
Usadas por empresas para tentar reverter diretamente no STF (Supremo Tribunal Federal) decisões da Justiça do Trabalho favoráveis a trabalhadores, as chamadas "reclamações constitucionais" cresceram 65% ao longo de 2024, segundo dados da corte máxima do país. O levantamento foi originalmente publicado pelo portal Jota.
No ano passado, o número de reclamações constitucionais de natureza trabalhista chegou a 4.274 e superou pela primeira vez o de outros ramos do direito — um indício de que o STF pode ter criado uma "armadilha" para si mesmo ao permitir o uso indiscriminado desse tipo de instrumento jurídico, avaliam especialistas ouvidos pela coluna.
"Essa quantidade absurda de ações trabalhistas que está indo para o Supremo é culpa do próprio Supremo", afirma Cássio Casagrande, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT).Conteúdo UOL"O STF abriu a porteira para o uso da reclamação constitucional, que era algo muito excepcional", complementa Murilo Oliveira, professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e juiz do Trabalho.
Empresas pulam etapas na Justiça do Trabalho e acionam diretamente o STF
Há pelo menos dois anos, a maioria dos ministros do Supremo tem derrubado decisões da Justiça do Trabalho que apontam fraudes, reconhecem o vínculo empregatício e determinam o pagamento de direitos, nos moldes da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em processos sobre terceirização, pejotização e uberização.
A principal crítica ao STF é de que ao se basearem no Tema 725 da própria corte, que autoriza a terceirização de todo tipo de atividade, os ministros estariam confundindo conceitos diferentes e tratando da mesma forma situações distintas.
A presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho), Luciana Conforti, afirma que "não se discute a possibilidade de a terceirização existir", mas que tem havido um "alargamento na jurisprudência do STF".
Isso impediria a Justiça do Trabalho de avaliar caso a caso, de acordo com as provas, a ocorrência de fraudes. Um dos principais exemplos é o dos profissionais supostamente autônomos contratados como PJs (pessoas jurídicas), mas que atuam como empregados subordinados de fato. A prática é comumente utilizada para evitar o pagamento de impostos.
A postura adotada pela maioria dos 11 ministros do STF, no sentido de validar práticas como a pejotização, tem estimulado empresas a pular etapas e a acionar diretamente o Supremo, antes de passar pelas três instâncias do judiciário trabalhista. Até mesmo decisões de primeiro grau têm sido cassadas por meio de reclamações constitucionais. Na corte, apenas Edson Fachin e Flávio Dino são vistos como exceções.
Além de congestionar a pauta de julgamentos do Supremo, a explosão desse instrumento gera ao menos dois efeitos preocupantes, apontam as fontes entrevistadas pela coluna.
Primeiro, ao colocar sob o mesmo guarda-chuva conceitos diferentes, como terceirização, pejotização e uberização, o STF promove uma espécie de "libera geral" e transmite a ideia de que a contratação de um empregado por meio de CLT é "facultativa".
Segundo, ao deixar de enxergar um contrato de terceirização como uma relação tipicamente trabalhista, o STF transfere para a Justiça Comum ações sobre esses temas, esvaziando a competência da Justiça do Trabalho. "Essa é nossa maior preocupação", diz Luciana Conforti, da Anamatra.
STF desconsidera princípio básico da 'primazia da realidade', diz professor
Na avaliação de José Dallegrave Neto, advogado e professor da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) e da Escola Nacional da Magistratura, os temas da terceirização e da pejotização vinham sendo corretamente enfrentados pela Justiça trabalhista.
"Em alguns casos, o juiz reconhecia o vínculo de emprego e condenava a empresa às verbas trabalhistas", diz Dallegrave. Por exemplo: se um hospital impõe a um médico um contrato PJ, apesar de obrigá-lo a cumprir todos os requisitos de um empregado CLT, a fraude está caracterizada, ilustra o professor.
"Mas, em alguns casos, o juiz também se convencia de que não era fraude, de que realmente ele era um autônomo, de que tinha liberdade para fazer seu horário e para atender outros clientes", acrescenta Dallegrave.
No entanto, explica o professor, o que o STF tem feito é se ater à mera formalidade do contrato, desprezando a "primazia da realidade" e as provas analisadas pelos juízes trabalhistas. Em outras palavras, basta o empregador dizer em uma reclamação constitucional que a pejotização é uma forma de terceirização para a maior parte dos ministros acatar o pedido.
Na avaliação de Cássio Casagrande, o Supremo precisa se ater ao seu papel de guardião da Constituição e deixar de funcionar como "instância recursal" da Justiça do Trabalho. O professor da UFF teme ainda que a CLT acabe restrita aos trabalhadores da base da pirâmide, o que traz inclusive impactos significativos para o caixa da Previdência.
"Não vai mais ter ação de vínculo de emprego de 'altos empregados' porque o Supremo fulminou isso. E talvez seja até a intenção do STF, né? Dizer: olha, se tem [vínculo CLT], é para os pobres. Para classe média e alta é PJ", finaliza.
5 comentários
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Carlos Alberto Jordao Martins
Se deixar por conta da Justiça do Trabalho todo mundo é empregado. Tinha e que acabar com a JT, verdadeiro cemitério de pequenas empresas.
Enilce Pilatti Nicolau
E existe Justiça do Trabalho??? Qualquer reclamação, o patrão já entra sabendo do resultado. Patrão = Vilão. Funcionário = Vítima.
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