Regra, que estabelece limite máximo para despesas de empresas públicas com plano de saúde, foi criada no governo Temer e ajudou a reverter uma trajetória de prejuízos bilionários dos Correios
Anne Warth - O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Em uma estratégia para evitar riscos à aprovação do projeto de lei de privatização dos Correios, o governo decidiu fechar os olhos e deixar passar na Câmara uma proposta que desmonta as regras que estabeleceram parâmetros máximos para os gastos de estatais com planos de saúde de seus empregados. O projeto de decreto legislativo ainda precisa passar pelo Senado para entrar em vigor. Se aprovado, terá validade para todas as estatais.
Essas regras foram criadas no governo do ex-presidente Michel Temer e foram fundamentais para reverter uma trajetória de prejuízos bilionários dos próprios Correios, quando a empresa caminhava para se tornar uma estatal dependente – ou seja, que precisa de recursos do Orçamento para bancar salários e despesas correntes.
De autoria de uma deputada da oposição, Erika Kokay (PT-DF), e relatado por Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), integrante da bancada evangélica, o projeto de decreto legislativo teve ampla maioria na Câmara. Foram 365 votos favoráveis e somente 39 contrários, em votação realizada na semana passada – um apoio tão expressivo que seria suficiente até para aprovação de uma emenda à Constituição.
Voltado aos funcionários dos Correios, o Postal Saúde foi apresentado como símbolo de excesso na revisão de 2018. Foto: Andre Dusek/Estadão
Técnicos do governo tentaram articular uma reação ao texto e fizeram chegar aos parlamentares um documento, ao qual o Estadão/Broadcast teve acesso, com indicadores e dados em defesa da manutenção da resolução anterior. A reportagem apurou, no entanto, que a operação foi abortada quando o governo identificou que um movimento contrário ao projeto poderia comprometer o apoio na Câmara à privatização dos Correios – cuja votação está prevista para agosto.
Nos bastidores, o projeto de decreto legislativo foi comparado aos “jabutis” – emendas estranhas ao projeto original – da medida provisória da Eletrobrás, que o governo aceitou “engolir” em troca da aprovação do texto, e que custarão R$ 84 bilhões aos consumidores. Procurado, o Ministério da Economia não comentou.
Despesas
Editada em janeiro de 2018, a resolução estabeleceu prazo de quatro anos para que os planos se adaptem às regras. Se não for cumprida, os administradores das estatais (conselheiros e diretores) podem ser responsabilizados pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU), especialmente aqueles que não fizeram nada ou muito pouco para enquadrar os planos aos termos da resolução. É por isso, também, que alguns executivos trabalharam, nos bastidores, pela aprovação do projeto que a suspende, segundo apurou a reportagem.
Antes da edição da resolução, era comum que estatais bancassem mais de 90% dos custos dos planos de saúde dos empregados, sem qualquer coparticipação. Várias empresas aceitavam que os funcionários incluíssem como dependentes pais, mães e filhos sem qualquer limite de idade.
O Postal Saúde, dos funcionários dos Correios, era um dos maiores exemplos do que o governo considerava, à época, um abuso. A empresa pagava quase 94,4% do benefício até 2017, enquanto os empregados custeavam apenas 5,6% dos gastos. Não havia cobrança de mensalidade, e os empregados podiam incluir como dependentes até mesmo seus pais. Com esses benefícios, os Correios estimavam um déficit em seu balanço da ordem de R$ 3,92 bilhões – valor relacionado a despesas futuras para financiar o plano após a aposentadoria dos empregados.
Em 2018, as regras dos planos de saúde das estatais foram revistas. Entre as novas normas, ficou estabelecido que as empresas deveriam custear no máximo 50% dos gastos. Além disso, o custo com os planos foi limitado a 8% do custo da folha anual dos empregados. A inclusão dos dependentes foi limitada a cônjuges e filhos com até 24 anos – desde que estivesse cursando o ensino superior.
Com as mudanças, o passivo atuarial dos Correios com planos de saúde, que chegou a ser de R$ 5,92 bilhões em 2015, foi reduzido a R$ 3,92 bilhões, em 2018, e a R$ 270 milhões, em 2020.
Erika Kokay disse que o texto restabelece a capacidade de negociação entre empregados e estatais. “Os planos de saúde não podem ser açoitados, como agora estão sendo açoitados os empregados e empregadas, os servidores e servidoras que têm planos de autogestão.”
Apoio maciço
A sessão na Câmara que derrubou o limite de gastos com planos de saúde durou 16 minutos. A maioria dos partidos da base do governo (PL, PP, PSD, Republicanos, PROS, PTB, Avante, Patriota e PSC) orientou seus deputados a votarem a favor do projeto de autoria da oposição – que o apoiou em peso (PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB e Rede). PSDB, MDB, DEM, Podemos e Cidadania também recomendaram o “sim”. Só o Novo se manifestou contra o texto.
Já o PSL, que tem vários deputados bolsonaristas entre seus membros, liberou a bancada para votar como quisesse – enquanto Bia Kicis (DF) e Carlos Jordy (RJ) apoiaram o texto, Carla Zambelli (SP) e Eduardo Bolsonaro (SP) votaram “não”. Solidariedade e PV não orientaram. O governo orientou o voto “não”, mas foi praticamente ignorado.
Encontrou algum erro? Entre em contato
Relatório do Ministério da Economia vê baixo retorno de estatais para a União
Secretário fala em menor eficiência e maior custo das empresas públicas em relação às privadas; ano passado, estatais receberam R$ 19,4 bi em recursos do Tesouro, mas devolveram apenas R$ 5,4 bi para a União
Anne Warth - O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - As estatais federais receberam R$ 19,4 bilhões em recursos do Tesouro em 2020, mas pagaram apenas R$ 5,4 bilhões em dividendos para a União. Dados inéditos do Ministério da Economia, obtidos pelo Estadão/Broadcast, apontam que a participação dessas empresas no PIB foi de 5,3% em 2020, sendo a maior parte relacionada à Petrobrás e Eletrobrás, aos bancos públicos e a empresas ligadas à tecnologia da comunicação, como os Correios e a Telebrás.
Os indicadores fazem parte do Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais, do Ministério da Economia. Em sua segunda edição, o documento traz como novidade a contribuição das 46 estatais federais de controle direito no PIB, dado incluído por recomendação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE).
'Eficiência das estatais é muito baixa', disse Diogo Mac Cord sobre retorno das empresas para a União. Foto: Washington Costa/Ministério da Economia
Para o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Diogo Mac Cord, avaliar a contribuição das estatais para o PIB é, na verdade, observar o quanto essas empresas “travam” o desenvolvimento do País. “Importante entender que a forma de enxergar isso é a parcela do PIB que foi sequestrada por estatais e que não conseguimos desenvolver”, afirmou o secretário.
Segundo ele, a estimativa de perdas pela não realização de leilões de pré-sal quando a Petrobras não tinha recursos para disputá-los beira os US$ 200 bilhões. "Se tivéssemos feito as licitações e aberto a disputa para outras empresas, o cenário econômico seria outro."
Mac Cord explica que os indicadores das estatais, quando comparados aos do setor privado, mostram um baixo índice de eficiência associada a um alto custo para a União. Exemplo: isoladamente, o lucro líquido das estatais pode parecer alto, de R$ 60,6 bilhões, assim como o patrimônio líquido ajustado, de R$ 768,8 bilhões, e os ativos totais, de R$ 5,3 trilhões.
Mas quando se considera o retorno sobre o patrimônio do conjunto das estatais (relação entre o lucro e o patrimônio líquido médio), o indicador é de apenas 7%, e no retorno sobre os ativos (relação entre o lucro e o ativo total médio) o resultado é de 1% - ambos inferiores ao custo de oportunidade, considerando o custo de rolagem da dívida. "Isso mostra que, de fato, a eficiência das estatais é muito baixa", disse Mac Cord.
Salários
O levantamento traz ainda um perfil dos empregados das estatais. Hoje, são 460.195 empregados, dos quais 63% homens e 37% mulheres. Desse universo, 3,46% são de pessoas com deficiência. A maioria, formada por 251.711 funcionários, tem entre 31 e 45 anos. O tempo de serviço médio é de 14 anos.
Ao todo, as estatais gastaram R$ 96,6 bilhões em despesas com pessoal em 2020. A remuneração paga aos empregados varia conforme a empresa. Os honorários dos presidentes podem chegar a R$ 2,9 milhões por ano. Já os maiores salários médios são pagos na PPSA, estatal responsável por gerir os contratos de partilha oriundos de leilões do pré-sal, de R$ 34 mil. No BNDES, a remuneração média é de R$ 31 mil; na Petrobras, R$ 25 mil; na Codevasf, quase R$ 21 mil; na Finep, R$ 20 mil; e na Embrapa, R$ 20 mil também.
Plano de saúde
Os benefícios também são diferenciados conforme a estatal. O BNDES custeia 100% do plano de saúde de seus empregados, aposentados e dependentes. São 10.034 pessoas - 4.219 titulares e 5.815 dependentes - que custaram R$ 177,3 milhões no ano passado.
A Caixa, por sua vez, é responsável por 77% do plano de saúde dos empregados, cujo custo foi de 1,5 bilhão no ano passado. O universo de titulares e dependentes foi de 284.566 pessoas. No BB, que custeia 58% do plano de saúde, são 420.644 beneficiários, que custaram R$ 2 bilhões.
Os Correios pagam 68% do custo dos planos para 265.975 pessoas, um gasto de R$ 1,5 bilhão. A Eletrobras custeia 92% do plano dos 43.823 beneficiários e gastou R$ 399, milhões. A Petrobras, por sua vez, foi responsável por 73% do custo do plano de 276.815 beneficiários, e gastou R$ 2 bilhões no ano passado.
Previdência
O BNDES também se destaca no plano de previdência complementar. É a única estatal que ainda mantém um plano com benefício definido - ou seja, que precisa pagar um valor fixo mesmo que os rendimentos dos investimentos não alcancem a meta. Quando isso acontece, metade da contribuição é paga pelos beneficiários e a outra metade pela empresa. São 4.851 participantes, dos quais 2.535 ativos e 2.316 assistidos, com patrimônio de R$ 14,7 bilhões e déficit técnico acumulado de R$ 1,3 bilhão.
Até 2000, a legislação estabelecia paridade nas contribuições para empregados e estatais - ou seja, para cada R$ 1 aplicado pelo funcionário, a empresa aplicava o mesmo valor, sem limite para contribuição. Atualmente, o teto é de até 50%.
Nenhum comentário:
Postar um comentário