sábado, 26 de março de 2022

Governo anuncia projetos que alteram legítima defesa e definição de terrorismo; especialistas veem 'licença para matar'

Presidente defendeu mudança nas regras para que agentes de segurança possam 'receber uma medalha e não a visita de um oficial de justiça'. Para especialistas, propostas são inconstitucionais.

Por Marcelo Parreira e Delis Ortiz, TV Globo — Brasília

 


Presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia do Ministério da Justiça nesta sexta-feira (25).  — Foto: TV Brasil/Reprodução

Presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia do Ministério da Justiça nesta sexta-feira (25). — Foto: TV Brasil/Reprodução

O presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta sexta-feira (25) que enviará ao Congresso Nacional projetos que ampliam situações que configuram legítima defesa, inclusive as que envolvem agentes de segurança, e alteram a lei de terrorismo. O anúncio foi feito durante um evento do Ministério da Justiça.

Em 2019, o governo enviou ao congresso o chamado pacote anticrime que propunha alterações na legislação penal. Entre as propostas, estava a ampliação das situações que configurariam excludente de ilicitude (determinadas situações podem levar à isenção da pena).

Atualmente, pelo Código Penal, são causas de excludentes de ilicitude: casos de legítima defesa; estado de necessidade e no estrito cumprimento do dever legal. Isto pode ser utilizado por agentes de segurança e, a depender do caso, por qualquer cidadão.

“Devemos trabalhar e buscar o entendimento entre os poderes para que, no futuro, espero que não demore muito, o policial, ao cumprir sua missão vá pra casa repousar, reencontrar-se com a sua família e, no dia seguinte, receber uma medalha e não a visita de um oficial de justiça. A vida dessas pessoas se decide em frações de segundos, é uma classe especial, e nós temos que ter consciência disso”, disse Bolsonaro nesta sexta (25).

TV Globo teve acesso aos textos que serão propostos pelo presidente e ouviu especialistas que viram nos textos a criação de "licenças para matar" (veja mais abaixo).

Projetos

O presidente Jair Bolsonaro assinou nesta sexta (25) três projetos e dois decretos. Um dos textos altera a legislação penal no que se refere à legítima defesa.

O governo pretende incluir no Código Penal um artigo para prever que a legítima defesa pode ser configurada para evitar ato ou iminência de ato “contra a ordem pública ou a incolumidade das pessoas mediante porte ou utilização ostensivos, por parte do agressor ou suspeito, de arma de fogo ou outro instrumento capaz de gerar morte ou lesão corporal de natureza grave” ou de terrorismo.

O governo também propõe na legislação um parágrafo que afirma que “considera-se exercício regular de direito a defesa da inviolabilidade do domicílio”.

Outra mudança reduz as situações em que se considera excesso no direito à defesa, condição que pode impedir a isenção de pena.

Pela proposta, “continuar empregando meios para defesa, de si ou outrem, mesmo tendo cessado a agressão" só passa a ser considerado excesso se comprovada intenção de causar lesão mais grave ou morte do agressor. Ou seja: se mesmo após impedir a agressão a pessoa continuar se defendendo, isso só é considerado excessivo em caso de comprovação de intenção de ferir ou matar o agressor.

'Licença para matar'

Para Felippe Angeli, gerente de relações institucionais do Instituto Sou da Paz, no entanto, o que as mudanças propostas fazem é criar "uma grande licença para matar".

"Claramente você vai contra a ordem constitucional, porque o valor jurídico da vida é muito superior ao do patrimônio", explica Angeli.

O gerente de relações institucionais do Instituto Sou da Paz vê na proposta uma tentativa de importar um entendimento comum nos Estados Unidos mas "sem encontrar nenhum embasamento na nossa ordem constitucional."

O jurista Wálter Maierovitch também classifica as novas regras propostas como um "incentivo" para que policiais "possam agir sem receio", "possam matar".

"Os policiais em ação vão ter esse juízo que eles mesmo vão fazer e evidentemente vão deixar de lado requisitos básicos de uma legítima defesa que, como o próprio nome indica, tem que ser legítima", explica Maierovitch.

"É liberar e dar um incentivo extra para que os policiais possam agir sem receio, quer dizer, possam disparar, possam matar", disse o jurista.

Terrorismo

Outro projeto de lei que será enviado pelo governo muda a lei que trata de terrorismo no país. O governo propõe alterar a definição do crime para incluir atos realizados "com o emprego premeditado, reiterado ou não, de ações violentas com fins políticos ou ideológicos".

Já o trecho da lei que diz que, nestas condições, é terrorismo "atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa" seria ampliado para dizer que é terrorismo "atentar contra a vida ou integridade física de pessoa ou contra o patrimônio público ou privado."

O projeto muda ainda um parágrafo que esclarecia que a regra não se aplica "à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional", entre outros. O texto a ser enviado pelo governo ao Congresso inclui no artigo a necessidade de que a conduta seja "de caráter pacífico", sem explicar como este caráter é definido.

Para Angeli, a combinação das propostas é preocupante, já que as novas condições para legítima defesa incluem o terrorismo entre as ações que podem justificar a ação dos agentes.

“Se o policial ver uma pessoa com arma, pode atirar. Se ver alguém cometendo um ato de terrorismo, pode atirar, e este terrorismo pode inclusive significar danos patrimoniais e por aspecto ideológico. É ser um juiz executor, é a barbárie, é um cheque em branco para a polícia”, diz Angeli.

Já Maierovitch vê nas propostas a criação de um terrorismo "à brasileira", fora do direito internacional.

"Em uma classificação decente, honesta de terrorismo, o que existe? Existe uma violência política ou religiosa, que não é evidentemente o caso de algumas manifestações. Na realidade, o que se quer é criminalizar movimentos sociais", afirmou o jurista.

sexta-feira, 25 de março de 2022

Morte de diretor do Degase retoma debate sobre porte de arma

 


Possibilidade depende de decisão do Supremo Tribunal

Debate sobre porte de armas reacende no Degase.
Debate sobre porte de armas reacende no Degase. |  Foto: Arquivo / Lucas Benevides
 

morte do diretor do Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente (Criaad) da Ilha do Governador, Zona Norte do Rio, unidade do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), Thiago da Costa, ocorrida na última segunda-feira (21), reacendeu o debate sobre o porte de armas para os agentes da categoria. O recurso foi retirado por uma decisão do Tribunal de Justiça no ano passado, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), quando magistrados consideraram não haver respaldo na constituição. 

Para João Rodrigues, presidente do Sindicato dos Servidores do Degase (Sind-Degase), a arma seria uma forma de defesa contra possíveis abordagens de criminosos. Segundo ele, a morte de Thiago poderia ser evitada caso existisse a permissão para o armamento. 

"O Thiago é mais um profissional de segurança que a gente perde dentro do Degase. A Justiça recentemente embargou o nosso porte de arma e estamos sem direito de defesa. O Thiago talvez, se tivesse esse direito, ele teria uma chance de se livrar daquela situação. Infelizmente, é uma tragédia já anunciada. Um servidor do Estado que cruza o muro e fica a mercê da própria sorte", lamentou João.

Arma seria uma forma de defesa contra possíveis abordagens de criminosos
 

Ao ENFOCO, o presidente informou também que a seccional do Rio da OAB entrou com um pedido junto ao Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) para anular uma lei estadual que permitia o porte de armas desses agentes. No ano passado, cerca de 200 funcionários do Degase tiveram que devolver os certificados que oficializaram o porte. 

Nesta terça-feira (22), dia do sepultamento do agente, profissionais da unidade socioeducativa realizaram um protesto em frente ao Palácio Guanabara em busca de pedir algumas medidas, entre elas progressões salariais atrasadas e o uso de armas fora do ambiente de trabalho. 

João Rodrigues falou sobre a necessidade do armamento.
João Rodrigues falou sobre a necessidade do armamento. |  Foto: Marcelo Eugênio
  

"Está mais do que comprovado, através do Thiago e de outros agentes que nós perdemos nos últimos anos, que o porte de arma é um instrumento de defesa que o agente do Estado tem que ter. Ele não pode cuidar da segurança pública, de pessoas que não estão em condições de viver em sociedade e ficar refém da própria sorte quando cruza esses muros", finalizou.

O Thiago talvez, se tivesse esse direito, ele teria uma chance de se livrar daquela situação. Infelizmente, é uma tragédia já anunciada João Rodrigues, presidente do Sindi-Degase
 

Procurada, a OAB-RJ ressaltou que a decisão de impugnar a Lei foi tomada pelos magistrados do TJ-RJ que consideraram inconstitucional a medida estadual.

Entenda

Alerj já tinha aprovado o porte em 2019.
Alerj já tinha aprovado o porte em 2019. |  Foto: Divulgação Alerj
 

Em 2019, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou a Lei Estadual número 8.400/2019, de autoria do deputado Marcos Muller (Solidariedade), na época filiado ao PHS. O texto foi sancionado e publicado em Diário Oficial pelo então governador Wilson Witzel, que foi deixou o cargo após impechment no ano passado. 

Segundo o texto, os agentes ativos e aposentados do Degase teriam o direito de portar armas de propriedade particular e uso fora do ambiente de trabalho, desde que atuem no regime de dedicação exclusiva, comprovem capacidade técnica e aptidão psicológica e passem por mecanismos de fiscalização e de controle interno. A medida também determinava que as armas deveriam ficar guardadas em locais seguros quando os agentes estivessem em serviço.

No entanto, o TJ-RJ julgou em 2021 a lei como inconstitucional. Os magistrados consideraram que o Estado invadiu a competência da União, única que pode legislar sobre a questão do porte de armas. A relatora do caso, desembargadora Maria Angélica Guimarães Guerra Guedes, ressaltou que a norma autorizava o aumento do número de armas nas unidades socioeducativas, o que colocava em risco internos e servidores.

De acordo com a justificativa do tribunal, a Constituição não enxerga os agentes socioeducativos como um órgão de segurança pública. 

"Ademais, esteia que os agentes socioeducativos não possuem poder de polícia ou atribuição legal para atuar como se Órgãos de Segurança fossem. Nesta linha de intelecção ressalta que, de acordo com o SINASE, a atividade do agente de segurança socioeducativo consistiria em “zelar pela integridade física e moral do interno, cuidar de sua cuidar de sua segurança, alimentação e higiene pessoal, conduzi-lo para suas audiências, a hospitais ou outras instituições, contribuir para o retorno a sociedade e ajudá-lo nas etapas de sua reeducação”, não se confundindo, pois, com aquela desempenhada pelos agentes penitenciários", diz o processo.

O responsável por gerenciar o departamento é a Secretaria Estadual de Educação, mesmo com o pedido dos agentes de ingressar no setor da segurança pública. A Alerj e o Sind-Degase entraram com um processo para embargar a decisão do TJ-RJ em fevereiro deste ano, mas ainda não obtiveram resultados. 

Âmbito Federal

Morte de Thiago gera preocupações sobre segurança de agentes.
Morte de Thiago gera preocupações sobre segurança de agentes. |  Foto: Marcelo Eugênio
 

O deputado federal Felício Laterça (União Brasil-RJ) já declarou publicamente ser a favor do armamento para os agentes socioeducativos. Em declaração ao ENFOCO, o parlamentar informou que houve vários projetos de leis consolidados sobre o assunto, inclusive, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados já aprovou o Estatuto de Controle de Armas de Fogo, em substituição ao Estatuto do Desarmamento (Lei 3722/2012).

O texto aprovado, um substitutivo do ex-deputado Laudivio Carvalho, estende o porte de armas para outras autoridades como deputados, senadores e agentes de segurança socioeducativos. Também reduz de 25 para 21 anos a idade mínima para a compra de armas no país e retira os impedimentos para que pessoas que respondam a inquérito policial ou a processo criminal possam comprar ou portar arma de fogo.

Contudo, o porte de armas para agentes do Degase seria funcional. De acordo com a Câmara dos Deputados, esse tipo de porte assegura a possibilidade de autoridades portarem arma de fogo em razão do cargo ou função que exercem. Essa licença é válida tanto para armas de uso permitido quanto de uso restrito. O porte funcional tem tempo específico apenas durante o exercício do cargo, função ou mandato, devendo a arma ser devolvida em até 30 dias úteis após o fim da atividade.

A Câmara dos Deputados acrescenta que o porte funcional fora de serviço nos casos em que é permitido apenas o porte duranrte as atividades, só será autorizado se ficar comprovado risco à integridade física. O deputado Felício Laterça explica que dentro do estabelecimento prisional não se pode andar armado, mas fora da unidade o agente teria esse direito. O deputado complementa que a possibilidade seria uma forma de proteção.

"Eu acho mais que necessário. Os agentes lidam com menores que são violentos. A própria falta de maturidade desses menores pode gerar uma reação com relação a esses profissionais. Quando um menor entra no mundo do crime, ele não tem maturidade o suficiente. Logo, os seus atos em regras são impensados, o que deixa os agentes socioeducativos que cuidam deles em uma situação vulnerável. Já passou a hora de conferir o porte de arma para esses agentes que eu entendo que integram a segurança pública", opinou.

Mesmo com a aprovação pela Câmara dos Deputados, ainda não houve uma votação no plenário para poder transformar o substitutivo em lei sancionada. Agentes aguardam a votação no Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda não tem previsão de acontecer, para saber se podem ou não portar armas fora do serviço.

SERVIDORES do DEGASE, manisfestam em frente ao palácio do Guanabara



 

Servidores do Degase, manifestam hoje no palácio da Guanabara.

Parabéns a categoria que esteve presente hoje no Palácio da Guanabara.


Novo surto de violência nas unidades da Fundação CASA deixa feridos. Socioeducadores realizam ato por segurança no trabalho.

 

Na noite de quinta-feira (24) ocorreu uma rebelião no CASA Maestro Carlos Gomes que deixou dois servidores feridos. Alguns adolescentes simularam uma briga e os três servidores de plantão imediatamente tentaram encerrar o conflito, quando foram atacados, imobilizados e agredidos pelos adolescentes, que eram maioria. No final os próprios agentes conseguiram controlar a situação, contudo, dois deles acabaram feridos e foram encaminhados para atendimento hospitalar.

O diretor do SITSESP Erivelton esteve no local para apurar a situação, orientar os servidores e prestar o seu apoio. O diretor também foi até a UPA onde os servidores feridos foram atendidos.

Na manhã desta sexta-feira (25) os socioeducadores realizaram um ato em frente ao Complexo Raposo Tavares pedindo maior segurança no trabalho. Essa foi a segunda rebelião ocorrida na mesma semana, os servidores da Fundação CASA precisam ter suas condições de trabalho garantidas, o baixo efetivo de funcionários é inaceitável. Já passou da hora da Fundação CASA garantir a integridade física e psicológica de seus servidores. É obrigação do estado garantir os recursos necessários para que as medidas socioeducativas possam ser aplicadas com qualidade e segurança, a Fundação CASA precisa melhorar a condição de trabalho dos socioeducadores, tanto para garantir sua segurança, quanto para que as medidas socioeducativas possam ser aplicadas com qualidade para o bem dos adolescentes.