terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Agente da Fundação CASA é demitido fazendo bico em supermercado e recebendo auxílio do INSS

 

Justiça do Trabalho mantém justa causa de agente público trabalhando como vigilante de supermercado enquanto recebia auxílio-doença do INSS, vê quebra de confiança, nega reversão da demissão e reforça que fraude em afastamento permite dispensa imediata

Escrito porAlisson Ficher
Publicado em 08/12/2025 às 16:12
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TST mantém justa causa de agente da Fundação Casa flagrado trabalhando como vigilante enquanto recebia auxílio-doença, confirmando fraude e quebra de confiança.
TST mantém justa causa de agente da Fundação Casa flagrado trabalhando como vigilante enquanto recebia auxílio-doença, confirmando fraude e quebra de confiança.
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Decisão do TST sobre agente afastado por auxílio-doença expõe como atividades remuneradas paralelas podem resultar em demissão imediata por quebra de confiança, mesmo diante de versões conflitantes apresentadas durante o processo administrativo e judicial.

A Justiça do Trabalho confirmou a demissão por justa causa de um agente de apoio socioeducativo da Fundação Casa, em Ribeirão Preto (SP), que foi visto trabalhando como vigilante em um supermercado no período em que estava afastado do emprego e recebendo auxílio-doença do INSS.

A decisão, proferida em 15 de janeiro de 2025 pela Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), considerou que a conduta rompeu a confiança indispensável à continuidade do vínculo empregatício e afastou a possibilidade de reversão da dispensa.

TST mantém justa causa e aponta quebra de confiança

O agente trabalhava na Fundação Casa desde 2002 e foi desligado por justa causa em fevereiro de 2016, após a conclusão de um processo administrativo disciplinar.

De acordo com a instituição, entre dezembro de 2014 e janeiro de 2015, período em que estava oficialmente afastado por motivo de saúde e amparado por auxílio-doença, ele atuava paralelamente como vigilante em um supermercado da cidade.

Para a Sétima Turma do TST, o fato de o empregado receber benefício previdenciário sob a premissa de incapacidade para o trabalho, enquanto exercia atividade remunerada em outro estabelecimento, é incompatível com a fidúcia exigida no contrato e configura falta grave.

Por isso, o colegiado entendeu ser legítima a dispensa motivada promovida pela Fundação Casa.

Denúncia interna levou à apuração disciplinar

O caso chegou à corregedoria da Fundação Casa a partir de uma denúncia apresentada por um colega do agente.

Incomodado com o aumento da própria carga de trabalho durante o afastamento do companheiro de equipe, o funcionário informou à administração que o colega estaria atuando como vigilante em um supermercado, no mesmo período em que constava como incapaz para o desempenho de suas funções no centro socioeducativo.

A partir desse relato, a corregedoria instaurou procedimento interno e passou a reunir elementos probatórios sobre a conduta do empregado.

A apuração administrativa resultou na conclusão de que ele exercia, de forma regular, atividade de vigilância no comércio local, o que levou à aplicação da justa causa por improbidade.

Provas audiovisuais mostraram atuação como vigilante

Segundo informações divulgadas pelo TST, o dossiê produzido no processo administrativo e posteriormente analisado pelo Judiciário incluía vídeos, fotografias e depoimentos que mostravam o agente em postura típica de vigilante.

As imagens o retratavam posicionado atrás dos caixas, observando a movimentação de clientes e funcionários, e acompanhando a rotina do estabelecimento, em contexto considerado incompatível com a figura de simples consumidor.

Essas provas foram tidas como suficientes, tanto pela Fundação Casa quanto pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), para caracterizar a prestação habitual de serviços ao supermercado justamente no intervalo em que o trabalhador estava afastado do cargo e recebendo benefício por incapacidade.

A conduta foi enquadrada como ato de improbidade e quebra de lealdade em relação ao empregador e ao sistema previdenciário.

Versão do trabalhador foi acolhida em primeiro grau

Após a demissão, o agente ingressou com reclamação trabalhista pedindo a reversão da justa causa e a reintegração ao emprego.

Na ação, afirmou que a denúncia não correspondia à realidade e sustentou que, em virtude de uma fratura no dedo do pé, não teria condições físicas de permanecer longos períodos em pé, como exigido na função de vigilante.

Ele alegou ainda que teria comparecido ao supermercado apenas uma única vez, na condição de cliente, ocasião em que foi filmado e fotografado.

Para reforçar essa versão, juntou aos autos uma nota fiscal de compras emitida pelo próprio estabelecimento, indicando que, naquela data, estava apenas consumindo, e não prestando serviços.

Em primeira instância, o juízo trabalhista chegou a acolher, em parte, a tese do empregado.

A sentença avaliou que não havia prova considerada suficientemente conclusiva de que ele estivesse efetivamente trabalhando para o supermercado e determinou a reversão da justa causa, com a consequente reintegração ao quadro da Fundação Casa.

Na decisão, o magistrado atribuiu peso relevante à nota fiscal apresentada pelo trabalhador, admitindo a possibilidade de que ele estivesse no local exclusivamente como consumidor no momento do registro das imagens.

TRT-15 restabelece demissão por justa causa

O cenário mudou quando o caso foi reexaminado pelo TRT da 15ª Região, com sede em Campinas.

Ao analisar o conjunto probatório, o colegiado entendeu que o vídeo não mostrava o agente na fila ou aguardando liberação de compras, mas parado na área posterior aos caixas, acompanhando a movimentação do ambiente de forma típica de vigilância.

Com base nessa leitura das imagens, o TRT-15 concluiu que havia prestação de serviços ao supermercado durante o período de afastamento previdenciário.

Para o tribunal regional, essa conduta desfez a confiança necessária à manutenção do vínculo de emprego e tornava inviável a continuidade da relação laboral, motivo pelo qual a justa causa foi restabelecida.

TST aplica Súmula 126 e chancela decisão regional

Inconformado com o resultado no TRT-15, o trabalhador recorreu ao TST por meio de agravo em recurso de revista.

O relator, ministro Alexandre Agra Belmonte, ressaltou que o tribunal regional já havia reconhecido, a partir das provas constantes dos autos, que o agente efetivamente exerceu atividade de vigilante no período em que estava afastado por motivo de saúde.

Nessas condições, o ministro apontou que a discussão sobre o tema envolveria reexame de fatos e provas, providência vedada pela Súmula 126 do TST, que impede a Corte superior de reavaliar o conjunto probatório fixado pelas instâncias ordinárias.

Diante disso, o colegiado não conheceu do recurso do trabalhador e manteve, de forma unânime, a decisão do TRT-15 que confirmara a justa causa aplicada pela Fundação Casa.

Fraude em afastamento e artigo 482 da CLT

justa causa é a penalidade mais severa prevista na legislação trabalhista brasileira e está disciplinada no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que lista hipóteses como ato de improbidade, incontinência de conduta, mau procedimento, desídia, violação de segredo da empresa, insubordinação grave e outras situações de falta grave.

No caso analisado, o comportamento do agente foi enquadrado como ato de improbidade e violação da boa-fé contratual, em razão do exercício de atividade remunerada em outro local durante o período em que declarava incapacidade para o trabalho habitual e recebia benefício previdenciário.

Para a Sétima Turma, esse tipo de conduta representa fraude ao afastamento médico e autoriza a dispensa imediata, sem necessidade de medidas intermediárias.

Impacto da decisão sobre trabalhadores afastados

A decisão passou a ser citada por advogados trabalhistas e veículos especializados como referência de como o trabalho remunerado durante licença médica ou auxílio-doença pode levar à perda do emprego por justa causa, especialmente quando há prova direta de atuação em outro posto de trabalho.

Comentários de especialistas destacam que, para a Justiça do Trabalho, o ponto central não é apenas a existência de outra renda, mas a contradição entre a alegada incapacidade para o cargo principal e o desempenho de funções em condições aparentemente incompatíveis com o afastamento.

Em outras ações, tribunais já admitiram que certas atividades moderadas, recreativas ou compatíveis com o tratamento médico não descaracterizam, por si só, a necessidade de afastamento do trabalho.

Entretanto, a linha adotada no processo do agente da Fundação Casa evidencia que o exercício de atividade remunerada em outro emprego, durante o mesmo período em que o empregado está formalmente afastado por incapacidade, tende a ser analisado com rigor, sobretudo quando há elementos audiovisuais e testemunhais que indiquem prestação habitual de serviços.

Diante desse precedente e da ênfase do TST na quebra de confiança e na boa-fé contratual, como trabalhadores afastados por motivo de saúde podem avaliar, com segurança, quais tipos de atividade — especialmente se remuneradas — podem colocar em risco o vínculo de emprego e serem interpretadas pelos juízes como fraude ao afastamento médico?

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