segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

O ano dos repetitivos no TST e o que muda no Direito do Trabalho


20 de dezembro de 2025, 9h18

Quando olharmos para 2025 em perspectiva, é provável que ele seja lembrado como o ano em que o sistema de precedentes, via recursos repetitivos, deixou de ser um experimento tímido e se tornou o eixo estruturante da Justiça do Trabalho.

Spacca

Não se trata de mera evolução quantitativa. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) passou a usar de maneira sistemática os incidentes de recursos repetitivos (IRR) para consolidar teses vinculantes em escala, redefinindo o contencioso trabalhista e alterando o horizonte de previsibilidade para empresas, trabalhadores e sindicatos.

Guinada institucional: TST como corte de precedentes

Em 2025, o TST deu um salto na consolidação do seu papel como corte de precedentes. Vejamos:

Em fevereiro e março, o Pleno julgou diversos incidentes repetitivos e, em seguida, publicou a redação final de 21 novas teses de recursos repetitivos (IRR), todas em reafirmação de teses já consolidadas.
Em março, foram fixadas 18 novas teses vinculantes, também em IRR, com impacto direto sobre temas de rotina como multa do artigo 477 da CLT, suspeição de testemunha e outros pontos processuais e contrato de trabalho.
Em abril, o Pleno, em sessão realizada sob as novas regras do Regimento Interno (Emenda Regimental 7/2024), estabeleceu 12 novas teses em recursos repetitivos, usando de forma intensiva o Plenário Eletrônico para acelerar a definição de precedentes.
Em maio, sucessivas sessões resultaram em blocos adicionais de teses vinculantes (1719 e outras séries), num movimento explicitamente voltado à uniformização e à redução da litigiosidade.
Em agosto, veio o gesto mais emblemático: o TST estabeleceu 69 novas teses vinculantes, elevando para cerca de 302 o total de teses obrigatórias a serem observadas em toda a Justiça do Trabalho.

Ao mesmo tempo, o tribunal lançou página específica e atualizada para consulta aos recursos repetitivos e precedentes vinculantes, reforçando a mensagem institucional: aplicar precedentes deixou de ser opção e passou a ser método.

Em paralelo, o Pleno afetou novos temas para julgamento sob a sistemática repetitiva – foram ao menos dez novas controvérsias em IRR aprovadas em junho de 2025, elevando o patamar de 215 temas afetados até meados do ano.

É por isso que se pode dizer, sem exagero, que 2025 marca a virada institucional: o TST se consolida como corte de precedentes, e não apenas como instância recursal de correção de decisões.

Teses em série: da ‘reafirmação de jurisprudência’ à ocupação de lacunas

Outro traço relevante de 2025 foi o uso estratégico de repetitivos para reafirmar jurisprudência já estável, transformando entendimentos consolidados em teses formalmente vinculantes.

Vários IRRs julgados em 2025 não inauguraram uma nova orientação, apenas cristalizaram o que Turmas e a SDI-1 já vinham decidindo de forma convergente.

Isso vale, por exemplo, para temas ligados à multa do artigo 477, suspeição de testemunha, critérios de periculosidade, vale-transporte e regras de aviso-prévio, entre outros, agora expressamente positivados em teses vinculantes.

Ao mesmo tempo, houve repetitivos voltados a resolver zonas cinzentas da jurisprudência, em matérias nas quais conflitos decisórios entre Turmas e TRTs eram marcantes. Um exemplo simbólico é o da jornada de seis horas para operadores de telemarketing.

Nova fronteira: negociação coletiva, jornada e turnos ininterruptos

Em 2025, o TST também avançou sobre questões sensíveis ligadas à autonomia coletiva, sempre sob a lógica dos repetitivos.

Dois movimentos se destacam:

1. Normas coletivas que afastam controle de jornada

Em setembro, o tribunal abriu edital em Incidente de Recursos Repetitivos para discutir a validade de cláusulas coletivas que afastam o controle de jornada, especialmente em regimes em que o empregado, na prática, segue submetido a metas e supervisão. A controvérsia, afeta ao IRR 0011672-65.2022.5.15.0042, busca definir se tais cláusulas violam a proteção da jornada ou se devem ser preservadas em prestígio ao negociado.

2. Turnos ininterruptos de revezamento e horas extras habituais

Em agosto, o TST abriu novo repetitivo para decidir se a prestação habitual de horas extras invalida ou não norma coletiva que prevê jornada de oito horas em turnos ininterruptos. O caso, envolvendo mineração, tem potencial de repercutir em diversos setores intensivos em turnos – energia, indústria pesada, transporte e logística.

Esses incidentes mostram um tribunal disposto a desenhar, em teses vinculantes, o perímetro da negociação coletiva, especialmente em temas de jornada, saúde e segurança.

Tema 29: o ‘elefante na sala’ da terceirização

Se 2025 foi o ano da multiplicação de teses, também foi o ano em que um repetitivo específico concentrou as maiores expectativas: o Tema 29 dos recursos de revista repetitivos, sobre terceirização.

O Tema 29 discute, em síntese, se a constatação de fraude na terceirização, à luz da jurisprudência vinculante do STF (ADPF 324, Temas 725 e 739 de repercussão geral), autoriza o reconhecimento de vínculo direto entre o trabalhador terceirizado e a tomadora – hipótese não prevista explicitamente pelo Supremo.

Em 2025, houve ainda três movimentos relevantes:

– Em abril, o TST determinou o sobrestamento nacional de processos relacionados aos Temas 29, 30 e 32 de repetitivos, justamente para evitar decisões desencontradas antes da palavra final do Pleno.

– Ao longo do ano, diversos acórdãos em instâncias inferiores passaram a registrar a existência do Tema 29 como razão para suspender julgamentos.

– Em novembro, o Tema 29 chegou a entrar na pauta do Pleno do TST, mas o julgamento foi retirado em razão da ausência justificada do ministro revisor e remarcado para a última sessão do ano, em 16 de dezembro. Na data, porém, o processo voltou a ser retirado de pauta, após pedido do ministro Evandro Valadão, acolhido pelo relator, ministro Alexandre Ramos, para ampliar o debate. A solicitação prevê a inclusão de novos casos paradigmas, com o objetivo de aprofundar discussões como o ônus da prova para o reconhecimento da fraude e a releitura do conceito de subordinação, entre outros pontos relevantes.

Do ponto de vista institucional, o Tema 29 é o caso-limite: nele, o TST terá de dizer até que ponto pode desdobrar a jurisprudência do Supremo sobre terceirização sem esvaziá-la ou alterá-la, sob pena de gerar novo ciclo de colisão entre cortes.

Do ponto de vista prático, o resultado impactará diretamente modelos de negócios inteiros – do setor financeiro à indústria, passando por serviços, logística e tecnologia – e determinará o custo jurídico da segmentação produtiva nas próximas décadas.

O que muda, concretamente, para empresas, trabalhadores e sindicatos?

A explosão de repetitivos em 2025 tem efeitos que ultrapassam a técnica processual. Ela altera a forma como se diagnostica risco, se litiga e se negocia.

Do lado das empresas:

– A existência de centenas de teses vinculantes permite construir mapas de risco mais objetivos, medindo, tema a tema, a chance de êxito de teses defensivas e o custo provável de condenações.

– A definição de teses sobre temas recorrentes — como multa do artigo 477, vale-transporte, jornada de telemarketing, turnos ininterruptos e plano de saúde — aumenta a previsibilidade dos resultados. Com cenários jurídicos mais estáveis, torna-se mais racional buscar soluções consensuais e acordos, reduzindo o impulso de recorrer automaticamente em cada caso.

– Por outro lado, a cristalização de entendimentos pode encarecer litígios residuais, já que restarão em discussão os casos de maior complexidade fática ou aqueles em que se questionará a própria aplicação da tese vinculante.

Do lado dos trabalhadores:

– A consolidação de teses sobre jornada, adicionais, benefícios e verbas rescisórias reduz discrepâncias entre os TRTs e diminui o risco de decisões conflitantes para situações idênticas. Isso fortalece a previsibilidade e garante que trabalhadores submetidos ao mesmo contexto jurídico recebam tratamento homogêneo em todo o país.

– Ao mesmo tempo, a consolidação de jurisprudência pode desestimular teses inovadoras em favor de direitos emergentes, sobretudo em temas novos (plataformas digitais, trabalho remoto, algoritmos, etc.), até que haja nova rodada de atualização de precedentes.

Do lado dos sindicatos:

– A multiplicação de teses vinculantes também altera o modo como sindicatos estruturam suas negociações. Cláusulas coletivas passam a ser desenhadas levando em conta os limites e parâmetros fixados pelo TST: ora para reproduzir a tese, ora para tentar avançar até onde a jurisprudência permite.

– Além disso, parte do debate que antes se resolvia exclusivamente na mesa de negociação desloca-se para os incidentes de recursos repetitivos. Em temas sensíveis, sindicatos e entidades empresariais atuam como amici curiae para influenciar a formulação da tese em abstrato, cientes de que esse entendimento terá impacto direto na dinâmica das futuras negociações.

Riscos de um ‘ano dos repetitivos’

Se 2025 trouxe ganhos claros em termos de segurança jurídica, também acendeu alguns alertas.

Três deles merecem ser destacados:

1. Risco de engessamento

O volume de teses fixadas em tão curto espaço de tempo – dezenas apenas entre março e agosto – pode gerar a sensação de um Direito do Trabalho “congelado”, pouco responsivo a dinâmicas sociais e econômicas em rápida transformação.

2. Distância entre tese e caso concreto

Quanto mais abstrata e abrangente a tese, maior o risco de distanciamento em relação à realidade específica de determinados setores, sobretudo aqueles com modelos de organização do trabalho muito particulares (fintechs, plataformas digitais, economia sob demanda).

3. Possíveis atritos com o STF

Em temas como terceirização, desconsideração da personalidade jurídica e negociação coletiva, um TST que legisla por teses em alta velocidade pode se aproximar perigosamente da fronteira com a competência do Supremo. O próprio debate em torno do Tema 29 é exemplo disso: qualquer sinalizado descompasso com a ADPF 324 e os Temas 725 e 739 tende a reabrir, no STF, a discussão sobre os limites da Justiça do Trabalho.

2026 em diante: como se posicionar diante do novo contencioso

Se 2025 foi o ano dos repetitivos, 2026 será o ano de testar, na prática, a sua eficácia. Do ponto de vista estratégico, enxergamos alguns caminhos. São eles:

Reorganizar o contencioso em torno de teses

Escritórios, departamentos jurídicos e sindicatos precisarão revisar suas carteiras de processos à luz das novas teses, mapeando quais grupos de ações são afetados por cada tese repetitiva e reorganizando as prioridades de atuação a partir disso.

Aprimorar o diálogo entre consultivo e contencioso

Em ambiente de precedentes fortes, a linha que separa o contencioso do consultivo se torna mais tênue: contratos, políticas internas e instrumentos coletivos devem ser escritos já a partir do repertório de teses fixadas.

Ocupar o espaço dos precedentes qualificados

Quem participa ativamente de IRRs — por meio de manifestações técnicas, memoriais e atuação como amicus curiae — ajuda a desenhar o mapa do Direito do Trabalho para os próximos anos. A litigância estratégica, nesse cenário, desloca-se do caso individual para a formulação da tese.

Monitorar temas sensíveis ainda pendentes

Além do Tema 29, permanecem em curso IRRs relevantes sobre jornada, turnos, normas coletivas e outros pontos centrais. A forma como o TST os resolverá dirá até onde vai a expansão do sistema de precedentes na seara trabalhista.

2025 mostrou que o TST assumiu, de vez, o protagonismo na governança de precedentes trabalhistas. O desafio, daqui para frente, será equilibrar segurança jurídica e capacidade de adaptação, de modo que a Justiça do Trabalho continue sendo não apenas previsível, mas também responsiva à complexidade das relações de trabalho contemporâneas.

Para empresas, trabalhadores e sindicatos, ignorar esse novo ambiente não é mais uma opção. O contencioso do futuro será cada vez menos sobre “quem tem razão neste caso específico” e cada vez mais sobre como se posicionar em relação às teses que moldam, em bloco, o Direito do Trabalho brasileiro.

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