quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Dever de cuidar e direito de amar: da Lei 15.240 e suas alterações ao ECA

 

3 de novembro de 2025, 19h21

A Lei nº 15.240, sancionada em 28 de outubro de 2025, introduziu mudanças significativas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), definindo o abandono afetivo como ilícito civil sujeito à reparação por danos morais. A inovação legislativa amplia o alcance da responsabilidade parental, estabelecendo que os pais têm o dever não apenas de prover o sustento, a guarda e a educação dos filhos, mas de oferecer, de igual modo, assistência afetiva, de modo a assegurar uma convivência saudável e apoio emocional durante o desenvolvimento psicológico, moral e social dos menores.

Reprodução/TV Brasil

Com a alteração legal, o conceito de afetividade, antes reconhecido, predominantemente, apenas no campo moral e ético, passa a assumir um valor jurídico explícito, sedimentando o entendimento de que o afeto é um direito fundamental da pessoa em desenvolvimento. Portanto, essa mudança representa um avanço na materialização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e da proteção integral à criança e ao adolescente, prescritos no artigo 227 da Constituição.

Nesta linha, o parágrafo 2º do artigo 4º do ECA sofreu alteração para definir que os pais têm a obrigação de prestar assistência afetiva por meio do convívio ou mesmo de visitas regulares. O parágrafo 3º, por sua vez, define essa assistência como o conjunto de ações que envolvem: orientação nas principais escolhas profissionais, educacionais e culturais; solidariedade e apoio em momentos de sofrimento e a presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente. Ao discriminar essas diretrizes, a lei atribui objetividade à noção de afeto e admite que sua ausência seja examinada juridicamente.

O artigo 5º, de outro giro, ganhou novo parágrafo único, o qual configura ilícita e passível de reparação de danos a ação ou omissão que ofenda direito fundamental de criança ou adolescente, abarcando expressamente as situações de abandono afetivo. Assim, a omissão dos pais quanto ao dever de cuidado emocional deixa de ser apenas um déficit moral e passa a ser reconhecida como um dano jurídico indenizável.

Bem-estar integral

Outra mudança importante foi inserida no artigo 22 do ECA, que agora estabelece o dever dos pais de garantir o sustento, a guarda, a convivência, a assistência material e afetiva, além da educação dos filhos menores. A redação avigora a dimensão relacional da parentalidade e o compromisso com o bem-estar integral da criança. Já o atual artigo 56 inclui, entre as condutas que devem ser comunicadas às autoridades competentes, a negligência e o abandono afetivo, o que amplia a responsabilidade de escolas e instituições na identificação de situações que prejudiquem o desenvolvimento emocional do menor.

Spacca

Os artigos 58, 129 e 130, de igual modo, sofreram ajustes para harmonizar o novo texto do estatuto, o que abrange a reafirmação do respeito aos valores culturais e morais próprios do contexto social da criança e do adolescente, reforçando que a afetividade é parte do seu processo formativo. Ademais, restou pontuado que as medidas protetivas deverão observar os deveres parentais, incluindo a assistência afetiva, bem como a autorização conferida à autoridade judiciária de determinar o afastamento do responsável em casos de maus-tratos, negligência ou abuso afetivo.

Conclusão

Com essas alterações, o ordenamento jurídico brasileiro consolida a afetividade como um dever legal e reconhece que a ausência de cuidado emocional pode gerar prejuízos reais ao desenvolvimento da criança e do adolescente. Trata-se de uma evolução na concepção de responsabilidade civil, que passa a abranger não apenas o sustento material, mas também a presença, o vínculo e o acolhimento emocional. Com a positivação no ECA o abandono afetivo, além dos sociais e culturais, passa a ter impacto jurídico efetivo, uma vez que oferece base normativa para a reparação de danos morais decorrentes da omissão afetiva.

Ao reconhecer o abandono afetivo como ilícito civil, portanto, a Lei nº 15.240/2025 ratifica que amar, orientar e acompanhar não são gestos opcionais, mas deveres legais vinculados à dignidade humana, consolidando o entendimento de que a constituição de vínculos afetivos é parte essencial do exercício da paternidade e da maternidade responsáveis.

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