O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou nesta semana um conjunto de critérios para avalição de programas e serviços para adolescentes a quem se atribui prática de ato infracional e cumprem medida em meio aberto, a exemplo da liberdade assistida e da prestação de serviços à comunidade. Durante um seminário na segunda-feira (11/12), foi apresentada a expansão do Cadastro Nacional de Inspeção em Unidades e Programas Socioeducativos (CNIUPS) para o meio aberto e lançadas duas publicações, uma voltada para o preenchimento do formulário do cadastro e outra com detalhes sobre inspeções judiciais no meio aberto.
Acesse os manuais:
Manual Resolução CNJ 77/2009 – Inspeções Judiciais em Serviços e Programas de Atendimento Socioeducativo (Meio aberto)
O CNIUPS foi lançado em dezembro de 2022 para aprimorar, em um primeiro momento, as inspeções judiciais no meio fechado. Substitui os formulários do antigo CNIUS usados por magistrados e magistradas no ato da inspeção e se adequa às atualizações na Resolução CNJ n. 77/2009 promovidas pela Resolução CNJ n. 326/2020. Para subsidiar o uso desse recurso, o CNJ lançou na ocasião dois manuais voltados para o meio fechado. O CNIUPS Meio Aberto estava na modalidade de testes desde julho, e com os lançamentos, o objetivo é que seja usado de forma ampla já no primeiro semestre de 2024 – as avaliações no meio aberto são realizadas duas vezes por ano.
Para o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, Luís Lanfredi, o CNJ dá um grande passo para que Judiciário possa cumprir seu papel de monitorar a totalidade das medidas socioeducativas realizadas no país. “Adicionalmente, garantimos dados atualizado e unificados sobre o sistema. É uma continuidade ao processo de padronização das inspeções, cujo marco foi o lançamento do CNIUPS, e que agora vai se disseminar a partir dos manuais”.
No Brasil, estima-se que mais de 117 mil jovens e adolescentes cumpram medida em meio aberto, e 12 mil em meio fechado. Para o juiz auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no DMF, Edinaldo César Santos Júnior, magistrados e magistradas precisam entender qual o papel que devem desempenhar no Sistema de Garantia de Direitos (SDG), em especial em relação às inspeções judiciais nas unidades e programas socioeducativos. “Uma das nossas tarefas é fiscalizar as organizações governamentais ou não governamentais, em que muitas das medidas do meio aberto são cumpridas, identificar as irregularidades para que elas sejam superadas. Mas é preciso ir além disso e atuar de forma interinstitucional, visando a eficiência do sistema e a garantia dos direitos dos e das adolescentes”.
O desenvolvimento do Cniups, as publicações e a organização do seminário de lançamento fazem parte das atividades do programa Fazendo Justiça, coordenado pelo DMF/CNJ em parceria com o PNUD para acelerar transformações no campo da privação de liberdade.
Compromisso com direitos
“O lançamento do Cniups para o meio aberto é materialização do compromisso da Justiça com a questão dos direitos da juventude, além de concretizar as metas estabelecidas pela Agenda 2030 lançada pela Nações Unidas”, disse a analista de Gênero e Raça do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, Ismália Afonso, durante o seminário de lançamento das publicações do Cniups relativas ao meio aberto.
A coordenadora do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), Mayara Silva de Souza, defendeu a valorização das medidas socioeducativas do meio aberto. “A priorização desse tipo de medida é cumprir o que diz a Constituição Federal, que no artigo 227 coloca como princípio a brevidade e a excepcionalidade para as penas privativas de liberdade para jovens e adolescentes”.
Outra voz que defendeu a priorização do meio aberto foi a representante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Deila Martins Cavalcante. Para ela, “o meio aberto precisa ser a medida com o maior nível de investimento, tanto técnico como financeiro”. Deila acrescentou que espera que os formulários do Cniups do meio aberto sejam um instrumento para a elaboração de políticas públicas na área, e não apenas um instrumento para registro e divulgação das inspeções.
O esforço realizado pelo CNJ para avançar na qualificação das medidas de meio aberto do socioeducativo são ações inovadoras, contam com uma atuação interinstitucional e não devem ser percebidas como uma ação impositiva. É a avaliação do diretor do Departamento de Proteção Social Especial da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Regis Aparecido Andrade Spindola. “Participamos em conjunto com o CNJ na construção das orientações lançadas hoje. E elas também foram validadas em reuniões do Fórum Nacional de Secretários (as) de Estado da Assistência Social (Fonseas) e no Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas).
Cotidiano e boas práticas
No evento também foram apresentadas boas práticas e desafios no dia a dia do meio aberto, a exemplo do caso de Belo Horizonte, que tem um dos mais antigos programas de acompanhamento de medidas socioeducativas em meio aberto do Brasil, desde 1998. Os primeiros passos foram dados antes da criação do Sistema Únicos de Assistência Social (SUAS).
“Para acompanhar os programas de meio aberto o juiz ou juíza precisam estar presentes no território, conversar e aprender com os técnicos e, em grande medida, se expor a ser avaliado também”, contou juiz titular da Vara Infracional da Infância e da Juventude da Comarca de Belo Horizonte (TJMG), Afrânio José Fonseca Nardy. Há alguns anos ele tem feito inspeções para avaliar os programas de meio aberto na sua comarca e tem aprendido com esse contato. “Para mudarmos a trajetória desses meninos e meninas é preciso construir a socioeducação para além dos muros, ir aos territórios”, defende.
O coordenador do Serviço das Medidas Socioeducativas em Meio Aberto da Prefeitura de Belo Horizonte, Amilton Alexandre da Silva, dividiu no evento um pouco da sua experiência e também como é estruturada atualmente essa política pública. “Esse trabalho do CNJ, de construir um manual para acompanhar o meio aberto, vai ajudar muitos munícipios sobre o que fazer e o que priorizar”.
Com base em diversas pesquisas sobre programas do socioeducativo, a coordenadora do Observatório da População Infantojuvenil em Contextos de Violência (OBIJUV) e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Ilana Lemos de Paiva, enxerga desafios na organização de uma rede de programas de meio aberto que hoje, segundo ela, estão desarticulados e subfinanciados.
A pesquisadora entende que é fundamental o engajamento do Judiciário no preenchimento dos formulários, para que a atuação das equipes do meio aberto não se torne burocráticas. “Algo recorrente nas nossas pesquisas é a reclamação dos profissionais com a falta de autonomia e liberdade de atuação, que são necessárias para dar resposta para os diferentes percursos de vida desses adolescentes”.
Sobre o Cniups
O Cniups é uma ferramenta que padroniza e facilita a realização de inspeções judiciais de programas e serviços para cumprimento de medidas socioeducativas. Contando com um sistema que permite preenchimento on-line, inclusive por tablets ou celulares durante às visitas para inspeção, ele cria uma base de dados atualizada sobre as unidades do socioeducativo.
O cadastro foi lançado no final de 2022, e entrou em efetivo funcionamento em janeiro deste ano. Os dados, consolidados até setembro de 2023, apontam que foram realizadas 1.609 inspeções bimestrais em 451 unidades socioeducativas de internação cadastradas.
O seu funcionamento está pautado pela Resolução CNJ nº 77/2009, atualizada pela Resolução CNJ nº 326/2020, substituindo e ampliando o antigo CNIUS, que apenas trazia informações sobre unidades de internação ou semi-liberdade.
Assista ao evento na íntegra no canal do CNJ no YouTube
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