Instituição informa que adolescente cometeu suicídio, mas nem a Fundação Casa, nem a SSP-SP esclarecem detalhes sobre o caso
RESUMINDO A NOTÍCIA
- Adolescente foi encontrado morto na última quarta-feira (17)
- Jovem cumpria medida de internação na unidade da Vila Maria, zona leste de SP
- Segundo a Fundação Casa, interno cometeu suicídio
- Fundação Casa e SSP-SP não dão detalhes da ocorrência
Um adolescente sob tutela do Estado, que cumpria medida socioeducativa de internação na unidade Vila Maria da Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente), no bairro do Belém, zona leste de São Paulo, foi encontrado morto na noite da última quarta-feira (17).
A assessoria da Fundação Casa informa que o adolescente cometeu suicídio, mas não passa detalhes sobre as circunstâncias da morte. A instituição afirma apenas que a Polícia Civil esteve no local, mas não informa em qual delegacia o caso foi registrado e que não enviou à reportagem mais informações sobre ocorrência, como local onde o corpo foi encontrado, quem ou que função exerce quem encontrou o corpo e em que circunstância e se o jovem estava sozinho no local. Também não foi esclarecida a idade e o perfil do adolescente.
Por meio de ligação telefônica, a assessoria da Fundação afirmou que um delegado, de um Distrito Policial não informado, esteve na unidade e constatou o suicídio, sem dar informações sobre o trabalho da perícia ou laudo necroscópico.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo disse que não comenta ocorrências de suicídio.
Para a delegada de Polícia Civil Raquel Kobashi Gallinati Lombardi, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, em casos como esses, o trâmite das investigações é registrar primeiro o caso como "morte suspeita", solicitar o exame do IML (Instituto Médico-Legal) e, consequentemente, realizar a investigação policial. Portanto, somente depois disso seria possível afirmar que houve suicídio.
O ex-presidente do Sitraemfa (Sindicato Dos Trabalhadores em Entidades de Assistencia a Criança e ao Adolescente do Estado de São Paulo) Antonio Gilberto da Silva, que atualmente coordena um canal de denúncia para servidores, considera a possibilidade de ter acontecido um suicídio e chama a atenção para a forma como os adolescentes vivem na Fundação Casa.
Segundo Silva, jovens que cometem atos de indisciplina são privilegiados para que se evitem confrontos ou rebeliões. "Quando o adolescente é mais fraco, ele é coagido pelos mais fortes, e isso o coloca em uma situação de ser vítima de outros jovens, o que gera um desgaste psicológico, e chega uma hora que ele não resiste", explica.
O advogado Ariel de Castro Alves, membro do Instituto Nacional do Direito da Criança e do Adolescente, afirma que na morte do jovem que cumpria medida socioeducativa de internação na Fundação Casa há responsabilidade objetiva do Estado, que responde pela integridade física, psicológica e a vida de todos os internos.
Com base no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), Alves destaca que "cabe ao departamento de execuções de medidas socioeducativas do Fórum do Brás instaurar procedimento para apurar a ocorrência e se houve negligência da Fundação Casa diante de possível violência, bullying ou sofrimentos psíquicos que o adolescente vinha sofrendo".
De acordo com o artigo 94 do ECA, entidades que executam programas de internação, como a Fundação Casa, têm obrigação de "oferecer atendimento personalizado, em pequenas unidades e grupos reduzidos; (...) oferecer cuidados médicos, psicológicos, odontológicos e farmacêutico; (...) manter programas destinados ao apoio e acompanhamento de egressos".
A psicóloga Nathalí Estevez Grillo, que atuou em diversos centros e pesquisa as medidas socioeducativas pela PUC-SP (Pontifícia Universidade de São Paulo), afirma que casos de suicídio são mais comuns em penitenciárias, mas é necessário que se investigue e que haja responsabilização. "Como um adolescente atendido pelo sistema socioeducativo chega ao suicídio? Em qualquer um dos casos, houve a morte de um adolescente tutelado pelo Estado", diz a pesquisadora.
Em relação ao caso da unidade da Vila Maria, Nathalí afirma que "trata-se de um paradoxo pensar em como se proporcionar saúde mental em um espaço de morte como a Fundação Casa, que é violenta em sua função social e suas práticas."
Um funcionário da Fundação Casa de Diadema, na Grande São Paulo, afirmou que não ficou sabendo de forma oficial sobre o caso da unidade da Vila Maria, mas afirma que já presenciou caso de tentativa de suicídio no qual houve intervenção de funcionários.
"A Fundação Casa é um órgão político que está sujeito a tudo. Em Diadema já chegou a acontecer de jovens tentarem suicídio, mas os funcionários conseguiram evitar. Estranho ninguém ter visto ou feito ronda nesse caso, pois somos pagos para ficar de olho nos adolescentes", conta o funcionário, sob condição de anonimato.
"Já tentaram esconder um estupro em Diadema. O coordenador não colocou no livro, ele chegou a dizer que não precisava. Ele se justificou dizendo que foi um lapso de memória. Os gestores não autorizavam colocar os adolescentes que corriam risco nos seguros, mas a gente sozinho não dá conta de vigiar todos os adolescentes", diz.
Na última segunda-feira (15), o R7 publicou uma reportagem que apresenta denúncias feitas por funcionários da Fundação Casa das unidades de Franca, Batatais, Sorocaba, Raposo Tavares e São Bernardo sobre casos de agressões e estupros a adolescentes nessas unidades.
Na ocasião, a Fundação Casa disse que "a execução de medida socioeducativa aos adolescentes se fundamenta no respeito aos direitos humanos e nas normas jurídicas que regulamentam a prestação do serviço público". A instituição disse ainda que "não tolera qualquer ato ilícito ou de violência contra os jovens em atendimento, servidores e prestadores de serviço".
Na última quarta-feira (17), o MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo) informou sobre o afastamento de 11 funcionários acusados de praticar agressões físicas e psicológicas contra jovens internados em uma unidade na capital paulista da Fundação Casa.
De acordo com o Ministério Público, o processo que resultou no afastamento dos funcionários aponta relatos sobre um procedimento chamado de "recepção", na qual os adolescentes que chegam na Fundação Casa são vítimas de agressões, ameaças e constragimentos. Um exame pericial feito em um jovem mostrou hematomas no abdômen e nos braços, o que comprovaria a prática, lesionando o adolescente.
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