31 de maio de 2024, 21h18

Em 22 de março de 2024, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) aprovou a Resolução nº 377, regulamentando as medidas pré-processuais individuais ou coletivas no âmbito da Justiça do Trabalho concernentes às regras procedimentais que devem ser observadas quando da apresentação da reclamação pré-processual (RPP).

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Trata-se de uma importante novidade que foi criada com o escopo de aprimorar o sistema multiportas de acesso à Justiça brasileira, in casu, à Justiça do Trabalho, dentro do contexto mundial de desjudicialização, como estabelecido na Agenda 2030 da ONU, na Meta 9 do Conselho Nacional de Justiça e na Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, instituída pela Resolução 125 do CNJ de 29 de novembro de 2010.

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Desde logo, é importante ressaltar que a reclamação pré-processual (RPP) não constitui um processo judicial clássico, mas sim um pedido de prestação de serviços judiciários, modalidade de direito de petição, que rende ensejo a instauração de um procedimento de jurisdição voluntária de natureza administrativa-judicial na qual a Justiça do Trabalho oferece à sociedade o serviço de mediação judicial como meio de solução consensual de controvérsias.

A Lei 13.140/15 (Lei da Mediação) define a mediação como a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia. Logo, a Justiça do Trabalho, através dos Centros Judiciários de Métodos de Solução Consensual de Disputas (Cejusc/JT), não praticará atos decisórios no tocante a demanda que lhe é apresentada, mas atuará apenas no sentido de aproximar e de facilitar que as partes interessadas cheguem por si próprias a uma solução amistosa para a controvérsia.

Essa medida não é obrigatória e pode ser apresentada de forma escrita e fundamentada por qualquer das partes antes do ajuizamento da ação trabalhista, sem a necessidade de advogados, diretamente no Sistema Pje-JT (Processo Judicial Eletrônico da Justiça do Trabalho), que promoverá a distribuição da RPP para uma das Varas do Trabalho (ou a um desembargador relator no 2º grau de jurisdição, de acordo com a competência de cada um), que funcionará como juízo natural do caso.

Em seguida, o juízo da Vara do Trabalho (ou o relator) encaminhará a RPP ao Cejusc/JT a fim de que seja iniciada a mediação judicial por um dos servidores mediadores do órgão sob a coordenação de um magistrado do trabalho supervisor. A Resolução 377 do CSJT (e também a Resolução 288/21, artigo 12, II, do mesmo CSJT), entretanto, prevê uma exceção a essa regra, qual seja, caso uma das partes esteja sem advogado na mediação pré-processual, a condução dos trabalhos de mediação propriamente dita (realização de reuniões unilaterais ou bilaterais e audiências) deverá ser feita, obrigatoriamente,  por este magistrado supervisor do Cejusc/JT.

Se a mediação individual for exitosa a RPP será convertida na classe processual de Homologação de Transação Extrajudicial (HTE), caso em que o procedimento é convolado em processo judicial no próprio Cejusc/JT e receberá um provimento jurisdicional consistente em uma sentença judicial, nos termos do artigo 855-D, CLT (homologação de acordo extrajudicial, introduzido na CLT pela Lei 13.467/17), pondo fim a competência do Cejusc/JT.  A partir daí, caberá à Vara do Trabalho de origem a adoção de providências necessárias ao seu aperfeiçoamento e de eventual execução do título executivo judicial.

Já na hipótese de não haver acordo na audiência de mediação ou alguma das partes não comparecer à audiência, o magistrado do trabalho supervisor do Cejusc/JT determinará o arquivamento do feito e a devolução da RPP à Vara do Trabalho de origem para adoção de eventuais providências complementares. Há isenção de custas judiciais no procedimento de mediação, com ou sem acordo.

Como se trata de um procedimento de mediação, não há apresentação de defesa embora ambas as partes tenham o direito de manifestação, se assim desejarem. Na sistemática da RPP não há julgamento ou resolução do mérito pela Justiça do Trabalho, salvo no caso de acordo, como visto acima, cuja decisão homologatória é irrecorrível, ressalvadas as disposições legais em sentido contrário (parágrafo único, artigo 831, CLT – recurso do INSS como terceiro interessado).

No âmbito do Cejusc/JT, é vedada a prática de atos processuais de natureza executiva, expedição de precatório, de alvarás (salvo para liberação do FGTS e habilitação do seguro-desemprego, no caso de celebração de acordo) e habilitação de crédito em massa falida ou recuperação judicial, bem como não pode ser realizado qualquer ato processual ou procedimental que não seja relacionado à mediação das partes.

De outro lado, o magistrado do trabalho supervisor do Cejusc/JT pode praticar todos os atos procedimentais necessários a que a mediação avance podendo, por exemplo, conceder prazo para adequações, designar audiências, marcar reuniões com a parte ou com as partes em conjunto, além de arquivar a RPP caso verifique a inviabilidade do caso (exemplo de empresas que adotam a política institucional de não fazer acordo).

A Resolução 377/24 do CSJT prevê que no caso de RPP em sede de dissídio coletivo não será proferida sentença homologatória de transação, mas sim deverá ser firmado um Acordo Coletivo ou Convenção Coletiva de Trabalho, na forma do artigo 611 da CLT, e observados os procedimentos para validação do instrumento coletivo negociado.

Pontos polêmicos da RPP

O primeiro ponto polêmico que merece destaque diz respeito a impossibilidade de a sociedade civil participar do procedimento de mediação da Justiça do Trabalho, uma vez que só os servidores do judiciário e os magistrados do trabalho (juízes e desembargadores, da ativa ou inativos) podem participar do Cejusc/JT como mediadores.

Seria assaz importante para a efetividade e democratização do sistema de mediação judicial da Justiça do Trabalho que outras instituições isentas e renomadas pudessem contribuir, direta ou indiretamente, com o Cejusc/JT, como, por exemplo, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), as universidades, associações de classe, o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) etc.

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Na verdade, a rigor, não houve uma desjudicialização portanto as demandas continuam a transitar dentro do Poder Judiciário, embora com outra roupagem processual. Não basta a promoção de reuniões e eventos de divulgação com outras instituições, como prevê a Resolução 288 do CSJT, é necessário abrir as portas da mediação para uma interlocução institucional efetiva e concreta com toda a sociedade, onde todos possam se sentir parte e protagonistas desse processo de construção de meios de solução adequada de conflitos laborais na perspectiva da Justiça 4.0.

Outro ponto de debate refere-se à possibilidade de celebração de acordo (Homologação de Transação Extrajudicial – HTE) sem a presença de advogados, só com a participação do magistrado supervisor. O fato de as partes estarem desassistidas por advogados não é algo novo uma vez que desde sua criação a Justiça do Trabalho admite o jus postulandi (791 da CLT). Isso pode causar alguns constrangimentos processuais como no caso do juiz ter que orientar os interessados (ou a um deles) sobre seus direitos, o que é prerrogativa da advocacia e quebraria a imparcialidade do julgador.

Contudo, se a parte ou as partes assim decidiram seguir, deve ser respeitada a vontade de se valer de seu direito de postular em juízo por conta própria. Não é, claro, uma opção recomendável em razão dos diversos percalços que isso pode gerar para si, mas ninguém melhor do que a própria parte interessada para decidir sobre sua vida.

Também merece atenção a questão atinente a gravação das audiências de mediação, como está previsto no artigo 9º, inciso IV, da Resolução CSJT 288/21, que deu base a criação da Resolução CSJT 377/24. Esse procedimento de registro audiovisual das audiências de mediação pode violar os princípios da confidencialidade, da oralidade e da informalidade (artigo 2° da Lei da Mediação – Lei 13.140/15 – c/c artigo 166, §2º, CPC).

O que se passa nos procedimentos de mediação, as tratativas e afirmações das partes etc., em regra, fica e se encerra na mediação. Por isso, o magistrado que participa da audiência de mediação não pode julgar o processo das partes, caso o acordo não seja feito ou seja descumprido posteriormente. Do mesmo modo, os mediadores e os membros das equipes de mediação não podem divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da mediação.

Na RPP ocorre o mesmo. Todas as informações reveladas não podem ser utilizadas como meio de prova, confissão ou prova emprestada para fins de instrução em outro procedimento ou processo judicial, pois isso quebraria a  boa-fé e a confiança na mediação enquanto meio adequado de aproximação e de reconstrução do diálogo entre as partes.

Outro escólio diz respeito a concepção dos Cejusc/JTs como unidades judiciárias autônomas, embora vinculadas e subordinadas administrativamente aos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Disputas (Nupemec-JT), cujas decisões em geral são irrecorríveis, tanto nas RPP individuais como nas coletivas.

Entretanto, existem duas hipóteses em que as decisões podem ser questionadas (além daquela prevista no mencionado artigo 831, p.u., CLT). A primeira está prevista na própria Resolução CSJT nº 288/21 (artigo 2º, II), quando dispõe que as decisões proferidas pelo Cejusc-JT estão sujeitas a atuação correcional, ordinária e extraordinária, das respectivas Corregedorias da Justiça do Trabalho, nos âmbitos dos TRTs e do TST.

Com efeito, em tese, a parte que se julgar eventualmente prejudicada por uma decisão do magistrado do trabalho supervisor do Cejusc-JT pode apresentar uma reclamação correcional (correição parcial, pedido de providências etc.) à Corregedoria do respectivo Tribunal Regional do Trabalho ou à Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, conforme a referida decisão seja de primeiro grau ou de segundo grau,  objetivando a cassação de atos atentatórios à boa ordem processual/procedimental (Lei nº 14.824, de 20 de março de 2024).

A segunda hipótese que destacamos refere-se ao manejo processual do mandado de segurança diante de eventual decisão arbitrária e ilegal praticada pelo Cejusc-JT, que tenha violado direito líquido e certo da parte interessada. Nesses casos, deve-se aplicar a Súmula 414 do TST c/c a Lei 12.016/09, uma vez que prevalece nesse microssistema procedimental a regra da irrecorribilidade das decisões.

Seria o caso, por exemplo, de uma decisão do Cejusc-JT proibindo que a parte interessada se faça acompanhar do seu advogado em uma reunião (separada ou em conjunto com a outra parte) de mediação. Tal ato viola o direito líquido e certo de toda pessoa de se fazer representar por advogado, como corolário do direito fundamental de ampla defesa e contraditório.

O mesmo pode ocorrer diante de eventual normativa do Cejusc-JT no sentido de que sejam expedidas peças aos órgãos de controle (DRT, MPT etc.) uma vez verificada a presença de supostas irregularidades trabalhistas reconhecidas por uma ou por ambas as partes interessadas, o que violaria, como vimos acima, os princípios básicos da mediação e que constituem direitos subjetivos processuais dos interessados, salvo no caso de constatação de fato tipificado como crime.

Por último, mas não menos importante, cumpre obtemperar que se a parte estiver assistida por advogado e for celebrado acordo no âmbito do procedimento da RPP, haverá a incidência do disposto no artigo 791-A da CLT, isto é, serão devidos honorários advocatícios sucumbenciais (de 5% a 15%), uma vez que a sentença homologatória da transação firmada tem natureza jurídica de título executivo judicial.

Conclusão

A RPP inova os meios de acesso à Justiça do Trabalho em boa hora, quebrando as últimas moléculas de resistência a esse relevante meio de solução consensual de conflitos laborais. O sistema de justiça brasileiro é fortalecido e se mostra adaptativo e flexível às demandas da sociedade do século 21. As correções de rumos e os aperfeiçoamentos devem ser feitos paulatinamente na medida em que os problemas e os pontos polêmicos forem constatados.

  • é advogado, sócio e fundador do escritório Fernandes e Silva Advogados Associados, doutor, mestre e especialista em Direito, professor adjunto de Relações de Trabalho da Escola de Direito da FGV Direito Rio e da UFRRJ, presidente da Comissão de Direito Cooperativo do IAB, professor convidado e coordenador acadêmico de cursos internacionais realizados na Universidade de Coimbra.