“Vamos acrescentar mais um milhão de dólares à previsão deste ano”, disse nosso vice-presidente, entusiasmado. Em nossa reunião de equipe, ele se levantou e gritou: “Nós podemos fazer isso! Eu acredito em vocês! Vamos fazer isso!”, batendo palmas. Enquanto andava pela sala de conferências, ele alternava entre dar tapinhas nas costas dos integrantes da equipe e dar socos no ar.
Meu colega e eu trocamos olhares, incrédulos. O líder da nossa cadeia de abastecimento acabara de nos alertar que nosso produto mais recente estava vendendo mais rápido do que nossa capacidade de produção e que uma de nossas instalações não poderia mais produzir esse produto específico. Nosso vice-presidente sabia de tudo isso, mas nos forçou a acrescentar mais um milhão de dólares à previsão. Nenhuma quantidade de ilusões, vibrações positivas ou atitude positiva poderia nos ajudar a alcançar essa nova meta.
Este foi só mais um dos muitos exemplos de trabalho deste líder, que não era apenas otimista, estava tomado pela positividade tóxica.
Ser feliz e positivo no trabalho pode ser benéfico para colaboradores e organizações. Um extenso estudo realizado pela Saïd Business School mostrou que os colaboradores se tornam 13% mais produtivos quando estão felizes. De acordo com Shawn Achor, autor de The Happiness Advantage (A vantagem da felicidade, em tradução livre), a positividade no local de trabalho, baseada na gratidão e no apreço, pode levar a três vezes mais criatividade, 23% menos sintomas de fadiga e 37% mais vendas.
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E, por fim, a Better Up, uma das maiores startups de saúde mental e coaching, afirma que uma mentalidade positiva pode fortalecer as habilidades de liderança das pessoas, bem como aumentar a sua capacidade de resolução de problemas e de adaptação às mudanças. Mas o que acontece quando seu chefe usa a positividade como arma?
Repetidamente, ao longo da minha carreira, testemunhei líderes praticando positividade tóxica. Não importa quão ruim ou estressante seja a situação, ou quão difíceis sejam as circunstâncias, eles se convencem de que simplesmente agir de forma feliz ou pensar positivamente mudará o resultado – e então espalham essa positividade tóxica às suas equipes. Ao fazer isso, atribuem às pessoas a responsabilidade de tentar sobreviver e perseverar em ambientes desfeitos e disfuncionais, sem abordar as causas profundas em questão.
Como você pode distinguir entre um líder que é otimista, pensa positivamente, treina e inspira sua equipe e aquele que pratica positividade tóxica? A seguir, confira três sinais de alerta a observar.
Eles se cercam de pessoas que sempre dizem sim
“Não aceitaremos não como resposta”, sempre dizia um líder de vendas com quem trabalhei. “Não não é opção.” Ele também se cercava de pessoas que sempre dizem sim: pessoas que não desafiavam ou questionavam recomendações ou instruções que não faziam sentido. Durante o tempo que trabalhei com eles, essa equipe sempre prometia muito e entregava pouco. O líder de vendas contaminou sua equipe com positividade tóxica; eles acreditavam que tudo era possível, mesmo diante de obstáculos comerciais reais. Na verdade, eles estavam se blindando da realidade.
Nas raras ocasiões em que era desafiado, ele evocava analogias militares: “Alguns dos maiores generais nunca recuaram do campo de batalha. Vamos permanecer no campo.” Ao entregar essas mensagens repetitivas, ele era sempre positivo, sorridente e otimista, o que levava muitos a questionar se o comportamento dele era realmente prejudicial, já que ele não gritava ou berrava.
“Como líder, você precisa equilibrar otimismo com uma dose de realismo”, explica Sonali Pai, fundadora do Grapefruit Beauty Collective.
Ela continua:
Quero inspirar minha equipe a buscar mais do que pensávamos que poderíamos alcançar. E, ao mesmo tempo, se surgirem obstáculos reais no caminho, como uma remessa de um cliente retida na alfândega, ou se não produzimos inovação suficiente, ou se nosso talento está doente e não pode mais participar da sessão de fotos, banalidades positivas não serão úteis. Preciso estar presente com minha equipe, arregaçando as mangas e trabalhando junto para solucionar problemas e consertar essa situação.
Como diz Pai, um líder otimista terá equilíbrio entre pensamentos positivos e realistas. Ele estará disposto a ouvir a respeito daquilo que não está funcionando, a resolver problemas com a equipe e a dinamizar quando necessário. Ele aceitará um não como resposta e que o fracasso é uma opção. Depois que um líder aceita o fracasso, ele pode reavaliar o que fazer de diferente da próxima vez.
Eles fazem elogios demais
Um líder cheio de positividade tóxica pode usar elogios e bajulação como forma de manipulação. Ele pode apelar para a tendência de agradar as pessoas e o desejo de salvar o dia de alguém, lisonjeando-os para que façam o que gostariam que fosse feito – mesmo que concluir a tarefa em questão não seja realmente possível ou exija sacrifícios físicos ou emocionais.
Tenho observado que isso é especialmente preocupante em um mercado caracterizado por demissões, reduções de pessoal e cortes de orçamento. Os líderes frequentemente evitam tomar decisões difíceis sobre quais trabalhos devem ser interrompidos e quais precisam continuar, e podem encorajar as pessoas a fazerem mais com menos recursos. A positividade tóxica pode, à primeira vista, parecer um fator motivador, mas pode afetar o moral e a produtividade da equipe ao longo do tempo, especialmente se tudo parecer constantemente urgente.
Cuidado com frases como:
— “Você é a única pessoa que pode fazer isso. Você tem uma experiência incrível neste espaço. Eu simplesmente não posso tirar você deste projeto.”
— “Eu sei que hoje temos a metade dos integrantes nesta equipe que tínhamos antes, e você é forte o suficiente para lidar com essa carga de trabalho. Eu acredito em você!
— “Você é uma supermulher! Estou muito impressionado com a quantidade de coisas que você gerencia e equilibra. Não sei como você faz tudo isso, e temos muita sorte de ter você nesta equipe cuidando desse problema urgente do cliente.”
— “Nunca conheci ninguém que pensasse tão rápido como você! Não estou nem um pouco preocupado com este lançamento sob sua liderança.”
— “Eu sei que você pode entregar isso em duas semanas com um pouco mais de esforço e perseverança. Você resolverá os desafios; você sempre consegue. Você nunca decepcionou a mim ou à equipe!
Embora essas frases pareçam inócuas ou mesmo elogiosas por si só, os líderes podem usar esse tipo de feedback positivo como arma para manipular os integrantes de sua equipe para que assumam trabalhos impossíveis. Um líder que realmente treina e orienta sua equipe dará feedback “sempre ativo”, compartilhando pontos fortes e áreas de melhoria de forma consistente.
Eles esperam que as pessoas sejam felizes – não importa as circunstâncias.
“Por que você não está sorrindo? O que aconteceu? Não se preocupe, seja feliz! um ex-chefe costumava me dizer, apontando para sua boca e fazendo um gesto com a mão para que eu sorrisse.
E, quando recebia esse feedback, na maioria das vezes nada de fato acontecia. Eu permanecia em minha mesa, concentrado e trabalhando diligentemente. Mas ele queria que sua equipe sorrisse e projetasse felicidade em todos os momentos, independentemente das circunstâncias.
“Não podemos esperar que nossas equipes demonstrem felicidade no trabalho sob demanda, 24 horas por dia, 7 dias por semana, apenas para nos sentirmos melhor conosco mesmos e com nossas capacidades de liderança”, diz Lan Phan, autor de Do this Daily e fundador da organização de desenvolvimento de liderança “community of SEVEN” (comunidade dos SETE). “Ao pedir aos integrantes da equipe que simplesmente sorriam mais, podemos estar descartando ou invalidando emoções ou reações negativas que estão vivenciando no trabalho ou em casa”, acrescentou.
Em tempos econômicos incertos, os colaboradores podem se sentir desmotivados por demissões, congelamento de contratações, reestruturações, cortes de custos, demissões e metas de receitas não cumpridas. Eles também podem se sentir sobrecarregados pelos custos crescentes dos cuidados infantis, pelos desastres naturais que afetam suas comunidades, pela necessidade de cuidar de um familiar idoso, pelas guerras em todo o mundo e pelas próximas eleições presidenciais nos EUA. Não é razoável que líderes esperem que colaboradores sempre pratiquem a gratidão e estejam alegres no trabalho.
Phan afirma que a pressão para os colaboradores manterem uma expressão feliz e esconderem seus verdadeiros sentimentos pode resultar em esgotamento. “Eles também podem temer ser rotulados como agitadores, criadores de problemas ou detratores ao compartilharem seus verdadeiros sentimentos ou preocupações, então, eles enterram seus sentimentos e, ao mesmo tempo, sentem que estão decepcionando muitas pessoas no trabalho”, analisou.
Bons líderes validam os sentimentos dos integrantes da equipe, em vez de praticarem positividade tóxica. Eles evitam frases como “Poderia ser pior”, “Tudo acontece por uma razão” e “veja o lado positivo”. Em vez disso, ouvem ativamente e oferecem ajuda e apoio. Por exemplo: “Lamento que isso esteja acontecendo. Como posso ajudá-lo hoje? Há algo que eu possa fazer por você no trabalho para ajudar a apoiá-lo?”
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Pode ser difícil se defender se você estiver trabalhando para um chefe que pratica positividade tóxica, pois ele pode não querer aceitar o que você está compartilhando. Comece a estabelecer limites para si mesmo e busque o apoio de outros colegas. Compare as metas que seu chefe está estabelecendo com as restrições comerciais atuais para que você possa ser realista consigo mesmo sobre o que pode ou não fazer – apesar do que lhe digam – e evite o esgotamento. E, por fim, considere trabalhar para um líder que pratica a positividade tóxica como uma importante lição sobre como ser otimista sem perder o contato com a realidade.
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Mita Mallick é autora de Reimagine Inclusion, um best-seller do Wall Street Journal e do USA Today. Atualmente é chefe de Diversidade, Igualdade e Inclusão na Carta. Ela é uma das principais vozes do LinkedIn, coapresentadora do podcast The Brown Table Talk, e seus trabalhos foram publicados na Fast Company, The New York Post e no Adweek.
HBR: ©.2024 Harvard Business School Publishing Corp./Distribuído por The New York Times Licensing
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