Claudio Aparecido da Silva, o Claudinho, tem 46 anos, é negro, e mora na periferia da Zona Sul da capital paulista. Ouvidoria recebe denúncias da população contra ilegalidades policiais. 'O racismo está muito presente nas abordagens', diz novo ouvidor ao g1.
Por Kleber Tomaz, g1 SP — São Paulo
Ao assumir o cargo, em meados de janeiro de 2023, o novo ouvidor da Polícia de São Paulo, Claudinho Silva, 46 anos, deve anunciar que sua principal meta será a de combater e reduzir o racismo e a violência policial no estado, principalmente contra negros e pobres. Ele também foi vítima desses crimes.
Negro e morador da periferia da Zona Sul da capital paulista, ele pretende se unir a defensores da manutenção das câmeras nos uniformes dos policiais militares. Sua ideia é a de buscar apoio para ampliar o uso do equipamento a todos os batalhões da corporação. Atualmente, o efetivo da PM é de 80 mil agentes e só há 10 mil câmeras operando.
A ouvidoria recebe denúncias por canais digitais e telefônicos e fiscaliza a atividade dos integrantes das forças de segurança estadual e municipal.
No seu radar estão policiais militares, civis, científicos, agentes penitenciários e guardas. A Ouvidoria não investiga os casos, mas tem autonomia para cobrar que os departamentos responsáveis apurem as queixas. Entre os denunciantes está a população, principalmente a negra e periférica, mas também há policiais.
“Eu acho que o racismo está muito presente nas abordagens [policiais]. O racismo é uma coisa muito presente no nosso cotidiano”, falou Claudinho em entrevista ao g1. Ele ou a Ouvidoria não têm poder para decidir sobre o uso das câmeras nos uniformes de PMs, mas podem sugerir a manutenção da medida.
Apesar disso, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que assumirá o governo paulista no ano que vem, e o capitão da PM Guilherme Derrite, que comandará a Secretaria da Segurança Pública (SSP), querem rediscutir o uso das câmeras. Alguns policiais, alguns que se tornaram políticos, têm se posicionado contra elas, alegando que atrapalham o trabalho policial. Outros pediam até o fim da Ouvidoria da Polícia.
Câmeras nos uniformes
Números da Secretaria da Segurança e da PM mostram que as câmeras têm contribuído para reduzir a letalidade policial. O uso de câmeras portáteis nos uniformes de policiais militares de São Paulo evitou 104 mortes, uma redução de 57%, em relação ao período anterior em que a medida entrou em vigor, segundo um estudo divulgado neste mês de dezembro pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Também é o que pensa Claudinho Silva, como prefere ser chamado.
“Eu sou muito favorável a as câmeras. Eu acho que essa é uma política pública que veio para ficar. Não consigo enxergar no horizonte perspectiva de acabar com as câmeras”, disse Claudinho, que pretende conversar com o governo federal para que mais equipamentos estejam nas fardas de PMs. “As câmeras têm provado muita eficácia na defesa e na garantia dos direitos da população, da sociedade. Os policiais que têm usado esses equipamentos, eles são muito menos agredidos, muito menos atacados.”
Claudinho Silva é negro, assim como o atual ouvidor, o advogado Elizeu Soares Lopes. Formado em educação física, ele chegou a dar aulas numa escola municipal como professor.
Mas a sua principal formação não veio da universidade, mas sim das ruas. Ainda criança, Claudinho morou nelas por dois anos, quando pedia esmolas, dormia em rodoviárias e tomava banho em rios. Foi em Vitória, no Espírito Santo, onde fugiu de casa após apanhar da avó. Tinha 10 anos de idade.
Perfil
Negro, como o atual ouvidor, o advogado Elizeu Soares Lopes., Claudinho é formado em educação física, e chegou a dar aulas em uma escola municipal.
Mas a sua principal formação não veio da universidade, mas sim das ruas. Ainda criança, Claudinho morou nelas por dois anos, quando pedia esmolas, dormia em rodoviárias e tomava banho em rios. Foi em Vitória, no Espírito Santo, onde fugiu de casa após apanhar da avó. Tinha 10 anos de idade.
Nesse período chegou a cumprir medidas socioeducativas por seis meses na Fundação Espírito-Santense do Bem-Estar do Menor, a Febem do Espírito Santo. Segundo Claudinho, o que ele fez de errado para ter sido levado até lá foi pedir ajuda a um policial militar depois de ter sido roubado.
“Estava pedindo dinheiro e aí chegou uma turma de outros menores de rua que me roubaram. Vi um policial e pedi para ele me ajudar. Mas ele me olhou, viu que eu era menino de rua e falou para eu parar de encher o saco”, disse.
“Fiquei muito irado e xinguei ele. Virei as costas e tinham 20 policiais me cercando como se eu fosse o bandido mais perigoso de Vitória. Me colocaram dentro e uma viatura e levaram para o juizado. Depois fui encaminhado a Fesbem”.
Como Claudinho não queria voltar a morar com a avó, sua mãe pediu para um parente buscá-lo e trazê-lo de volta ao Jardim São Luis, na Zona Sul de São Paulo. Na capital, ele começou a trabalhar por conta como engraxate. Entrou um dia no 11º Distrito Policial (DP), em Santo Amaro, também na região Sul, onde engraxava os sapatos dos policiais, onde sofreu racismo.
“O investigador-chefe falou alto: ‘Claudinho, a última vez você sujou minha meia. Dá um capricho aí agora, pô, para pelo menos compensar a meia que você sujou’. Uma pessoa que estava passando parou na porta e falou assim: ‘Nem para isso essa raça serve’. Não sei se era policial”, afirmou.
Disco dos Racionais ao papa
Depois disso, ele voltava para casa e encontrou uma folha do Movimento Negro Unificado (MNU) na rua. Decidiu ir a uma reunião. Depois foi a outra, e outra. Quando percebeu, já era amigo dos rappers Dexter e de Edi Rock, do Racionais MC´s, que também participavam dos encontros.
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Do primeiro, foi padrinho de casamento. Do segundo, conseguiu um disco autografado pelos outros integrantes do Racionais, que depois foi entregue pelo então prefeito Fernando Haddad (PT) ao papa Francisco em 2015. A ideia de levar o vinil duplo "Sobrevivendo no Inferno" foi de Claudinho, que à época era coordenador municipal de Políticas para Juventude da Prefeitura de São Paulo.
“O papa é um é um papa do social, é um papa que está muito preocupado com as questões sociais e o maior produto que nós temos na cidade de São Paulo chama-se Racionais MCs. Os caras estão há 30 anos denunciando as mazelas sociais”, lembrou.
Violência policial
Atualmente Claudinho é casado, tem quatro filhos, mora na periferia e é membro do Coletivo Bocada Forte, de Hip Hop. Em 2002, quando fazia campanha para um candidato à eleição contou ter sido vítima de polícias violentos.
“Já fui vítima de violência policial, já teve ocasião de eu chamar a polícia porque alguém estava cometendo um delito”, disse ele, sobre um grupo que estava arrancando cartazes que colava para colocar os do candidato deles. Era um crime eleitoral. Pedi ajuda aos PMs, que resolveram me deter por desacato à autoridade depois de cruzarem os braços e eu reclamar dizendo que iria procurar a Corregedoria da Polícia Militar”.
Segundo Claudinho, quem é negro e periférico é, foi ou será vítima de racismo ou violência policial, “infelizmente”.
“Não tem jeito. Uma pessoa sendo preta, como eu sou, periférico, filho de uma mãe preta, morador de favela, em algum momento da sua trajetória de vida, vai ter algum conflito com a polícia. Não por que ela quer, não por que ela provoca esse conflito, mas por que a polícia que atua na periferia não é a mesma polícia que atua na nas regiões nobres”, disse Claudinho. “É impossível uma pessoa negra da periferia, numa sociedade racista como a gente viu, não ter em algum momento da sua trajetória de vida conflito com as forças de segurança”.
Secretário da Segurança
O futuro secretário da Segurança estadual, capitão Derrite, já defendeu que é "vergonhoso" para um policial não ter ao menos "três ocorrências" por homicídio no currículo. O áudio foi revelado em junho de 2015 pela Ponte Jornalismo.
“É um secretário jovem que acabou de se reeleger deputado federal numa conjuntura é muito difícil da nossa história, de aceno da nossa sociedade para pautas extremamente conservadoras. E que, inclusive, em alguns momentos, são confundidas com pautas fascistas”, disse Claudinho.
"Talvez não tendo as vivências que a gente tem na periferia, ele possa errar ao fazer afirmações desse tipo, especialmente sendo ele é defensor de uma categoria tão criticada na sociedade. Estando na função que está não só com o secretário de Segurança Pública, mas como é homem público, deputado federal, precisa estar aberto ao diálogo e ao debate. Especialmente num contexto democrático”, falou Claudinho.
Escolhido pelo governador
Em 24 de dezembro, o governador Rodrigo Garcia (PSDB) escolheu Claudinho para assumir a Ouvidoria da Polícia até 2024. Ele foi indicado pela Associação Santos Mártires. E disputou a vaga com Alderon Pereira da Costa, sugerido pela Rede Rua, e Renato Simões, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania. O atual ouvidor, Elizeu Soares não entrou na lista tríplice e não conseguiu se reeleger.
O Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos da Pessoa Humana) de São Paulo representou contra o governador Garcia no Ministério Público (MP) por causa da demora em nomear o novo ouvidor. Isso deveria ter ocorrido no fim de 2021.
"O Condepe saúda o novo Ouvidor, na expectativa de que exercerá um mandato comprometido com a defesa da autonomia da Ouvidoria e permanente diálogo com os movimentos sociais", disse o advogado Dimitri Sales, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.
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