quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Os atuais servidores e a Reforma Administrativa

 

Algumas premissas

Considerando algumas discussões que envolvem a proposta de reforma administrativa, é necessário, antes de qualquer discussão sobre a proposta forma de reforma, ter claro o alcance da proposta de reforma administrativa, além de algumas informações que julgo pertinentes.

Em primeiro lugar, não é crível a declaração do coordenador do GT sobre a reforma administrativa da Câmara dos Deputados, quanto às consequências da possível aprovação das proposições legislativas a serem apresentadas em relação ao conjunto dos servidores existentes, quando diz que a reforma não atingirá nenhum dos atuais servidores. Ela se aplicará apenas aos futuros servidores concursados. Exatamente a mesma declaração de Jair Bolsonaro quando da apresentação da PEC 32/2020. A reforma administrativa atinge, sim, os atuais servidores ativos, aposentados e pensionistas. A razão do discurso é óbvia e bem articulada. O deputado Pedro Paulo (PSD/RJ) declara e outros defensores da reforma dentro e fora do Congresso Nacional repetem e a grande mídia reproduz o dito por todos. Tudo combinado para evitar reações da representação dos servidores e da população usuária, além de evitar dificuldades políticas nas bases dos parlamentares defensores da reforma, com vistas às eleições no próximo ano. Por óbvio, uma questão simples: se é enfática a afirmação deque os atuais servidores não serão atingidos, significa que os futuros terão um tratamento pior que o dos atuais?

Em segundo lugar, a proposta a ser apresentada tratará, sim, de servidores federais, estaduais e municipais no que o coordenador do GT chama de uma reforma 3 X 3, atingindo os servidores dos 3 poderes e das 3 esferas de governo. Diferente do que foi feito na reforma previdenciária, onde primeiro foram atingidos os federais, enquanto os demais seriam tratados posteriormente. Essa afirmação pode ser confirmada ao observar a “PROPOSTA DE TEXTO-BASE PARA DISCUSSÃO”, parte introdutória do ‘CADERNO DA REFORMA ADMINISTRATIVA”, divulgado pelo GT no início de seus trabalhos. No texto é proposto alterações no artigo 37 da Constituição Federal, que trata da administração pública das três esferas de governo. Ou seja, uma vez aprovada, absolutamente toda a administração pública, federal, estadual, distrital e municipal, seria atingida, incluindo seus servidores.

Em terceiro lugar, está clara a intenção de não tratar dos “membros de Poder”, onde se enquadram os magistrados, promotores e procuradores do Ministério Público, por exemplo. Segundo o deputado Pedro Paulo, os supersalários serão discutidos, mas não tratados nos projetos a serem apresentados. A não inclusão dos Membros de Poder foi uma decisão política, não técnica, e com dois objetivos. O primeiro, é o parlamento não se indispor com quem poderia criar dificuldades na tramitação dos projetos, ou se houver alguma judicialização sobre a reforma. O segundo objetivo é angariar apoio à proposta global, que prejudica, e muito, o conjunto dos servidores e a população com o desmonte dos serviços públicos, mantendo privilégios da casta da administração pública, da qual fazem parte tanto os magistrados, quanto parlamentares. Seria chamar atenção para uma questão que não é o eixo principal da reforma. Além de que, não haveria garantias quanto à inclusão desse segmento no texto final. Basta vermos quem é a maioria dos parlamentares que defendem apenas verbalmente acabar com os supersalários, cínica e demagogicamente, sendo todos conservadores e defensores da reforma. Bom, vamos ao objetivo do artigo.

Os atuais servidores

O RJU

A proposta de criação de novas formas de relação entre o Estado e as pessoas que trabalharão na administração pública prevê, entre outras formas, a regência por um novo regime jurídico de pessoal. Os novos servidores seriam abrangidos por um outro regime jurídico, específico, já autorizado a ser criado, tendo em vista a aprovação pelo Supremo Tribunal Federal – STF, da ADI 2135, em novembro de 2024. Em se confirmando a existência de mais de um regime jurídico para servidores, poderemos ver alguns poucos dos atuais cargos que deverão ser considerados como “cargos de atividade exclusiva de Estado”, com garantias, direitos e condições de trabalho diferenciadas em um regime jurídico específico, recriando uma relação existente nos idos anos anteriores à Constituição Federal de 1988. A partir da alteração proposta, seria possível ignorar todas as demais carreiras que exercem atividades públicas e que necessitam da proteção do Estado, como se não fossem típicas de Estado, apesar de não exclusivas, sendo consideradas como passíveis de descarte, ou substituição por terceirizados ou celetistas, ambos sem proteção.

Cargos em extinção

A partir da nova legislação, se aprovada, os atuais cargos, ainda que mantidos nos autuais regimes jurídicos, poder ser considerados em situação de extinção, ainda que não expressamente dito. Isso, porque, por mais que algumas pessoas não acreditem, a nova realidade permitiria a não realização de novos concursos para esses cargos, todos serão extintos à medida que aposentem os últimos ocupantes de cada cargo. Do ponto de vista da organização dos servidores, isso significa diminuição gradativa do poder de pressão dos ocupantes desses cargos, principalmente a partir do momento em que a balança pender para a maioria de aposentados em relação aos ativos, o que dificultaria, não só a conquista de algum ganho ou direito, mas até a manutenção de algum existente, como veremos adiante. Acrescentemos a já declarada intenção de redução drástica dos números de cargos e de carreiras hoje existentes na administração pública, que se pretende reduzir, só no Executivo federal, das atuais 117 carreiras para algo em torno de 20 ou 30 carreiras, diminuindo ao máximo também os pouco mais de 2.000 cargos hoje existentes na administração federal. Isso se daria a partir da fusão ou simples extinção de cargos. Dentro desse processo está a criação (ou recriação) do chamado carreirão, unificando todos os cargos da área administrativa em estruturas transversais, o que deve acontecer na sequência da aprovação das proposições sugeridas pelo GT, considerando que serão uma PEC, Proposta de Emenda Constitucional, Um PLP, Projeto de Lei Complementar, regulamentando para os três poderes e para as três esferas de governo a PEC aprovada, além de um projeto de lei específico para os servidores federais, e que servirá de referência para estados, municípios e o Distrito Federal. A partir da aprovação dessas três proposições pelo Congresso Nacional, poderemos ter a “nova consolidação de cargos e funções”, juntamente com projetos de “diretrizes de carreiras” e de “ajustes e adequações dos atuais estatutos de servidores federais, estaduais, distritais e municipais”. Dessa forma,

O que já podemos ver a partir da reforma aprovada

Estabilidade

Em relação à estabilidade, os atuais servidores poderão perder seus cargos nas mesmas condições propostas na PEC 32/2020 (I – decisão judicial; II – processo administrativo disciplinar e III – avaliação de desempenho insuficiente). Não custa resgatar o proposto há cinco anos e rechaçado pelo conjunto dos servidores desde então, relembrando algumas observações:

1 – Em caso de demissão por decisão judicial, bastará uma decisão por órgão judicial colegiado, não necessitando mais que a decisão judicial transite em julgado. Ainda que possa haver reversão até o fim do processo,

2 – A regulamentação da demissão por desempenho insuficiente, prevista hoje pela Constituição através de lei complementar, passa a ser por lei ordinária. Dessa forma a aprovação da lei passa a ser por maioria simples dos presentes em plenário, quórum bem menor que a maioria absoluta dos votos necessários no caso de lei complementar. Cabe o destaque de que, para os futuros ocupantes de cargos típicos de Estado, a proposta de que a lei que regulamentar a demissão por insuficiência de desempenho preveja “critérios e garantias especiais” para perda do cargo. Isso os coloca em situação diferenciada, favoravelmente, em relação ao restante dos servidores.

3 – Os atuais servidores também poderiam perder seus cargos pela possiblidade prevista no artigo 169, parágrafo 4º da Constituição, que permite a demissão de servidores estáveis pelas limitações impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o que poderá não estar previsto para os futuros ocupantes de cargos típicos de Estado, considerando a possibilidade de proposta de, como na última proposta de reforma (a PEC 32/2020) de alteração do artigo 247 da Constituição Federal, assim como no parágrafo anterior, propõe que também a lei que regulamentará o § 7º do art. 169 estabeleceria “critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público investido em cargo típico de Estado”.

4 – Quanto ao Estágio Probatório, a proposta é de que o EP seja eliminatório desde o início, com avaliações de desempenho passíveis de desligamento a qualquer momento, considerando a obtenção da estabilidade apenas aos que “sobreviverem” ao período de estágio.

Remuneração

De início a proposta anunciada não alteraria a remuneração dos atuais servidores. Considerando que a proposta de reforma é composta por três fases, onde a PEC é a primeira, a remuneração dos atuais servidores deverá ser afetada nas etapas seguintes, como, inclusive, já anunciado pela equipe do Ministério da Economia. Em uma das etapas deverá ser apresentado o projeto com grande redução no quantitativo dos atuais cargos e carreiras (já mencionado acima). Nesse processo as tabelas serão reestruturadas com algumas mudanças significativas, que serão:

– Remuneração com a parte principal vinculada à avaliação de desempenho, o que permite diferenciar servidores de um mesmo cargo e desvincula ativos de aposentados e pensionistas;

– Progressão e promoção exclusivamente por avaliação de desempenho, não mais por tempo de serviço (já incluído na PEC), e o aumento de interstício (tempo em que cada servidor passa em um determinado patamar, ou padrão, da tabela remuneratória). Isso significa a possibilidade de evolução mais lenta na carreira, ou ainda de estacionamento em algum ponto da tabela remuneratória. Há o risco da pessoa aposentar sem atingir o topo da tabela remuneratória.

Mobilidade

Com a redução de cargos e carreiras, os atuais servidores farão parte de uma nova estrutura, um quadro geral, sendo possível a mobilidade, permitindo a remoção de servidores de um órgão para outro por decisão unilateral da administração.

Em caso de algum órgão público ser objeto de gestão por desempenho, resultando em parceria com organização de direito privado, que assumiria a gestão do órgão, os atuais servidores que lá estejam lotados serão cedidos à nova administração (privada). Em caso de devolução de servidor à administração pública o servidor deverá ser posto à disposição do órgão gestor de pessoas (vide observação 2, abaixo), que providenciaria nova lotação para o servidor.

Demissão por desempenho insuficiente

Pela proposta apresentada, os critérios de avaliação de desempenho, ao serem definidos em leis ordinárias, indicada por cada Poder ou ente federativo (estados e municípios), há o risco de grande fragilidade e manipulação política.

Redução de jornada/remuneração

Como já dito antes, a reforma do Estado não se resume à PEC 32/2020. Dessa forma, os atuais servidores correm o risco de sofrerem redução da jornada de trabalho com a respectiva redução salarial, com base na PEC 188/2019, já em tramitação no Senado.

Acumulação de cargos

Para os atuais servidores está mantido o direito à acumulação vigente, sendo dois cargos de professor, um de professor com outro técnico ou científico ou dois cargos ou empregos privativos de profissões regulamentadas de saúde. Diferente dos novos servidores.

Fim da reserva de vagas em cargos de direção e assessoramento

A partir da proposta de PEC, somada à decisão do STF sobre a Emenda Constitucional 19/98, os novos cargos de possíveis novos regimes jurídicos, além de celetistas (a decisão do STF permite também esse tipo de contratação direta pela administração pública) substituirão gradativamente os atuais cargos, existindo a grande possibilidade de convívio dos atuais servidores com “colegas” de outros regimes de contratação no exercício de uma mesma atividade e com as mesmas funções. A exceção seria apenas em atividades exclusivas de Estado. Com a proposta, já anunciada de maior autonomia para gestores, as novas regras permitirão que a substituição citada obedeça a critérios do chefe de cada Poder, o que pode gerar problemas, inclusive de ordem política.

Vantagens, direitos e benefícios

Com a alegação de uniformizar entre os três Poderes e as três esferas de governo, foram listados 10 tipos de vantagens e benefícios que não mais serão concedidos a servidores públicos (atuais e novos). Apenas aquelas vantagens ou benefícios em vigor e que tenham cobertura de legislação específica e não revogada pela nova legislação, poderão ser mantidos, não podendo, entretanto, sofrerem reajustes, mesmo não incorporados, como é o caso, por exemplo, de adicionais por tempo de serviço, ou assemelhados. A maioria dos servidores já não faz jus à maior parte dessas vantagens e benefícios, a não ser em algumas unidades da Federação. As vantagens e benefícios abrangidos poderão ser:

  • licença-prêmio ● aumentos retroativos (ainda que resultado de negociação entre entidades representantes dos servidores e a administração pública) ● férias superiores a 30 dias/ano, incluindo recesso ● adicional por tempo de serviço, com qualquer formato ou denominação ● aposentadoria compulsória como punição ● parcelas indenizatórias sem previsão legal ● adicional ou indenização por substituição não efetiva ● redução de jornada sem redução de remuneração, salvo por saúde, respaldado em lei ● progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço (citado acima) ● incorporação ao salário de valores referentes ao exercício de cargos e funções.

Ao se confirmar a substituição ou convívio dos regimes jurídicos vigentes e novos específicos para os novos servidores, tenderão a desaparecer todos os direitos, vantagens e benefícios constantes das legislações que deverão ser substituídas a partir de que não tenham mais cobertura e garantias constitucionais. Com isso, a menos que constem da nova legislação, perderiam eficácia diversas verbas de caráter indenizatório, gratificações e direitos a afastamentos e licenças remuneradas.

Algumas observações

1 – Como algumas alterações em normas vigentes não dependem de emenda constitucional, essas poderão ser encaminhadas ainda durante a tramitação da nova proposta de legislação, já buscando adequação às novas regras propostas. Entre os assuntos que teriam esse tratamento estão a demissão por mau desempenho, o novo modelo de avaliação e o fim da progressão por tempo de serviço. Isso por não serem considerados como direito adquirido e já anunciados pelo coordenado do GT da reforma administrativa.

2 – Está em discussão entre membros e assessores do GT e “especialistas convidados a opinar”, desde antes da implantação do próprio GT, a criação de um órgão independente (no formato de agência reguladora), composto por representantes da administração pública e da sociedade civil, também permitido a partir da decisão do STF na ADI 2135. Esse novo órgão, que deverá ser criado na esfera federal, nos estados, no Distrito Federal e nos municípios, trataria da atualização dos critérios de avaliação de desempenho, reajustes remuneratórios, premiações (o GT irá propor um bônus individual pago com base no sistema de “curva forçada” e considerando a assiduidade, inclusive a redução de afastamento por motivo de doença), realocação de servidores devolvidos por nova instituição, que pode ser privada ou do “terceiro setor”, que venha a assumir as atividades, entre outros pontos. No caso federal, por exemplo, esse órgão seria presidido por uma pessoa indicada pelo presidente da república e aprovado pelo Congresso. Modelo a ser sugerido aos demais entes da Federação.

O que consta desse artigo não significa que se resumam a essas as alterações, nem que sejam literalmente o aqui apresentado e que atingirão o conjunto dos servidores. Várias outras questões estão em discussão, algumas já em processo de elaboração de novas normas, lembrando o que disse o deputado Pedro Paulo, que as propostas agora apresentadas são as primeiras e que virão outras. É importante o acompanhamento permanente das entidades que representam os servidores públicos. Lembro que o resultado, caso essas alterações se confirmem, atingirá tanto servidores quanto usuários do serviço público, com grandes prejuízos para o país, uma vez que a reforma não se limita a atividades de atendimento direto à população. Também serão “contempladas as demais atividades da administração pública.

E “alguém” ainda tem a desfaçatez de dizer que a reforma “não atingirá nenhum dos atuais servidores”.

Fonte: Site Notas do Vladmir

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