terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Fundação CASA, Relatórios mostram mudanças bruscas de avaliação de internos

Jornal GGN - Relatórios da Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente), instituição responsável pela internação de menores infratores no Estado de São Paulo, revelam mudanças bruscas nas avaliações de jovens presos.
Em um dos relatórios, um adolescente é classificado como “empático” quando foi liberado, e um mês depois, como “imaturo”. De acordo com servidores da instituição, este e outros exemplos mostram como são feitos os relatórios na Fundação. Para o procurador Justiça aposentado Munir Cury, um dos autores do Estatuto da Criança e do Adolescente, tais mudanças bruscas nas avaliações indicam problemas nos laudos. "Esses relatórios que se reproduzem me fazem ver que é uma criação de vagas".
Da Folha
Relatórios da Fundação Casa mostram mudanças bruscas de avaliação de jovens apreendidos
Para autor do ECA, essas variações indicam falhas nos laudos e uma corrida para a abertura de vagas nas unidades
REYNALDO TUROLLO JR
Na Fundação Casa, a antiga Febem de São Paulo, um mesmo jovem infrator é avaliado como "autocrítico" e "empático" na hora de ser liberado e como "imaturo" e "sem autocrítica" quando volta ao crime, com apenas um mês nas ruas.
Esse adolescente, novamente internado, "recupera" a "autocrítica" e a "empatia" em sete meses na fundação e é solto. Mas, dois meses mais tarde, perde-­as, "não reconhece seus erros", volta a infringir a lei e regressa, pela terceira vez, à instituição.
Isso é o que mostram relatórios psicossociais da Fundação Casa, imprescindíveis para embasar decisões judiciais sobre adolescentes.
A Folha teve acesso a relatórios de entrada e de saída de oito jovens do Estado.
Segundo servidores da instituição ouvidos sob a condição de anonimato, esses casos exemplificam como é feita boa parte dos relatórios, independentemente do tipo de crime praticado pelo menor.
Em um desses casos, um jovem autor de roubos de carro, após descrições de experiências positivas na fundação, tem o nome trocado no relatório – o que sugere que o trecho (que indica à Justiça a soltura dele) pode ter sido copiado e colado de outro caso.
A Justiça o liberou. Em dois meses, ele reincidiu e voltou.
Como prevê o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), os relatórios têm papel central no sistema socioeducativo, servindo, na maioria das vezes, como a principal ou a única base dos juízes.
São documentos assinados por profissionais da Fundação Casa das áreas de psicologia, serviço social, pedagogia, saúde e segurança.
Na entrada no sistema, o relatório é feito por uma equipe da unidade de internação provisória, onde o jovem aguarda a sentença que o internará ou não, com base nesse documento. Na saída, o relatório é feito na unidade onde foi cumprida a internação.
Mesmo sendo equipes distintas, em tese, elas deveriam observar aspectos semelhantes, para evitar disparidades.
VAGAS E VIOLÊNCIA
Para Munir Cury, procurador de Justiça aposentado e um dos autores do ECA, variações bruscas, em tão pouco tempo, indicam que há problemas nesses laudos. "Esses relatórios que se reproduzem me fazem ver que é uma criação de vagas", diz.
Em fevereiro, em um ofício, a fundação afirmou enfrentar "uma crise sem precedentes" de superlotação. "Quando um adolescente é liberado, ele deveria ser acompanhado como egresso, e a Fundação Casa não o faz."
São raros, por exemplo, os casos em que o egresso vai para a semiliberdade (sai de dia, dorme na fundação à noite), como prevê o ECA. Nos relatórios obtidos pela Folha, a Fundação Casa indica a passagem direto para a liberdade assistida (quando o jovem tem encontros periódicos com um orientador), "pulando" a semiliberdade.
Semiliberdade é responsabilidade do Estado. Já a liberdade assistida, da prefeitura.
Em outro caso analisado, um menor reincidente em tráfico, internado em uma unidade da região metropolitana de São Paulo, obteve o relatório de liberação após tornar­se alvo de violência.
À reportagem a mãe dele afirmou que a diretora da unidade ofereceu-­lhe "ajuda" durante sua internação, desde que ele contasse o que os colegas faziam de errado.
Com fama de dedo­-duro, o jovem apanhava dos outros internos diariamente. A violência ficou tão insustentável que, em cinco meses, ele foi liberado com um relatório que atestava sua "evolução".
"Em vez de voltar de lá redimido, ele voltou revoltado", diz a mãe. Os registros corroboram a versão dela.
Como a Folha mostrou em maio, com base em levantamento do Ministério Público, o tempo médio de internação na capital é de sete meses. O máximo permitido pelo ECA é três anos. De uma amostra de 88 autores de homicídio qualificado, latrocínio e estupro (equivalentes a crimes hediondos), 76 obtiveram o relatório indicando sua liberação antes de dois anos.
Entre eles estava o adolescente que matou Victor Hugo Deppman, 19, num assalto na porta de seu prédio, na zona leste, em abril de 2013.
Apesar de esse infrator ter sido bem avaliado e solto 13 meses antes do prazo máximo, foi na esteira desse caso que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) levou ao Congresso a proposta de aumentar para oito anos o tempo máximo de internação

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