Diego de Maria Gonçalves, de 24 anos, acumula três internações na Fundação Casa e detenção de mais de um ano no sistema penitenciário. Tudo, por tráfico de drogas. Depois de desperdiçar múltiplas chances e de acumular uma pesada dívida com traficantes, Diego encontrou sua saída do mundo do crime através da fé. Hoje, estuda para ser padre.
Pedro Baccelli
da Redação
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A história de Diego começa a ser escrita no bairro Ângela Rosa. Lá, morou durante a infância com os pais, Roberto e Helena Gonçalves, e os irmãos caçulas, Gabrieli e Thiago. A mãe trabalhava como doméstica. O pai era cortador de sapato e professor de capoeira. Foi através das aulas de capoeira que nasceu o amor do menino pelo esporte. Gostava também de nadar e jogar futebol e basquete. As piscinas e quadras do Sesi (Serviço Social da Indústria) eram uma extensão de seu quintal.
A família sempre foi muito unida e amorosa. Ainda assim, dentro das quatro paredes lidava com um problema que aterroriza milhares de famílias brasileiras: o alcoolismo. “Eu via o meu pai, professor de capoeira, como um paizão. Estava sempre me ajudando. Dava tudo para a família, não deixava faltar nada. Mas, também via o meu pai como um alcoólatra, que chegava brigando, que brigava com a minha mãe. Sempre aquela discórdia”, lembra Diego.
O álcool foi a porta de entrada para outras drogas. Aos onze anos, a maconha entrou em sua vida. Começava o pesadelo. “Comecei enquanto criança a usar drogas. A conhecer outras realidades. Festas, namoradas e mulheres. Toda aquela sedução do mundo. Quando fui ver, na escola, quando estava na 5° série, comecei a fumar maconha”, conta.
Primeira reclusão na Fundação Casa
Muito cedo, aos doze anos, o menino deixou a escola, contrariando a vontade dos pais. Ele estava matriculado na E.E. Ângelo Scarabucci. Diego começou a usar drogas regularmente com os amigos. Aqueles que forneciam drogas no início, começaram a se incomodar com a postura do jovem, que não ajudava na hora da compra. A "solução" foi começar a "arrumar" dinheiro. Quando se deu conta, estava frequentando pontos de vendas, conhecidos como biqueiras, e envolvido no tráfico de drogas.
Os pais não eram coniventes com a atitude do filho. Ainda assim, não foi o suficiente para brecá-lo. Aos 15 anos, Diego estava embalando entorpecentes quando os policiais invadiram a residência. O jovem foi levado pela primeira vez para a Fundação Casa de Franca. Era 13 de setembro de 2011. Também foram detidos outro menor de idade, que foi levado para a casa de detenção infanto-juvenil, e um adulto, que cumpriu seis anos na penitenciária comum.
Durante os nove meses que permaneceu recluso, Diego buscou aproveitar oportunidades oferecidas pela Fundação Casa. Deu continuidade nos estudos, que estavam parados, e fez cursos profissionalizantes. “Tive oportunidade de estudo, pois, não tinha terminado. Ali consegui fazer da 5° até 8° série. Tive oportunidade de fazer cursos maravilhosos. Fiz cursos de pintura em tela, informática, panificação e eletricista, além das outras atividades, como esporte”.
Segunda reclusão na Fundação Casa
Todas as oportunidades recebidas de estudo e trabalho foram desperdiçadas. “O tráfico de drogas veio e me seduziu novamente”, diz. Os criminosos estavam a postos já no primeiro dia após sua saída. “Lembro que foram na porta da minha casa com um carrão me buscar, para darmos uma volta. Nesta volta me deram drogas e ofereceram dinheiro. (Aquilo) Me mostrou uma realidade do crime, onde o poder era muito grande”, afirma.
De volta ao tráfico, Diego recebeu uma proposta sedutora. Uma grande quantidade de drogas prontas para vender. Aceitou na hora a "oferta". “O traficante me ofereceu essa droga. Tinha uns 58 pedaços de maconha, meio quilo de haxixe, aquele tanto de drogas e peguei para vender”.
Após duas semanas, os policiais invadiram uma residência e apreenderam os entorpecentes. O responsável pelo local foi preso. Naquele momento, Diego estava devendo aos traficantes. Mais tarde, a dívida chegaria em R$ 64 mil. “Nesse momento entrei em depressão. Falava para todo mundo... Que sentimento ruim. Uma angústia. Pensava só em morte. Pensava que iríamos morrer eu e minha família inteira. Pensava que não poderia vender mais drogas, porque os policiais já estavam na minha busca”, diz.
Diego pegou ainda mais entorpecentes para vender na tentativa de quitar a dívida. Ao invés disso, aumentava cada vez mais o prejuízo. O problema se tornou “uma bola de neve”. Ele terminou preso pela segunda vez. “Eu vendia drogas de manhã, de tarde, de noite e de madrugada para tentar pagar a dívida. Cada vez aumentava mais. Fui preso no dia 9 de maio de 2013”.
Apesar da profunda tristeza que se abateu sobre os pais com sua segunda prisão, ambos não deixaram de ir em uma só visita durante os seis meses de prisão. Diego recebeu novas oportunidades, mesmo sendo reincidente. Teve o apoio de toda a equipe da Pastoral do Menor, principalmente, dos técnicos e psicólogos, para quem reserva carinho especial. Ao final da reclusão, Diego saiu com um emprego.
Terceira reclusão na Fundação Casa
Assim como na última vez, as oportunidades oferecidas na Fundação Casa não foram aproveitadas. Na saída da reclusão, o crime organizado o esperava. Novamente ele aceitou a proposta. Estava determinado a pagar a dívida, mas a realidade foi bem diferente. “Cheguei ao ápice do sofrimento. Eu não conseguia ver solução. Tentava e não pagava a dívida”.
Depois de anos sem ir à igreja, Diego chamou sua mãe para ir ao Cenáculo. Na data programada, desmarcou, pois, tinha outros compromissos. O fato se repetiu mais uma vez. Até que seu pai chamou toda a família para ir. “O meu pai, que um dia foi sinal de desgraça, foi sinal de graça para mim. O meu pai me chamou para ir à igreja”. Diego chorou na celebração e fez um compromisso de ir ao Cenáculo toda terça-feira. A partir da ida, o jovem diz nunca mais ter sentido vontade a usar drogas como maconha, LSD, lança perfume, sintéticas e bebidas.
Ainda assim, continuava vendendo. No dia 27 de abril de 2014, ele foi levado a Fundação Casa pela terceira vez. Com medo da decisão do promotor, que poderia pedir sua reclusão ou liberação, Diego pediu a Deus por um milagre naquele momento. “Cheguei na Fundação Casa e rezei. Não sabia rezar tanto, mas orei e pedi para Deus. No domingo eu fui ao Fórum. É quase impossível ir ao Fórum no domingo e o promotor (não ofereceu denúncia e) me deu liberdade. Aconteceu um milagre. Fui preso em flagrante. Ganhei liberdade”.
Preso na penitenciária comum
Mesmo com suas preces atendidas, o medo de morrer fez com que o rapaz voltasse para a vida do crime. A venda de drogas seria vista mais uma vez como a “solução” para pagar sua dívida. “Estava com muito medo de morrer, então continuei a vender drogas”. Diego completou 18 anos no dia 22 de maio de 2014. Ele foi preso pela quarta vez no dia 30 de maio. Desta vez, o destino foi a penitenciária.
Diego buscava motivos para continuar acreditando. Passou um ano e dois meses preso. “Diante daquele sofrimento, daquela humilhação, de ser tratado como um lixo, ser jogado dentro de uma cela, a única coisa que tínhamos de diferente era o banho de sol. Comida sem sabor. A vida lá era sem sabor”.
Enquanto estava lá, focava em sair do tráfico, mesmo que isso levasse a sua vida. “Uma força vinha dentro de mim. Vou morrer, mas não volto a vender drogas. Vou morrer, mas não volto mais a fazer o que fazia. Então dentro da cadeia comecei a mudar. Começar a lembrar das pessoas que me acolheram”. Em 2015, Diego conseguiu sua liberdade.
Quatro amigos perdidos
Diego perdeu quatro amigos em um período de três anos. Em 2011, faleceu o homem que o ensinou a vender drogas. Ele saiu de casa em sua moto. Quando virou a esquina, bateu em uma carroça. A madeira do equipamento atravessou o peito do homem, que foi vítima de hemorragia. A segunda morte aconteceu no ano seguinte (2012). Um vizinho era usuário de cocaína. Após consumir grande quantidade, se enforcou com uma corda numa árvore da chácara da família.
A terceira morte veio após uma discussão. Em 2013, um amigo foi baleado ao seu lado após uma briga. O rapaz levou quatro tiros. “As balas passaram ao meu redor. Graças a Deus não tomei nenhum tiro. Mas vi ele ensanguentado”. No mesmo ano, um companheiro de vendas realizou um sonho e comprou uma Honda Hornet. Em um ‘racha’, o rapaz desequilibrou-se e colidiu com um barranco. Com o impacto, o braço foi arrancado, O rapaz morreu com uma incontrolável hemorragia.
Um novo capítulo em sua história
Quando saiu da cadeia, Diego buscou o apoio do Padre Ovídio, presidente da Pastoral do Menor de Franca. O sacerdote acolheu o jovem e o chamou para fazer um trabalho na Fundação Casa. Quando retornou ao local, ele se emocionou ao relembrar o passado e ao saber que muitos jovens estavam na mesma situação que um dia esteve. “Desde o início me colocava no lugar deles. Eu senti o que eles sentiam. Quantas vezes eu me peguei chorando, porque eu sabia que muitos estavam ali por estarem refém do crime”.
Diego teve a oportunidade de renegociar suas dívidas. Ele propôs um pagamento quinzenal de R$ 500. O traficante aceitou a proposta. Daquele momento em diante, em uma bicicleta de carga ele rodava pontos da cidade vendendo doces para quitar sua dívida. “Descobri o que é um trabalho honesto. Descobri o que é uma vida dedicada ao serviço. O tanto que é difícil ganhar R$ 50 por dia. Corria para cima e para baixo vendendo doces. Quantas vezes fui humilhado”, recorda.
Desde o começo da dívida, Diego já havia pagado cerca de R$ 9 mil. O traficante "perdoou" mais de R$ 18 mil. Através da venda de doces, queijos, outras guloseimas e mais uma campanha realizada por amigos, o jovem arrecadou em torno de R$ 32 mil. Diego pagou tudo o que devia no dia 24 de dezembro de 2019. “Imagina um menino feliz. Eu chorava de soluço e gratidão a Deus por ter pago minha dívida e não ter morrido nem eu nem minha família”.
O futuro de Diego
Depois do sufoco, Diego viu ressurgir uma vontade antiga: ser missionário. “Eu queria ser missionário. Senti no meu coração que minha vida não pode ficar presa só aqui, neste momento, em Franca. Eu falava que tenho de ir ao mundo inteiro testemunhar. Falar o que Deus fez na minha vida e na minha família. Não posso ficar preso a uma só realidade”.
Diego começou a cogitar tornar-se padre. Ele refletiu sobre diferentes momentos que viveu. A cada dia o medo foi dando lugar ao sentimento de liberdade. Assim, a certeza de sua vocação foi clareando.
“Quando parei de olhar só os meus sonhos e comecei a olhar os sonhos de Deus, quando comecei a perceber o tanto que Deus havia feito em minha vida, quando descobri que iria viver uma liberdade em Deus, que iria viver em serviço de Deus, tive certeza da minha vocação. Essa certeza todos os dias foi clareando na minha cabeça. Estou sentindo uma alegria que nunca senti na minha vida”, disse.
Diego está no primeiro ano como seminarista. Os primeiros três anos são dedicados ao modo de vida escolhido. Os integrantes têm seus afazeres, assim como, os seus trabalhos sociais. Uma das responsabilidades do francano é cuidar da horta. “O nosso mover aqui, no dia a dia, falo que é um tripé: oração, trabalho e estudo. Esse tripé nos envolve a viver essa vida consagrada aqui na congregação”.
Neste primeiro ano, Diego atua no Pequeno Cotolengo Paulista, na cidade de Cotia (SP). O processo para o sacerdócio levará onze anos. “Se eu morresse hoje, morreria feliz, por estar fazendo aquilo que é vontade de Deus e, também, a minha vontade. Eu, que vivi tanto preso, em tantas coisas em diferentes realidades, hoje vivo livre em Deus, fazendo a vontade dele”, finalizou.
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