segunda-feira, 27 de agosto de 2018

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 que o PCC seja lido como uma ‘irmandade secreta’ André Cabette Fábio 25 Ago 2018 (atualizado 25/Ago 21h27) Autor do livro 'Irmãos: uma história do PCC', Gabriel Feltran afirma que ler o grupo como uma empresa pode levar à interpretação equivocada de que suprimir certos negócios ou controlar certos territórios o desmantelaria FOTO: REUTERS CARCERAGEM DE DELEGACIA EM SÃO PAULO, EM 1997   Nas últimas semanas, o Nexo vem conduzindo uma série de entrevistas para compreender o acirramento da violência entre facções criminosas no Brasil que, de acordo com alguns pesquisadores, contribuiu para o recorde de 63.880 homicídios registrado em 2017. Um marco da escalada da violência foi o rompimento entre PCC (Primeiro Comando da Capital, originado em São Paulo) e CV (Comando Vermelho, originado no Rio) em 2016. As facções mantinham, havia décadas, um pacto de não agressão nas cenas criminais e nos presídios que ocupam no país. O rompimento levou a assassinatos não só entre os grupos, mas também entre facções com os quais mantêm alianças, como Família do Norte e Guardiões do Estado. A primeira entrevistada foi a socióloga Karina Biondi, professora da Universidade Estadual do Maranhão e autora do livro “Proibido roubar na quebrada: território, hierarquia e lei no PCC”. Resultado de sua tese de doutorado pela Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), a obra foi lançada em julho de 2018 pela editora Terceiro Nome. Biondi descreve a atuação do PCC principalmente fora das cadeias, em “quebradas” da periferia de São Paulo, a partir de uma perspectiva etnográfica. Ela cita uma série de exemplos práticos das formas de atuação do PCC que permitem vislumbrar como a facção se articula e exerce seu poder cotidianamente. A autora enfatiza o papel do grupo em implementar um método de tomada de decisões e gestão de conflitos que enreda não apenas criminosos, mas também parte da população das periferias de cidades paulistas. A segunda entrevista foi com o pesquisador Bruno Paes Manso e a socióloga Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC. Ambos são membros do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo e autores do livro “A Guerra - Ascensão do PCC e o Mundo do Crime no Brasil”, publicado em agosto de 2018 (editora Todavia). A obra retrata os bastidores da facção desde a década de 1990 até seu fortalecimento mais recente sobre o comércio ilegal de drogas na fronteira do Paraguai em 2016 e os conflitos prisionais que marcaram 2017. Descreve também os bastidores das reações oficiais a ela – marcadas pela relutância, durante anos, em admitir sua existência. Nunes e Manso afirmam que a adesão do mundo do crime paulista ao PCC serviu ao propósito de se contrapor aos abusos do Estado e lidar com as condições precárias dos presídios, assim como regular a violência entre os próprios criminosos. “O massacre do Carandiru, em 1992, foi a motivação derradeira para canalizar os esforços na mesma direção e conferir ao mundo do crime um governo paralelo capaz de proteger os criminosos.” Agora, o Nexo entrevista Gabriel Feltran, professor do departamento de sociologia da Ufscar, diretor do Centro de Estudos da Metrópole, da USP, e autor de “Irmãos: Uma história do PCC”, lançado em agosto de 2018 pela Companhia das Letras. Na obra, Feltran afirma que “o debate sobre o PCC tomou conta dos jornais, e é preciso qualificá-lo”, e critica as analogias usadas mais frequentemente para descrever a facção. Em especial a que a compara a uma empresa, que pressupõe um tipo de hierarquia, unicidade e ênfase no lucro que, na interpretação do autor, não corresponde à realidade do grupo. Segundo Feltran, apesar de seus membros tocarem negócios no mundo do crime, isso é feito de forma autônoma. Eles podem se beneficiar da rede de contatos que a facção proporciona, eventualmente obtendo acesso a apoio e recursos de “irmãos”, mas de forma horizontal, sem se reportar a uma liderança específica, compondo uma rede de empresários criminais. “Não há, no PCC, uma porcentagem do lucro, ou dos negócios, a dividir com a fraternidade”, escreve. Há contribuições em dinheiro dos membros à facção, chamada de “cebola”, mas ela não deve ser lida como o lucro de uma empresa. “O caixa da ‘cebola’ é usado para financiar visitas de mães e esposas às cadeias, compra de equipamentos muito específicos e atividades de uso comum.” Feltran avalia que, na perspectiva de seus membros, os fins do PCC não são o lucro, mas sim “a paz entre os ladrões, a justiça social, a liberdade para os presos, a igualdade entre os irmãos e a união do mundo do crime”. O pesquisador propõe que a facção seja encarada como uma “fraternidade secreta”, como a maçonaria, porém criminal, em que seus membros se utilizam do sigilo como forma de se fortalecer. “Uma irmandade como o PCC, dessa forma, estabiliza as relações mercantis entre empresários criminais, oferecendo-lhes algo não mercantil: a confiança e a segurança.” Ele afirma que adotar a leitura do PCC como uma empresa leva à interpretação equivocada de que a supressão de determinados negócios ou o controle sobre determinados territórios resultaria em seu desmantelamento. Quando na verdade os negócios são individualizados, e sua articulação e poder, desterritorializada. Leia abaixo a entrevista com Gabriel Feltran. Quais fontes você utilizou para estudar o PCC? GABRIEL FELTRAN Eu sou um pesquisador de campo e estudo as periferias de São Paulo desde 1998. Acompanho trajetórias de pessoas, famílias e organizações dali, bem como o que se diz sobre eles. Não me interessa apenas o mundo do crime, mas também as transformações no trabalho, na religião, na migração, na família, nas questões raciais e de gênero, na música, nas gerações, no modo de pensar a política e assim por diante. O crime está inscrito na vida social das periferias. Cada dia de pesquisa traz novas peças para o quebra-cabeças que o pesquisador vai montando com o tempo. Foram 20 anos para montar a interpretação sobre o PCC que está no livro. Como se aproximou de seus interlocutores? Teve dificuldades? GABRIEL FELTRAN Fazendo pesquisa nos mesmos territórios por muitos anos, a aproximação com as pessoas é pela confiança que se estabelece ao longo do tempo. Como em qualquer relação, algumas pessoas se tornam próximas e outras se distanciam com o tempo. Em alguns casos os encontros são rápidos, noutros duradouros. Sempre me perguntam isso, mas nunca me senti em risco no meu trabalho de campo em São Paulo. Sempre fui tratado com respeito pelos meus interlocutores, trabalhadores ou bandidos, e procurei retribuir esse respeito nas atitudes do dia a dia. A principal dificuldade que um etnógrafo enfrenta é ele mesmo. Tentar desnaturalizar a quantidade imensa de preconceitos que nos desviam da compreensão. A gente nunca os vence totalmente, mas segue tentando e no final algo se salva. No livro você critica as metáforas usadas mais frequentemente para descrever o PCC. Pode destacar algumas, além de suas falhas? GABRIEL FELTRAN Geralmente se diz que o PCC atua como uma empresa, porque evidentemente o universo criminal tem muito dinheiro, movimenta os mercados. Outras vezes, a facção é figurada como um comando militar, que dominaria pela força cadeias e periferias. Outras facções podem ser assim, mas compreende-se muito pouco do PCC com essas duas metáforas. O PCC é uma fraternidade do crime, de muitos ladrões e traficantes, portanto de muitos empresários criminais. Agora pensemos em outras fraternidades, como a maçonaria. Alguém que é maçom e dono de uma empresa não é dono da maçonaria; a fraternidade não vira uma empresa porque um de seus irmãos é empresário. Há também militares que são maçons, e que fazem operações de guerra se necessário. Mas a maçonaria não se torna um comando militar por isso. Assim também no PCC. Pensar o grupo e lidar com ele a partir dessas metáforas traz problemas práticos? Quais? GABRIEL FELTRAN Sem dúvida, inúmeros problemas práticos. A começar pela nossa incapacidade de perceber que o que julgamos ser uma política de segurança é, dada essa estrutura faccional e não outra, um facilitador da expansão do PCC. Tratam todas as facções como se fossem as mesmas, mas elas não são. Gastam-se fortunas para fazer mais cadeias e sustentar centenas de milhares de pessoas lá dentro, pagando para elas se profissionalizarem no crime. Não se compreende que o ato de prender, transferir ou soltar uma “liderança” não faz nem cócegas na estrutura do PCC, que só cresce com essas políticas. Movimentam-se recursos fantásticos com consultorias e novos desenhos de políticas repressivas, que desconhecem o funcionamento dos mercados ilegais. Imagina-se que desmantelar uma empresa criminal ou dominar com armas um território é desmantelar a facção. Politicamente, desses equívocos ressurge o populismo penal. Juridicamente, aposta-se em aumentar penas. Sem compreender o que acontece, é muito difícil acertar na intervenção. Por que você defende a leitura do grupo como fraternidade secreta? Essa leitura tem limitações? GABRIEL FELTRAN Porque é assim que ele se mostrou para mim nesses anos de pesquisa. Os dados de que disponho apenas reforçam esse argumento do livro. A demonstração desse argumento está em cada capítulo e nos debates que tenho tido com outros pesquisadores, a ideia parece se sustentar. Enquanto ela nos ajuda a compreender, ficamos com ela. A função da pesquisa social é auxiliar essa compreensão do mundo. Como você descreveria o poder que o PCC exerce dentro e fora das cadeias? GABRIEL FELTRAN O PCC tem a intenção de regular as condutas dos seus integrantes para fortalecê-los. Assim, regula os modos de operar no tráfico de drogas e armas, nos assaltos, no ramo de veículos e cargas roubadas etc. Ao mesmo tempo, a facção tenta monopolizar o uso da força onde for possível, legitimando-a como a busca pelo que é “o certo”, mesmo que na vida errada. Em troca, oferece proteção, regula homicídios nas periferias, oferece uma forma de justiça popular informal e uma série de recursos aos seus integrantes. As alianças internas aos irmãos e seus companheiros – integrantes do crime não batizados na facção, mas que “correm com o Comando” – estão na base do poder que eles demonstram para fora. Poder que se manifesta na guerra às forças de oposição (policiais, facções rivais e todos os que “fecham com o errado” na visão da facção), expandindo-se tanto nesses 25 anos. No seu livro, você fala de um processo de horizontalização do poder dentro do PCC. Como isso aconteceu? GABRIEL FELTRAN Falo de uma mudança no modo do PCC se organizar internamente, em 2002, muito conhecida nos estudos sobre o tema. Houve uma guerra interna entre ladrões que terminou com muitos mortos e uma espécie de revolução interna. A partir dali, recusou-se frontalmente a estrutura piramidal [em que lideranças concentram poder] e a aposta foi atuar como uma fraternidade secreta, na qual uma parte não sabe o que a outra faz, mas ambas defendem os mesmos princípios – o progresso dos irmãos pelo crime, a busca por alianças entre bandidos na guerra contra as polícias e assim por diante. Essa passagem é fundamental para a expansão do PCC, porque em vez de conquistar territórios militarmente, foi preciso apenas incorporar irmãos de diferentes regiões à estrutura faccional. Porque em vez de subjugá-los para que se tornassem empregados ou subordinados dos “líderes”, a estrutura permitia fortalecê-los para que se tornassem irmãos, fortalecendo também a facção. A distribuição atual do poder é muito diferente de outras facções? De que forma? GABRIEL FELTRAN Eu não conheço outra que se organize dessa forma, e acho que isso explica por que o PCC cresceu tão mais rapidamente que as demais. Se todas aproveitaram a pujança dos mercados ilegais na América Latina, a partir da internacionalização da economia da cocaína nos anos 1980, se todas se aproveitaram dos equívocos dos nossos modelos gerais de segurança, que punem os funcionários pobres dessas economias, foi a estrutura do PCC o que fez a diferença em sua expansão pelo país e para o exterior. Você enxerga um acirramento da disputa do PCC com outros grupos nos últimos anos? GABRIEL FELTRAN Claro, em praticamente todos os estados da federação há guerras entre facções, mais ou menos intensas. Cada lugar é um lugar e tem seus momentos críticos, de virada. É evidente, entretanto, que desde agosto de 2016, quando anunciou-se uma ruptura entre o Comando Vermelho e o PCC, que conviviam em harmonia havia 23 anos, essas guerras se tornaram mais sangrentas. Os massacres nas cadeias e periferias de norte do país, as revoltas em Minas Gerais, a explosão de homicídios em Fortaleza e o fortalecimento da presença do PCC nas fronteiras, portos e aeroportos são, igualmente, questões muito relevantes para compreender a facção

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