27 de dezembro de 2024, 15h18

Em fevereiro de 2024, o Supremo Tribunal Federal proferiu uma decisão histórica no julgamento do Tema 1022 da Repercussão Geral (RE 688.267), que tratou da demissão de empregados públicos de empresas públicas e sociedades de economia mista, admitidos por concurso público. Esta decisão, que exige a motivação das demissões, traz implicações profundas, especialmente no que tange à segurança jurídica dos trabalhadores, ao alinhamento das práticas administrativas e à proteção da atuação dos gestores públicos.

Motivação razoável: o que está em jogo

A decisão do STF determinou que a demissão de empregados públicos admitidos por concurso deve ser motivada, sem a necessidade de observar as causas previstas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para a demissão por justa causa. Ou seja, a motivação precisa existir, mas não necessita enquadrar-se nas hipóteses específicas de justa causa aplicáveis aos trabalhadores do setor privado.

Este afastamento dos critérios da CLT levanta uma questão crucial: se, por um lado, a exigência de motivação visa a garantir maior transparência nas decisões administrativas, por outro, ela abre espaço para subjetividades nas dispensas, o que pode resultar em arbitrariedade. O conceito de “motivação razoável” traz uma flexibilidade que pode ser perigosa, uma vez que o que é considerado razoável por um gestor pode ser interpretado de forma variável, criando insegurança para o empregado público.

 A necessidade de garantias para empregados públicos

A decisão do STF, ao estabelecer que a demissão de empregados públicos necessita apenas de uma “motivação razoável”, sem a necessidade de justificar a dispensa com base nas causas previstas pela CLT, cria uma distinção que enfraquece as garantias desses trabalhadores. Essa flexibilização do regime jurídico do empregado público coloca-o em uma posição inferior ao empregado privado, que está protegido por normas claras, específicas e detalhadas quanto à sua demissão.

Enquanto a CLT exige um conjunto de justificativas claras e específicas, como a justa causa, para a demissão de empregados do setor privado, a demissão de empregados públicos pode ocorrer com base em uma simples “motivação razoável”, o que torna o processo mais subjetivo. Esse cenário abre margem para decisões arbitrárias e vulnerabiliza o empregado público, que, apesar de ter sido admitido por concurso público, se vê submetido a um regime jurídico mais flexível, facilmente influenciado por pressões políticas ou outros fatores externos.

Spacc

A importância de garantir um regime jurídico sólido e claro para os empregados públicos se intensifica com a crescente autarquização das estatais. Escândalos recentes demonstram como a ausência de garantias robustas pode expor esses trabalhadores a influências indevidas e práticas arbitrárias. Empregados públicos que desempenham atividades típicas de Estado, essenciais para a defesa e a gestão da coisa pública, necessitam de proteções adicionais para assegurar sua autonomia e integridade.

A importância da motivação no direito público

O Projeto de Lei 4.433/21, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, visa a aprimorar a legislação ao proibir a demissão de funcionários das empresas e fundações públicas e das sociedades de economia mista sem a devida motivação. A proposta ainda prevê a nulidade da dispensa caso não seja observada essa exigência. A tramitação deste projeto demonstra a importância de se consolidar o princípio da motivação nos atos administrativos, especialmente no que se refere à demissão de empregados públicos, garantindo maior segurança jurídica e transparência no processo.

A motivação deve ser considerada um princípio fundamental no direito público, pois, além de garantir a transparência dos atos administrativos, é essencial para proteger os servidores públicos contra práticas arbitrárias. A fundamentação adequada dos atos administrativos é um pilar da administração pública, sendo indispensável para preservar a legalidade e a justiça nas decisões que envolvem servidores e empregados públicos.

A demissão por motivação razoável: um risco à estabilidade institucional

A falta de uma motivação concreta nas demissões de empregados públicos coloca em risco a estabilidade institucional da administração pública. A ausência de garantias claras e objetivas pode abrir portas para práticas de favorecimento político ou pressão externa, o que enfraquece a confiança da sociedade nas instituições públicas. Além disso, a insegurança criada pela falta de uma fundamentação clara também prejudica a cultura organizacional das estatais e empresas públicas, dificultando o desenvolvimento de um ambiente de trabalho ético e comprometido com o interesse público.

A demissão com base em uma “motivação razoável” pode ser interpretada de maneira subjetiva e aberta a diferentes interpretações, o que compromete a estabilidade do trabalhador e da própria gestão pública. Assim, a exigência de uma motivação mais clara não apenas resguarda os direitos dos trabalhadores, mas também fortalece a administração pública, garantindo que as decisões de demissão sejam justas, fundamentadas e transparentes.


Conclusão: a motivação como pilar da administração pública

A decisão do STF sobre a motivação para a demissão de empregados públicos traz à tona um tema central no direito administrativo: a necessidade de fundamentação adequada nos atos administrativos. Embora a exigência de motivação seja um avanço importante, é fundamental que essa motivação seja clara e não subjetiva, garantindo maior segurança jurídica para os empregados públicos e evitando arbitrariedades.

A transparência nas decisões administrativas e a preservação da autonomia dos empregados públicos devem ser prioridades para a administração pública, de forma a garantir que as decisões sejam justas e em conformidade com a lei. A motivação não deve ser vista apenas como uma formalidade, mas como uma medida necessária para assegurar a legalidade e a integridade dos atos administrativos, protegendo tanto os trabalhadores quanto as instituições públicas.

 


Bibliografia

Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 4.433/21 (2021). Disponível em: https://www.camara.leg.br

Supremo Tribunal Federal (STF). Tema 1.022 da Repercussão Geral (RE 688.267) (2024). Disponível em: https://www.stf.jus.br

  • é advogado público de estatal federal da EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), especialista em Direito Civil e Processo Civil pela OAB-AL.

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