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Bauru tem, atualmente, 127 adolescentes cumprindo medida socioeducativa na Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Casa) e cerca de 70% deles foram condenados por tráfico de drogas. Trata-se de um índice muito acima da média do Estado, que não passa de 40%, e do Brasil, que é, segundo o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), de cerca de 20%.
Em contrapartida, a taxa de reincidência na cidade é de 9,5 % atualmente, com 12 internos cumprindo medida socioeducativa na instituição por mais de uma vez, enquanto o índice estadual é de quase 22%. "Claro que pretendemos diminuir esta taxa média do Estado e aumentar nossa taxa de sucesso, que é de quase 80%. Ela já é boa hoje em dia", analisa Cláudia Carletto, presidente da Fundação Casa, em entrevista concedida ao Jornal da Cidade em sua primeira visita a Bauru no cargo, assumido no início de maio.
Diretor regional da instituição, Oswaldo Junior avalia que o alto percentual de adolescentes apreendidos por tráfico reflete o alto grau de vulnerabilidade socioeconômica e familiar em que estão inseridos. "Por isso, muitas vezes, acabam sendo cooptados pelo tráfico. No período em que eles permanecem na fundação, buscamos suprir a defasagem escolar e oferecer cursos de qualificação profissional, dando oportunidade para que possam deixar o meio delitivo", frisa.
Após tráfico, a infração mais comum é o roubo, cometido por 20% dos apreendidos em Bauru. Já em âmbito estadual, 35% dos internos roubaram e, no País, o índice sobe para 73%.
Para o juiz da Vara da Infância e da Juventude, Ubirajara Maintinguer, um complexo cenário, incluindo o fechamento de unidades de semiliberdade na região, pode ajudar a explicar a particularidade de Bauru. Ele explica que adolescentes só cumprem medida socioeducativa por tráfico se cometerem o crime de forma reiterada.
PERFIL
Além disso, precisam apresentar "condições pessoais desfavoráveis" que indiquem estarem estruturados no mundo do crime, como a prática de tráfico interestadual, serem flagrados com grande quantidade de drogas, não trabalharem, não estudarem, não viverem com a família e já terem sido apreendidos anteriormente. Trata-se de um perfil que, em tese, tem maiores chances de reincidir.
Maintinguer destaca que, quando estas condições não se configuram, o adolescente, quando primário, recebe o perdão condicionado da Justiça e cumpre, geralmente, medida em liberdade assistida, com acompanhamento por seis meses. "Quando não cumpre o combinado, ele é condenado e internado. Ao término da internação, se está indo bem, pode progredir para a semiliberdade ou liberdade assistida ou obter a extinção da internação. Mas, se reiterar no ato infracional no curso da liberdade assistida, irá para a semiliberdade e, se fugir da semiliberdade, instaura-se um processo que, normalmente, resulta no retorno à fundação", detalha.
Esta dinâmica e o fato de Bauru abrigar adolescentes em semiliberdade de toda a região, visto que as unidades de Marília e Presidente Prudente foram fechadas, ajudam, segundo Maintinguer, a explicar a proporção de apreendidos por tráfico bem acima da média estadual e nacional. "Recebemos adolescentes de Assis, Marília, Echaporã, Palmital, Jaú. Muitos voltam às suas cidades de origem em um final de semana e não retornam à unidade, porque a família não tem condições financeiras para ficar viajando a Bauru para visitá-los. O número de regressões de adolescentes em semiliberdade explodiu no município", frisa.
ESTRUTURA
Atualmente, Bauru conta com três unidades da Fundação Casa. Em um mesmo endereço no Núcleo Geisel, fica a Casa Nelson Mandela, com 50 vagas destinadas à internação de réus primários (são 43 atualmente), e a Casa Bauru, onde há 75 vagas para reincidentes e internação provisória de adolescentes apreendidos que aguardam, em uma ala separada, o julgamento de seus processos.
Neste segundo setor, há 64 internos. Em outro endereço, no Jardim Bela Vista, ficam as 25 vagas para (20) adolescentes em semiliberdade. Das 150 vagas, 127 estão preenchidas, o correspondente a 85% de ocupação, um pouco acima da média do Estado, de 75%. Segundo Cláudia Carletto, há redução no ingresso de adolescentes na instituiçao em todo o País, cuja causa ainda é incerta.
Uma das suposições, contudo, é a existência de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que autoriza juízes a não encaminharem adolescentes para internação diante da superlotação das unidades em alguns estados. Em meio a este cenário, o governo do Estado conduz estudos sobre uma parceria público-privada assumir a administração da fundação.
REINSERÇÃO
A Fundação Casa e a Prefeitura de Bauru formalizaram recentemente parceria para implantação do programa "Novos tempos", cujo objetivo é oferecer oportunidades e acompanhar os adolescentes durante seis meses após o fim da medida em internação, reduzindo, assim, as chances de reincidência infracional. "Vamos dialogar com o município e ver quais opções ele pode oferecer em Saúde, Educação, Esporte, Assistência Social no ato da saída do adolescente, para ele romper definitivamente com o meio delitivo", pondera Oswaldo Junior.
Cláudia Carletto acrescenta que, como muitos adolescentes têm defasagem escolar, o programa, antes voltado à empregabilidade, está sendo remodelado para abranger outras áreas. Ela pontua que, além da parceria com a prefeitura, o sucesso da iniciativa em Bauru também dependerá do envolvimento da sociedade, incluindo a iniciativa privada, com oportunidades de emprego e bolsas de estudo, entre outros.
"Até hoje, entram na fundação adolescentes analfabetos absolutos, que não sabem reconhecer números. Muitos têm contato com dentista e psicólogo pela primeira vez na vida dentro da instituição. Dado o perfil socioeconômico desses adolescentes, que é de vulnerabilidade, de falta de oportunidades, é necessário envolvimento de todos para garantir que não voltem a se envolver em atos criminais, o que traria um impacto positivo para a sociedade", completa.