode tocar a vida sozinha, pode ter um advogado e ele vai acompanhar o precatório até ser recebido”, afirma Farache.
Outro detalhe é que o investidor só recebe/saca o valor do investimento quando o precatório é pago. Às vezes, demora. Outras, nem tanto. A liquidez desse investimento, como dito anteriormente, é baixa.
“Realmente, há precatórios com muitos anos de fila. Por isso, uma estratégia que a gente usa é comprar precatório de 2002, 2004 que já esteja próximo do pagamento”, explica Farache, da Hurst.
Nenhuma das plataformas garante pagamento no prazo estipulado, o que é um risco, mas tentam calcular com o máximo de precisão a previsão de quando o órgão devedor pagará a dívida. As empresas fazem um levantamento dos órgãos com contas mais sadias e que pagam com mais agilidade.
O advogado Eduardo Gouveia diz que hoje o prognóstico melhorou para os que pensam em se aventurar nesse tipo de investimento. Ao longo dos anos, foram sendo estipulados dispositivos que pouco a pouco fecham o cerco para os órgãos devedores.
“No passado era muito mais difícil, porque não tínhamos meios de fazer o governo pagar. Hoje há várias ferramentas. Inclusive o presidente do tribunal que deixar de cumprir essas funções (para pagamento) responde por crime de responsabilidade. Por regra, quase todos os entes pagam alguma coisa anualmente”, explica Gouveia.
Segundo o especialista, está em vigor uma Emenda à Constituição que prevê que todas as dívidas com precatórios façam parte de um estoque único e sejam quitadas até o ano de 2024. O problema é que, em 2017 o Congresso já alterou essa previsão, que antes era até 2020.
Nesse caso, o risco de crédito depende do ponto de vista. É proporcional ao quanto você confia no comprometimento das instituições brasileiras em pagar suas dívidas.

Quem ganha o quê?

Para quem tem um precatório a receber, pode ser interessante vender esse título se houver urgência pelo pagamento. As negociações costumam funcionar assim: a pessoa recebe agora um pagamento com desconto, em vez de esperar que a dívida seja quitada pelo estado ou município pelo valor cheio.
Farache calcula que o investidor que compra um precatório, que recebe o rendimento de poupança, pode ter retorno de até 320% do CDI (hoje em torno de 6,5%) ou cerca de 20% ao ano, considerando o desconto na compra, os rendimentos e a correção.
Se um precatório prevê um pagamento de R$ 100 mil, é negociado um desconto dependendo de que posição ele está na fila de pagamento do ente federativo, se há ou não mais alguma chance de o devedor recorrer. Esse título pode ser comprado por, vamos dizer, R$ 60 mil, com 40% de desconto.
Para resumir, quem investiu R$ 60 mil, vai receber R$ 100 mil (em período um tanto quanto indeterminado), acrescido da taxa de correção, juros e descontadas as taxas de corretagem de empresas intermediadoras, como a Hurst, ou advogados, como Gouveia.
Empresas intermediadoras possuem agentes que negociam esses títulos com quem deve receber. Ao comprar o precatório, a dívida é passada para o CNPJ da empresa de investimentos e, ao ser liquidada, é rateada entre os investidores.
Dependendo da empresa intermediadora, a posse pode ficar no nome do cliente ou no nome da empresa. Cada intermediador trabalha de um jeito.
“Já teve pessoas que precisavam do dinheiro para pagar conta de hospital. Sim, temos robôs que buscam os sites dos tribunais de Justiça, mas o contato, conversar com as pessoas, temos pessoal que trabalha na área”, afirma Faroche, da Hurst.

Tem um precatório para vender?

Os títulos que preveem pagamento para pessoas, não empresas, costumeiramente entram numa fila de prioridade. Há também como negociar com o órgão devedor, com descontos máximos de 40% para acelerar o pagamento.
Mas, mesmo após o acordo, o pagamento pode demorar a sair. Há ainda uma lista de pessoas que são prioritárias e têm direito de saltar na fila de pagamento, como idosos e pessoas com doenças graves (precisa de atestado para confirmar a condição).
O advogado Eduardo Gouveia recomenda sempre buscar conselho de alguém da área. Ele informa que as seccionais da OAB, em todos os estados do Brasil, orientam gratuitamente aqueles que possuem precatórios.
Ele defende que as duas partes, quem compra e quem vende, devem buscar profissionais do direito para garantir uma transação sadia e livre de problemas, uma vez que esse tipo de processo pode ser complexo.
Investir em precatórios é uma alternativa, mas exige cuidados. Não é um investimento recomendado para quem tem pressa. Há o risco de demora do pagamento e tem baixa liquidez. Significa que não pode ser resgatado em poucos dias, como um CDB ou título do Tesouro Direto. Se for optar por essa aplicação, disponha uma quantia da qual não vai precisar por um bom tempo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário