Um ano desafiador e intenso. 2022 ficará para a história como o ano do arrefecimento da pandemia da Covid-19, da eclosão da guerra russo-ucraniana, da disputada eleição presidencial brasileira e de uma Copa do Mundo em dezembro. Além disso, também será lembrado, na seara do Direito Trabalhista brasileiro, pelo protagonismo do Supremo Tribunal Federal (STF) no enfrentamento de relevantes pautas trabalhistas, bem como pelos cinco anos da reforma trabalhista.
Em breve retrospectiva de 2022, apresentamos neste artigo os principais acontecimentos que marcaram o Direito Trabalhista brasileiro, abordando importantes julgados nos tribunais superiores e algumas alterações legislativas que merecem destaque e comentando um pouco do legado da reforma trabalhista.
1. Julgados relevantes em 2022
1.1. STF declara a validade de "pejotização"
Em fevereiro, em surpreendente acórdão proferido nos autos da Reclamação (RCL) 47.843, os magistrados do STF reconheceram a validade de contratação de médicos por meio de pessoa jurídica constituída para prestação de tais serviços (fenômeno chamado costumeiramente de "pejotização"), derrubando a decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) proferida em contrário. Para o ministro Alexandre de Moraes, a pejotização é permitida e lícita no nosso ordenamento jurídico quando as pessoas contam com "com alto nível de formação", pois, segundo ele, esse "modelo de contratação é utilizado legalmente, também, por professores, artistas, locutores e outros profissionais que não se enquadram na situação de hipossuficiência".
1.2. STF declara a inconstitucionalidade da ultratividade de normas coletivas trabalhistas
Em maio de 2022, o Plenário Virtual do STF decidiu, por maioria, que são inconstitucionais a Súmula 277 do TST e as decisões judiciais que reconhecem o princípio da ultratividade de acordos e convenções coletivas no âmbito trabalhista. Antes de ser consagrado esse entendimento pelo STF, embora expiradas, as condições previstas nas normas coletivas permaneciam incorporadas ao contrato de trabalho até a celebração de um novo instrumento coletivo. Tal fenômeno — chamado ultratividade de normas coletivas — causava distorções jurídicas, e desincentivava a negociação para celebração tempestiva de novos instrumentos.
1.3. STF reconhece necessidade de participação sindical em negociação coletiva para a dispensa em massa de trabalhadores
Em junho de 2022, por maioria, os ministros do STF firmaram entendimento no sentido de que é essencial a participação da entidade sindical laboral nas negociações por ocasião de uma demissão em massa; contudo, por ter sido considerada uma exigência procedimental apenas, o STF dispensou a obrigatoriedade de obtenção de uma autorização prévia da entidade sindical, ou da celebração do instrumento coletivo refletindo as condições do desligamento.
1.4. STF decide que, respeitado o "patamar mínimo civilizatório", a norma coletiva que restringe direito trabalhista é constitucional
Também em junho, o STF decidiu, por maioria, dar provimento ao Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.121.633, para reconhecer a validade de instrumentos coletivos que limitam ou suprimem direitos trabalhistas, condicionando-os ao respeito de um patamar civilizatório mínimo em favor do empregado. Sobre o tal "patamar civilizatório mínimo", o relator Gilmar Mendes esclareceu que os acordos e convenções coletivas de trabalho não podem reduzir os direitos do empregado a ponto de violar normas constitucionais, normas de tratados e convenções internacionais incorporados ao direito brasileiro, e normas que, mesmo infraconstitucionais, asseguram garantias mínimas de cidadania.
2. Principais modificações legislativas de 2022
2.1. Promulgação da Lei nº 14.442/2022, que dispôs sobre o pagamento de auxílio-alimentação ao empregado e alterou dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
Originária do Projeto de Lei de Conversão (PLV) n.º 21/2022, decorrente da antiga Medida Provisória nº 1.108/2022, a referida lei versa sobre auxílio-alimentação e teletrabalho.
Sobre o auxílio-alimentação, a lei determina que os valores pagos pelo empregador a título de auxílio-alimentação deverão ser utilizados para o pagamento de refeições em restaurantes e estabelecimentos similares ou para a aquisição de gêneros alimentícios em estabelecimentos comerciais, apenas. Além do mais, a lei veda a aceitação de descontos pelos empregadores na seleção dos prestadores de serviço.
Quanto ao teletrabalho, definiu-se o conceito como "prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo". A lei ainda estabeleceu que o comparecimento, ainda que de modo habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas e que exijam a presença do empregado no estabelecimento, não descaracteriza o regime de teletrabalho ou trabalho remoto.
2.2. Promulgação da Lei nº 14.457/2022, que instituiu o Programa Emprega+ Mulheres e promoveu alterações na CLT
É importante destacar a Lei nº 14.457/2022, convertida em lei a partir da Medida Provisória nº 1.116/2022, que instituiu o Programa Emprega+ Mulheres para inserção e manutenção de mulheres no mercado de trabalho e visa amparar o papel da mãe na primeira infância dos filhos e qualificar mulheres em áreas estratégicas.
Em síntese, as principais medidas apresentadas pela Lei nº 14.457/2022 são as seguintes:
2.2.1. Apoio à parentalidade na primeira infância: Previsão de pagamento de reembolso-creche com comprovação das despesas realizadas; manutenção ou subvenção de instituições de educação infantil pelos serviços sociais autônomos; e estímulo ao microcrédito para mulheres.
2.2.2. Flexibilização do regime de trabalho para apoio à Parentalidade: Terão preferência os(as) empregados(as) com filho, enteados ou criança sob guarda judicial com até 4 anos de idade para: teletrabalho; regime de tempo parcial; regime especial de compensação de jornada de trabalho por meio de banco de hora; jornada de 12 (doze) horas trabalhadas por 36 (trinta e seis) horas ininterruptas de descanso, quando a atividade permitir; antecipação de férias individuais; horários de entradas e de saída flexíveis.
2.2.3. Medidas Para Qualificação de Mulheres Em Áreas Estratégicas: Suspensão do Contrato de Trabalho para Qualificação Profissional; estímulo à ocupação das vagas em cursos de qualificação dos serviços sociais nacionais de aprendizagem por mulheres e priorização de mulheres hipossuficientes vítimas de violência doméstica e familiar.
2.2.4. Apoio ao Retorno ao Trabalho Após o Término da Licença-Maternidade: Suspensão do contrato de trabalho de pais empregados para acompanhamento do desenvolvimento dos filhos; flexibilização do usufruto da prorrogação da licença-maternidade, para mais 60 (sessenta) dias entre a empregada e o empregado requerente, desde que ambos sejam empregados de pessoa jurídica aderente ao Programa Empresa Cidadã (Lei nº 11.770/2008).
2.2.5. Medidas de prevenção e de combate ao assédio sexual e a outras formas de violência no âmbito do trabalho: As empresas com Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipa) terão que implementar medidas de prevenção e de combate ao assédio sexual, como promover a inclusão de regras de conduta a respeito de assédio sexual e de outras formas de violência. Ainda, o programa criou o Selo Emprega+ Mulher, que atribui um reconhecimento para as empresas que adotarem medidas para provimento de creches e pré-escolas aos filhos de seus empregados, além de proporcionar e viabilizar a contratação de mulheres para postos de liderança e a criar meios para ascensão profissional delas, dentre outros benefícios que podem ser oferecidos pela empresa.
3. Legado da reforma trabalhista
Após cinco anos, é possível fazer um balanço da promulgação da Lei 13.467, de 2017, também conhecida como reforma trabalhista. Introduzida durante o governo do presidente Michel Temer, a referida lei foi a maior modificação legislativa na seara trabalhista do nosso passado recente, com mais de cem dispositivos da Consolidação das Leis do trabalho (CLT) alterados.
A modernização da CLT trouxe mudanças importantes, das quais podemos destacar: (a) o desincentivo às iniciativas aventureiras na Justiça do Trabalho, levando à redução de processos trabalhistas; (b) a prevalência do negociado sobre o legislado, valorizando a autonomia da vontade das partes; e (c) enfraquecimento das entidades sindicais, com a abolição do imposto sindical e com a dispensa de homologação sindical de rescisões contratuais.
Contudo, não obstante as leis trabalhistas terem sido modificadas, as súmulas e demais entendimentos dos tribunais superiores parecem não ter acompanhado o espírito da modernização, causando dúvidas e/ou interpretações diversas quando da análise dos casos pelos magistrados. Assim, na prática, se observa que algumas alterações introduzidas pela reforma trabalhista não estão sendo adotadas dada a insegurança jurídica que ainda impera. Exemplo disso é o próprio contrato intermitente, objeto de inúmeras contestações judiciais as quais ainda estão em tramitação e sem um desfecho.
4. Expectativas para 2023
Existe grande expectativa com relação às pautas que serão adotadas a partir de 2023. Expomos a seguir alguns temas que provavelmente serão objeto de repercussão no próximo ano, dentre eles:
4.1. Julgamento pelo STF de inclusão no polo passivo, na fase de execução, de empresa integrante de grupo econômico que não participou da fase de conhecimento
Em setembro, o STF reconheceu a existência de repercussão geral do RE 1.387.795, que trata da possibilidade de inclusão no polo passivo da lide, na fase de execução trabalhista, de empresa integrante de grupo econômico que não participou da fase de conhecimento.
4.2. Revisão de reforma trabalhista
O governo eleito já se manifestou no sentido de que pretende realizar ajustes à reforma trabalhista, especialmente no tocante ao trabalho intermitente, à ultratividade nas normas coletivas, e autorização para celebração de acordos entre empregado e empregador sem intervenção de entidade sindical.
4.3. Regulamentação de prestação de serviço por aplicativo
A equipe do governo eleito sinalizou que pretende regular o trabalho dos prestadores de serviços com uso de aplicativos de entrega de mercadorias ou transporte individual ou compartilhado privado. Atualmente, tramita no Congresso o Projeto de Lei n° 1615, de 2022, de autoria do senador Jorge Kajuru, que versa sobre a matéria, estabelecendo limites e regras para esta modalidade de trabalho.
A questão é extremamente controversa e provoca grande discussão doutrinária e jurisprudencial quanto à natureza do trabalho (quanto à caracterização do vínculo de emprego ou não), na medida em que, embora se trate à primeira vista de uma modalidade de trabalho autônoma e sem uma aparente subordinação jurídica, as condições pelas quais os serviços são prestados abrem margem a dúvidas.
4.4. Marco Legal do Stock Options
É bastante aguardada a aprovação do Projeto de Lei nº 2.724, de 2022, também conhecido como Marco Legal do Stock Options, que pretende regular os Planos de Outorga de Opção de Compra de Participação Societária. A ideia é que a regulamentação da matéria traga maior segurança jurídica para os empregadores que desejam adotar o stock options como um dos benefícios oferecidos aos seus empregados, atraindo e retendo talentos.
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