quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

As dúvidas e desafios na segurança pública para 2019



As dúvidas e desafios na segurança pública para 2019
Leis mais brandas para a posse de armas vão mesmo facilitar o acesso a elas?; o poder público retomará o controle das cadeias?; quais são as estratégias de Moro, com ampla experiência sobre corrupção e temas afins, contra o narcotráfico?

Segurança pública: dúvidas e desafios MATTIAATH / GETTY IMAGES
POR GIAMPAOLO MORGADO BRAGA

02/01/19 - 16h01 | Atualizado: 02/01/19 - 16h46

Futurologia é sempre um exercício perigoso. Pelas previsões dos anos 1950, estaríamos agora morando em Marte e pilotando carros voadores. Ainda assim, é difícil escapar à tentação de prever o que acontecerá na segurança pública neste ano que começa. Ou, pelo menos, apontar algumas pedras no meio do caminho das novas administrações.


Armas para todos

A comparação que o general Augusto Heleno fez entre armas e veículos, no último domingo — ao argumentar que a posse de um veículo também pode botar pessoas em risco — tem um quê de ironia, não da parte do general, mas da própria realidade. A exemplo de um carro zero, comprar uma arma nova não está ao alcance do brasileiro médio. E nem falo da burocracia insana que o presidente Jair Bolsonaro promete abater a golpes de caneta. É o preço, mesmo. Uma pistola razoável sai por algo em torno de R$ 4 mil, R$ 5 mil; o custo da munição parece um assalto, dar um mísero tiro de calibre 38 sai por uns R$ 8. Isso sem falar em acessórios, manutenção da arma, registro. Um dos fatores para isso é a carga tributária. Só para citar dois impostos: a incidência de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre armas e munição é de 45% e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para os mesmos produtos, ao menos no Estado do Rio de Janeiro, está em 200%. É a promoção “pague três armas, leve uma”. O plano de Bolsonaro de facilitar o acesso à posse de armas de fogo terá efeito prático igual a zero se o custo de ter uma arma e municiá-la continuar o mesmo.

A cadeia pode virar

Os projetos de Bolsonaro e de boa parte dos governadores eleitos de controlar a criminalidade passam, obrigatoriamente, pelo controle dos presídios. E, com poucas exceções, as penitenciárias, país afora, são controladas pelos criminosos lá detidos. E o Estado reluta em apertar o parafuso, acabar com a festa de drogas, armas, celulares, visitas íntimas, bilhetinhos etc porque as cadeias são barris de nitroglicerina superlotados, prontos para detonar à primeira sacudida mais violenta. E um endurecimento nas regras (na verdade, apenas fazer cumprir as normas) fará a violência espirrar para fora da prisão. A despeito de as estatísticas carcerárias terem alguns números contraditórios, há, segundo o Conselho Nacional de Justiça, um déficit de quase 270 mil vagas no sistema carcerário. Começar a construir presídios país afora, centenas deles, seria uma boa ideia, porque a outra opção, colocar os bandidos na rua, não parece estar afinada com o discurso do presidente e dos governadores dos maiores estados do país. Se não controlarem as cadeias, qualquer coisa que os novos governos tentem fazer para controlar o crime do lado de fora dos presídios terá baixa eficácia.

Mudanças na legislação

Parte do que o novo presidente prometeu (mudanças na excludente de ilicitude, na maioridade penal e na progressão de regime, para citar três exemplos) dependem do Congresso. Ou que sejam aprovados projetos que já tramitam numa das duas Casas — o que parece mais razoável para ganhar tempo — ou que o governo apresente mudanças no Código Penal, de Processo Penal e na Lei de Execução Penal. A equipe de Bolsonaro já indicou, porém, que sua prioridade legislativa será a aprovação da reforma da Previdência. E as alterações propostas pelo presidente vão enfrentar resistência da oposição, são polêmicas, poderão sofrer contestação judicial. Cumprir essas promessas não pode ser dado como favas contadas e custará tempo e esforço político. Resta saber em que ponto da lista de tarefas do presidente ficarão essas questões de segurança pública.

Para além da corrupção

O novo ministro da Justiça, Sergio Moro, tem conhecimento comprovado no combate à corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas. Mas o que pensa e conhece sobre narcotráfico? Sistema carcerário? Tráfico de armas? Facções criminosas? O que pretende fazer para controlar o poder do PCC? E para coibir a ação da Família do Norte? Moro vai se deparar — se é que já não se deparou — com questões desse tipo em breve. E, muito embora seja fundamental prender políticos bandidos e atacar a corrupção, no quesito “a violência nossa de todo dia”, há temas bem mais urgentes do que os crimes de colarinho branco. E que são imensamente, absurdamente complexos, e possivelmente insolúveis a médio prazo. Diante deles, trancafiar Lula foi um passeio num domingo de sol.

Quem vai investigar?

Como ainda não atingimos a realidade distópica do Juiz Dredd, o sistema de persecução criminal precisa de policiais civis que investiguem crimes, descubram os responsáveis e deem o pontapé inicial nos processos. Ocorre que as polícias civis de Norte a Sul estão em situação deplorável de pessoal. Enquanto a Polícia Federal brilhava trancafiando políticos e o Ministério Público assumia parte do mecanismo de investigação, as delegacias foram definhando país afora. Como no tópico acima, resolver a falta de policiais e estrutura das polícias civis é infinitamente mais complicado do que tirar de circulação empreiteiros ou costurar delações premiadas. E a satisfação do cidadão comum ao ver um corrupto sendo preso pela manhã é obliterada pelo assalto que ele sofre à tarde.

O terror dos terroristas

O novo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, usou a expressão “narcoterroristas” em seu discurso de posse para se referir aos traficantes do Rio, e afirmou que como terroristas eles serão tratados. A frase, claro, é um artifício de retórica: a Lei 13.260 não prevê o tráfico de drogas ou armas (ou outras ações usuais dos bandidos do Rio) como ação terrorista. Da mesma maneira que a promessa do abate de criminosos com fuzis — ou sua neutralização, no jargão atualizado — colar na bandidagem carioca a etiqueta de terrorista tem seus riscos. Ao contrário do Estado, que precisa seguir regras, protocolos e opera dentro do cercadinho da Constituição e do ordenamento jurídico, os bandidos estão aí pro que der e vier. Podem ser infinitamente cruéis, têm a moral de uma ameba e a desumanidade de um nazista num dia ruim. Mesmo que seus atiradores não sejam de elite, o tráfico do Rio pode decidir, por exemplo, abrir fogo, do alto do morro, contra a praia lotada numa manhã de verão; várias favelas da Zona Sul da cidade têm vista privilegiada e estratégica da areia. Também pode resolver vestir a carapuça terrorista e arremessar granadas por cima do muro de escolas na hora do recreio. Ou jogar carros contra pracinhas lotadas. Ou um sem-número de coisas medonhas, que nem Witzel nem ninguém tem o poder de impedir. O que os traficantes ganham com isso, além do poder de incutir pânico em milhões de pessoas? Nada. Mas quem disse que sujeitos que atiram em grávidas, arrastam crianças e queimam pessoas em pilhas de pneus estão preocupados com isso?

Giampaolo Morgado Braga é jornalista, editor-assistente de Extra e O Globo

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