6 de outubro de 2025, 16h17
A reforma administrativa no Brasil é um tema que desperta debates acalorados, especialmente quando se discute a estabilidade dos servidores públicos. A estabilidade, prevista no artigo 41 da Constituição, é um direito assegurado aos servidores públicos estatutários após três anos de efetivo exercício, desde que aprovados em estágio probatório. Contudo, a possibilidade de perda do cargo por insuficiência de desempenho, também prevista no mesmo artigo, permanece sem regulamentação adequada desde a promulgação da Constituição. Este artigo analisa a importância de regulamentar a avaliação especial de desempenho, mantendo a estabilidade como um pilar do serviço público, mas garantindo maior eficiência e responsabilidade.
Estabilidade no serviço público: fundamento e limites
O artigo 41 da Constituição estabelece que o servidor público estável só perderá o cargo em três situações: sentença judicial transitada em julgado, processo administrativo com ampla defesa ou mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma da lei complementar, assegurada a ampla defesa. A estabilidade é uma garantia constitucional que visa a proteger o servidor contra pressões políticas e perseguições indevidas, assegurando a continuidade e a imparcialidade do serviço público. Contudo, ela não é absoluta, estando condicionada à ausência de justa causa para a exoneração.
A justa causa, no contexto do serviço público, pode incluir a insuficiência de desempenho, mas a falta de regulamentação da avaliação periódica de desempenho tem impedido a aplicação prática dessa previsão constitucional. Desde 1998, com a Emenda Constitucional número 19, foi introduzida a possibilidade de perda do cargo por desempenho insuficiente, mas a ausência de uma lei complementar que discipline esse procedimento tem mantido a norma ineficaz.
Avaliação especial de desempenho: promessa não cumprida
A Emenda Constitucional número 19 de 1998 alterou o artigo 41 da Constituição para incluir a avaliação periódica de desempenho como mecanismo de controle da eficiência do servidor público. A intenção era clara: equilibrar a garantia da estabilidade com a necessidade de um serviço público eficiente e responsivo às demandas da sociedade. No entanto, passados mais de 25 anos, a lei complementar necessária para regulamentar esse dispositivo ainda não foi aprovada, o que impede a implementação de critérios objetivos e transparentes para avaliar o desempenho dos servidores.
A regulamentação da avaliação especial de desempenho não implica, necessariamente, o fim da estabilidade. Pelo contrário, ela pode fortalecer o princípio da eficiência, previsto no artigo 37 da Constituição, que estabelece que a administração pública deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A avaliação periódica, se bem estruturada, pode identificar servidores que não cumprem suas funções adequadamente, garantindo que a exoneração ocorra apenas em casos de insuficiência comprovada, com respeito ao devido processo legal e à ampla defesa.
Por que não acabar com a estabilidade
A proposta de extinção completa da estabilidade, frequentemente levantada em debates sobre reforma administrativa, é vista por muitos como uma medida drástica e potencialmente prejudicial. A estabilidade é um mecanismo que protege o servidor de pressões políticas indevidas, garantindo que decisões administrativas sejam tomadas com base no interesse público e não em interesses partidários ou pessoais. Sem ela, há o risco de aumento da influência política sobre o funcionalismo, comprometendo a continuidade de políticas públicas de longo prazo.

Além disso, a estabilidade não impede a exoneração por justa causa. O artigo 41 da Constituição já prevê mecanismos para a perda do cargo em casos de infrações disciplinares ou insuficiência de desempenho, desde que observados os procedimentos legais. Portanto, o problema não reside na estabilidade em si, mas na falta de regulamentação que permita a aplicação prática das normas constitucionais.
Solução: regulamentar a avaliação de desempenho
A regulamentação da avaliação periódica de desempenho deve ser pautada por critérios objetivos, transparentes e mensuráveis, alinhados ao princípio da eficiência. Um sistema de avaliação bem desenhado deve incluir critérios claros, com indicadores de desempenho baseados nas atribuições do cargo e metas realistas; periodicidade definida, com avaliações regulares e prazos claros; participação e transparência, com envolvimento de comissões imparciais e divulgação dos resultados; ampla defesa, garantindo que o servidor possa contestar os resultados da avaliação; e capacitação, com programas de treinamento para servidores que apresentem desempenho abaixo do esperado antes de qualquer medida de exoneração.
A regulamentação deve ser feita por meio de uma lei complementar, conforme determina a Constituição, e deve considerar as especificidades de cada carreira pública, respeitando as diferenças entre funções administrativas, técnicas e de alta complexidade.
Desafios e oportunidades
A ausência de regulamentação da avaliação de desempenho tem gerado críticas à administração pública, que muitas vezes é percebida como ineficiente ou distante das necessidades da sociedade. Por outro lado, a implementação de um sistema robusto de avaliação pode trazer benefícios significativos, como aumento da produtividade, melhoria da imagem do serviço público e gestão mais eficaz de recursos humanos. Servidores motivados por metas claras e recompensas por bom desempenho tendem a ser mais produtivos. Um sistema que premie a eficiência e puna a negligência pode recuperar a confiança da sociedade no funcionalismo. A identificação de lacunas de desempenho pode orientar políticas de capacitação, otimizando o uso de recursos públicos.
Os desafios, no entanto, são igualmente relevantes. A elaboração de uma lei complementar enfrenta resistências de grupos que temem a flexibilização da estabilidade, mesmo que injustificada. Além disso, é necessário evitar que a avaliação seja utilizada como instrumento de perseguição política, o que reforça a importância de critérios objetivos e da garantia de ampla defesa.
Conclusão
A reforma administrativa no Brasil não precisa, nem deve, abolir a estabilidade dos servidores públicos. A estabilidade, consagrada no artigo 41 da Constituição, é um pilar fundamental para a proteção da administração pública contra ingerências indevidas. No entanto, a regulamentação da avaliação periódica de desempenho, prevista desde 1998, é uma medida urgente e necessária para alinhar a estabilidade com o princípio da eficiência.
A criação de uma lei complementar que discipline esse processo, com critérios objetivos, transparentes e respeitosos ao devido processo legal, é o caminho para modernizar o serviço público, garantindo sua qualidade e legitimidade perante a sociedade. O Brasil não precisa reinventar a roda, mas apenas cumprir o que a Constituição já determina há mais de duas décadas.
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