domingo, 22 de outubro de 2017

Porte de arma: direito do cidadão? Ou o Estado deve manter o monopólio do uso da força?

Porte de arma: direito do cidadão? Ou o Estado deve manter o monopólio do uso da força? 

Andar armado é um direito do cidadão? Muita gente acha que sim. Mas outros defendem o monopólio do uso da força nas mãos do Estado. Especialistas afirmam, inclusive, que ter uma arma em casa aumenta a chance de assassinato, suicídio ou acidente. Confira agora, no último capítulo da Reportagem Especial.
Andar armado nas ruas é considerado por muita gente um direito que o cidadão tem de se defender da violência.
O Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2004, só permite o porte de armas a algumas categorias profissionais, como policiais e integrantes das Forças Armadas. E um projeto em tramitação na Câmara pode facilitar a obtenção do porte.
Lucas Martins Silveira, presidente do Instituto de Defesa Nacional, defende a mudança:
“É importante considerar que ninguém pode tirar de um pai a opção, se desejar, de defender um filho. Ninguém pode tirar de um homem, de um chefe de uma casa, do marido, ou até mesmo da esposa, a possibilidade de defender a sua família se desejar. É uma opção."
Fabrício Rabelo, pesquisador em segurança pública, acredita que a sociedade fica desprotegida quando o cidadão perde o direito de se defender:
"Quando nós tiramos de circulação na sociedade a arma de fogo, o efeito imediato para a sociedade é a fragilização social. Nós tiramos a força da sociedade no confronto com o ataque criminoso."
Argumento parecido é defendido pelo ex-delegado da Polícia Civil Claudinei Machado, presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB de Sorocaba, em São Paulo:
"A política desarmamentista que tem sido adotada por nosso país mostra que ela não gera paz social e muito menos inibe a ocorrência da violência."
Mas a eficácia do uso generalizado de armas no combate a assaltos e assassinatos é questionada por especialistas.
Daniel Cerqueira, diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, defendeu tese de doutorado em que concluiu que 1% a mais de armas nas ruas aumenta em 2% o número de homicídios.
Segundo ele, um cidadão com arma em casa tem o dobro de chance de ser assassinado ou cometer suicídio:
"É um consenso na literatura internacional que mais armas geram mais crimes. Mais armas fazem aumentar os homicídios, os suicídios, os acidentes, não apenas os de adultos, de jovens, mas os de crianças também. Há muitos pais de família, há muita gente de bem, que não é bandido, e que eventualmente, com a arma de fogo, perdeu a cabeça, numa briga de bar por time, por Flamengo, por Vasco, e matou o outro. Isso acontece muito."
Cláudio Chaves Beato, coordenador do Centro de Estudos da Criminalidade da Universidade Federal de Minas Gerais, afirma que uma pessoa armada, até mesmo um policial, tem 88% a mais de chance de ser vítima de agressão por arma de fogo:
“É que a arma, na verdade, expõe mais as pessoas ao crime. No caso de roubos, ter ou não ter armas não significa nada. E aí a pergunta é: vale a pena armar a população, dar o direito à população ficar armada contra um crime no qual você ter ou não arma não quer dizer nada? Segunda, no caso de agressão, pelo contrário, a posse de armas aumenta a chance de vitimização."
O uso de armas pela população como uma forma de combater a violência também é questionado pela procuradora da República Luciana Loureiro. Para ela, as causas da violência são diversas, o que reduz a política de armar a população como meio de reduzir os índices de criminalidade:
"Se a finalidade do projeto de lei, como um dos fundamentos de sua proposição, é reduzir a violência por meio da autodefesa que se pretende permitir através da arma de fogo, essa finalidade talvez não seja alcançada porque nós temos causas muito complexas que redundam em violência e são essas causas complexas que tem que ser atacadas com o fim de atingirmos uma maior pacificação social."
Valéria Velasco, do Comitê Nacional de Vítimas da Violência, defende o monopólio do uso da força pelo Estado e não por cidadãos:
"Proteger o cidadão não é tarefa de cada um. Nós não podemos impor mais este peso a nossa população, que já está sofrida, sem saúde, sem escola. E agora vai ter que cuidar da sua própria segurança, trazendo risco para todos e para si própria, para seus próprios familiares? Mais armas para cair na mão de bandido, como nós vimos aí todo dia?"
O impasse entre facilitar ou continuar a proibir o porte de armas para o cidadão pode começar a ser resolvido até o fim do ano, com a votação de um projeto que revoga o Estatuto do Desarmamento.
A proposta está em uma comissão especial e tem que passar ainda pelo Plenário da Câmara para, depois, tramitar no Senado

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