Por Atnágoras Lopes e Aristheu Neto
Há o dito popular que diz que “pior do que está não fica”. Mas, pode ficar sim, e muito. É o caso da decisão anunciada nesta quinta-feira (13/2), pelo STF (Supremo Tribunal Federal) que, por maioria, decidiu livrar os governos das três esferas de poder (federal, estadual e municipal) da responsabilidade pelo pagamento de direitos trabalhistas quando empresas terceirizadas tomadoras de serviços derem calote nos trabalhadores e trabalhadoras. Isso é mais uma crueldade desferida por essa Corte contra os mais necessitados, um absurdo inaceitável.
O caso em julgamento não poderia ser mais emblemático e trágico. Trata-se de uma ação movida pelo governo de São Paulo — diga-se de passagem, o estado mais rico do Brasil — que buscou, e conseguiu, se livrar de pagar os direitos trabalhistas de um empregado de uma empresa terceirizada do serviço de limpeza que, como ocorre frequentemente, não recebeu seus direitos trabalhistas.
No caso julgado, um trabalhador do setor de limpeza não teve salários, verbas rescisórias e FGTS pagos pela empresa terceirizada. A decisão do STF concluiu que a Administração Pública não tem responsabilidade pela fiscalização do cumprimento dessas obrigações essenciais, como se o dinheiro público que remunera a terceirizada não tivesse que ser utilizado para finalidades também públicas. Autorizou, assim, um empresário a surrupiar o salário do trabalhador, que estava prestando um serviço público, causando, portanto, um prejuízo a toda a comunidade, que assiste seus próprios recursos, canalizados por meio de tributos, serem drenados para bolsos privados, em patente fraude à legislação.
A decisão do STF, que tem repercussão geral para todo o país, deixa milhões de pais, mães e jovens em uma situação dramática e vulneráveis a sofrerem ainda mais humilhações e privações do que já ocorre hoje.
Há pouco tempo, foi o mesmo STF que decidiu pela legalidade da terceirização irrestrita e, logo na sequência, determinou que funcionários públicos podem ser demitidos sem justa causa. Ou seja, a “boiada está passando geral” contra os trabalhadores e trabalhadoras, e, nesse cenário, comemoram juntos governantes de direita e de esquerda e o empresariado.
O fato é que passados dois anos do governo Lula 3, sem que ele tenha revogado um único item da draconiana reforma trabalhista de Temer — que sepultou mais de 200 direitos da CLT — e fazendo-se de surdo diante das lutas e reivindicações dos trabalhadores como pelo fim da escala 6x1, os ministros do STF encontram terreno fértil e ambiente favorável para, de seus gabinetes, colocarem em práticas suas concepções neoliberais. Entre Executivo, Legislativo e Judiciário parece haver uma divisão de tarefas em que cada um cumpre seu papel de atacar direitos, conforme a conjuntura permite.
Dizemos que, além do governo, o empresariado agradece, pois a terceirização está disseminada em larga escala em todos os setores da economia privada há vários anos. Uma decisão como essa, com repercussão geral, é simplesmente a “tal segurança jurídica” que a patronal alega ser necessária. Na prática, um cheque em branco para se desvencilhar de qualquer responsabilidade pelos direitos dos trabalhadores de suas terceirizadas.
Graças ao STF e à postura do governo, cada vez mais vai se sacramentando um ambiente econômico de desregulamentação das relações de trabalho tão apregoado pela atual ultradireita no Brasil e no mundo.
Por último, e não menos importante, é preciso registrar o quão flagrante é a postura inerte das maiores centrais sindicais brasileiras que, do alto de seus gabinetes, assistem a tudo, mas abandonam a ação direta e a denúncia desse estado de coisas, em nome da sustentação desse governo sob a alegação da “ameaça da volta do fascismo”.
Se é verdade que devemos defender as liberdades democráticas contra qualquer ameaça e projetos que tentam nos fazer retroceder à ditadura, também é verdade que, contra essa nova ultradireita, nosso terreno deve ser o da mobilização e do enfrentamento em defesa dos interesses dos trabalhadores, assim como a todos os governos de plantão e setores que também atacam nossa classe. Assim tem sido a história da humanidade: a história da luta de classes.
Por Atnágoras Lopes é integrante da Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas e Aristheu Neto é advogado do Coletivo Jurídico da CSP-Conlutas
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