domingo, 3 de fevereiro de 2019

Benefícios indevidos – ausência de contribuição sindical e assistencial




Estadão
Benefícios indevidos – ausência de contribuição sindical e assistencial
Thais Alberigi e Carlos Terranova*

01 Fevereiro 2019 | 10h30


Thais Alberigi e Carlos Terranova. FOTOS: DIVULGAÇÃO*

A entrada em vigor da reforma trabalhista (Lei n.º 13.467) provocou profundas alterações nas relações sindicais. Uma das mais importantes, senão a maior, foi a mudança da regra de custeio das entidades sindicais (artigos 545, 578 e 579 da CLT), que tornaram facultativo o pagamento da contribuição sindical.

É importante lembrar que até a reforma trabalhista, o desconto da contribuição sindical pelo empregador era obrigatório, o que lhe concedia natureza jurídica tributária, conforme arts. 8.º, IV, 149 c/c 146, III, da Constituição Federal e art. 578 da CLT (1), sendo inclusive comumente conhecido como “imposto sindical”.

No entanto, desde novembro de 2017, a contribuição sindical somente poderá ser descontada pelo empregador se o empregado expressamente autorizar, o que causou intenso debate na comunidade jurídica, especialmente nas entidades sindicais, que se depararam com uma drástica redução de receita.

A controvérsia acabou sendo levada até o Supremo Tribunal Federal (“STF”), que em junho de 2018, se posicionou pela constitucionalidade desse ponto da reforma trabalhista no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5794. No total, 19 ações diretas de inconstitucionalidade questionaram a validade da matéria e tiveram como resultado a manutenção da contribuição facultativa como forma de demonstração da liberdade sindical prevista na Constituição Federal.

Com isso, houve significativo impacto nas relações com as entidades sindicais. No Estado de São Paulo, por exemplo, um dos reflexos das novas regras impostas pela reforma trabalhista foi a demora na conclusão de negociações coletivas entre os sindicatos dos empregados e dos empregadores. A Convenção Coletiva do Setor de Tecnologia da Informação e Processamento de Dados demorou quase 12 meses para ser finalmente divulgada (o reajuste era devido em janeiro de 2018 e só foi encerrado em dezembro daquele ano, mediante um acordo celebrado perante o Judiciário).

Outro reflexo da reforma trabalhista é a recente adoção de medidas enérgicas pelas entidades sindicais contra os representados que rejeitam o pagamento das contribuições.

Temos vistos alguns sindicatos em São Paulo, que determinaram que o empregado que se opuser ao pagamento das contribuições previstas em sua Convenção Coletiva perde o direito aos benefícios obtidos pela categoria (e.g., reajuste salarial, piso da categoria, vale-refeição, plano de saúde), argumentando que apenas os trabalhadores que participam do custeio das negociações, tem direito a delas se beneficiar. Em resumo, o empregado que deixar de contribuir deixará de ser, na prática, representado pelo Sindicato, sendo taxado de “não-sindicalizado”.

Os sindicatos que adotaram essa medida, circularam no início deste ano, notificações às empresas indicando que, essa medida teria sido aprovada em Assembleia e apresentando carta de oposição onde o empregado expressamente declara a sua renúncia aos direitos conquistados em negociações coletivas de trabalho.

O fato é que iniciativas dessa natureza acabaram gerando dúvidas tanto às empresas quanto aos empregados, principais afetados, pois, deu-se à alteração trazida pela reforma trabalhista, uma interpretação não antes discutida, relacionada à efetiva representatividade desses empregados.

Ocorre que, a nosso ver, medidas como as acima narradas violam o inciso XXVI, do artigo 611-B da CLT, introduzido pela reforma trabalhista, que prevê que a supressão ou a redução da liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador não pode ser objeto de negociação por acordo ou convenção coletiva. O dispositivo ainda trata que o direito de não sofrer, sem a expressa anuência do trabalhador, nenhum desconto salarial decorrente de acordo ou convenção coletiva, também não pode ser objeto de negociação.

Ou seja, o legislador, em uma provável antecipação dos reflexos que a faculdade da contribuição sindical poderia gerar, se dedicou a limitar o alcance das negociações sindicais no tocante à liberdade de associação.

Não bastasse, a própria Constituição Federal, desde 1988, já estabelecia como direito social dos trabalhadores o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho e a livre associação profissional ou sindical (art. 7.º, inciso XXVI). Mais que isso, é dever dos sindicatos a defesa dos direitos e dos interesses coletivos ou individuais da categoria, conforme prevê o artigo 8º, inciso III, ao determinar que cabe ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.

Do contrário, estaríamos vivendo um novo momento no Direito Sindical Brasileiro, em que o empregado poderia simplesmente negociar diretamente com o seu empregador todos e quaisquer direitos decorrentes de seu contrato, e.g., como o reajuste de seu salário, o valor de seus benefícios, não estando regulado pela Convenção Coletiva da sua categoria, fato que não se alinharia com os termos do referido art. 8.º, inciso III, da CF/88.

Outro questionamento relevante que decorre de práticas como as acima exemplificadas: dentro de uma mesma empresa poderiam coexistir diferentes realidades, cada qual fruto de uma negociação individual entre patrão e empregado, mesmo que para trabalhadores sob as mesmas condições, criando uma verdadeira confusão em relação à norma correta a ser aplicada?

Em que pese ainda não tenha havido nenhum pronunciamento do judiciário quanto à adoção dessas medidas pelos sindicatos, fato é que aquelas entidades que adotaram tal postura tem sustentado o seu posicionamento, em uma decisão judicial proferida em um processo com origem em 2009, quando a reforma trabalhista nem sequer estava vigente.

Diante dessas posturas, será necessário um pronunciamento oficial para poder ter uma melhor dimensão dos eventuais caminhos que essa conduta dos sindicatos poderá alcançar. Enquanto isso, é possível afirmar que há muitos argumentos para defender que a legalidade da postura dos sindicatos é bastante questionável, do ponto de vista constitucional e certamente ainda terá muitos desdobramentos. Muitas batalhas judiciais estão por vir.

(1) Sobre isto a recente decisão do TST: (…) II. É pacífico nesta Corte Superior o entendimento, segundo o qual a contribuição sindical, na forma prevista antes da reforma trabalhista, possui natureza jurídica tributária, conforme arts. 8.º, IV, 149 c/c 146, III, da Constituição Federal e art. 578 da CLT, sendo, pois, aplicável o prazo de prescrição quinquenal previsto no art. 174 do CTN, e, quanto à contribuição assistencial, observa-se, igualmente, o prazo quinquenal estipulado no inciso XXIX da Constituição Federal por se tratar de obrigação derivada de relação trabalhista, não se cogitando, contudo, da observância da prescrição bienal, porque, em tais hipóteses, não se discutem direitos oriundos de extinta relação de trabalho. III. Em razão da natureza jurídica tributária atribuída à contribuição sindical até o advento da Lei n.º 13.467/2017, esta era paga de forma compulsória por todos os integrantes da categoria econômica e profissional, filiados ou não ao respectivo sindicato representativo, enquanto a contribuição assistencial, possuidora de natureza autônoma e instituída pelas assembleias gerais das entidades sindicais por meio de instrumentos coletivos, independentemente de prévia regulamentação por lei ordinária ou complementar, tendo por finalidade proporcionar aos sindicatos econômicos e profissionais os recursos financeiros necessários para o custeio de suas atividades, só pode ser cobrada de trabalhadores ou empregadores sindicalizados, sob pena de ofensa aos arts. 5.º, XX, e 8.º, V, da Constituição Federal de 1988, nos moldes do Precedente Normativo n.º 119 e da Orientação Jurisprudencial n.º 17, ambas da SDC deste TST. (…) (RR – 60000-20.2007.5.04.0022 , Relator Desembargador Convocado: Ubirajara Carlos Mendes, Data de Julgamento: 26/6/2018, 7.ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/6/2018)

*Thais Alberigi e Carlos Terranova, do Trench Rossi Watanabe



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