Inegável que após a definição do Tema 1046 de Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal, julgado em junho de 2022, surgiram novos contornos entre os entendimentos jurídicos acerca da temática.
Mesmo antes da definição pelo E. STF da questão em torno da prevalência do negociado sobre o legislado, não eram raras as negociações coletivas que, através de Acordos ou Convenções Coletivas, delimitavam regras pertinentes ao adicional de insalubridade, especialmente quanto ao seu grau de enquadramento para cada categoria profissional.
É certo que a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) alavancou ainda mais a discussão, pois o atual artigo 611-A da CLT, notadamente no seu inciso XII, passou a permitir, desde então, que os entes coletivos negociassem o "enquadramento" do grau de insalubridade. Porém, em sentido contrário, o art. 611-B, no inciso XVIII, da CLT passou a proibir que as negociações coletivas atinjam, a ponto de suprimir ou reduzir, "o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas".
Ora, apesar de parecer um imbróglio jurídico, não há, em realidade, efetiva contradição entre os dois artigos celetistas supracitados, especialmente porque ambos disciplinam os limites da negociação coletiva.
Com efeito, a redação do art. 611-A, em seu inciso XII, é clara ao permitir que os entes coletivos negociem o "enquadramento" do grau de insalubridade. Já a regra do art. 611-B, inciso XVIII, coloca um limite em tal negociação, visando, em última análise, proibir a própria exclusão do adicional via negociação coletiva (supressão), ou ainda, que tais entes pactuem adicionais menores para cada grau delimitado na legislação - mínimo, médio ou máximo (redução).
Exemplificando: a regra do art. 611-A, inciso XII, da CLT, autoriza que uma determinada categoria negocie em qual grau será pago o adicional de insalubridade pelos empregadores atingidos pela norma coletiva. Assim, hipoteticamente, poderia o Sindicato dos Metalúrgicos, através de um ACT, fixar que para todos os metalúrgicos de determinada base territorial seja pago, além do salário base, adicional de insalubridade em grau médio (20%).
Em sentido inverso, o que não pode ocorrer, a partir da análise do art. 611-B da CLT, é que no mesmo exemplo do Sindicato dos Metalúrgicos acima citado um ACT vier a fixar a não incidência de insalubridade para as atividades dos seus representados (supressão), ou, ainda, fixar um percentual menor do grau de insalubridade - v.g., um ACT que fixaria a incidência do grau máximo em 30% (redução).
Lembrando que a tese vinculante do Tema 1046 de Repercussão Geral da Suprema Corte declarou que "são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".
Outra problemática interpretativa surge quando ressaltamos que o adicional de insalubridade é um direito social previsto no rol do artigo 7º, XXIII, da CF (XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei). Logo, estaria o adicional de insalubridade enquadrado na exceção prevista pelo E. STF no rol de "direitos absolutamente indisponíveis"?
Salvo melhor juízo, não nos parece a intepretação mais correta. Inquestionável que o adicional de insalubridade é um direito social garantido constitucionalmente, sendo que sua supressão e/ou redução são vedadas pela própria redação do art. 611-B da CLT.
Ocorre que a regra do inciso XII do art. 611-A da CLT busca a permitir um melhor enquadramento do grau da insalubridade via negociação coletiva válida. Portanto, é forçoso concluir que o termo "enquadramento" do grau é convergente com o trecho final do inciso XXIII do art. 7º da CF, quando delimita a regulamentação do adicional "na forma da lei". É uma norma constitucional chamada de programática, pois remete o disciplinamento da proteção para legislação infraconstitucional.
Assim sendo, pode-se afirmar que a questão de fundo aqui debatida está relegada ao campo infraconstitucional, notadamente porque é o art. 192 da CLT que traz a expressa previsão de cada grau de insalubridade. E, mais, é importante ressaltar o reconhecimento das negociações coletivas, o qual também é previsto no rol de direitos sociais do art. 7º, XXVI, bem como amparado está no art. 8º, III, ambos da Constituição Federal.
Não há dúvidas, portanto, que a jurisprudência do STF prestigia e, ao mesmo tempo, tem valorizado cada vez mais a negociação coletiva. Além da própria solução dada ao Tema 1046, ainda nesse ano o Supremo referendou a necessidade de participação sindical em casos de dispensas em massa - Tema 638, como também proferiu relevante decisão que declarou inconstitucional a ultratividade da pactuação coletivamente - ADPF 323.
Este novo cenário jurisprudencial dá forte respaldo valorativo às negociações coletivas, tendo como marco a autonomia da vontade dos entes coletivos, prevalecendo o negociado sobre o legislado, desde que, claro, sejam respeitadas as garantias constitucionais mínimas.
Entretanto, os Tribunais Regionais do Trabalho estão divergindo fortemente sobre o assunto, podendo-se citar, a título de exemplo, dois entendimentos distintos: um deles favorável a possibilidade de pactuação coletiva sobre o grau de insalubridade oriundo do TRT da 13ª região (autos: 0000446-78.2021.5.13.0034, data: 30/03/2022; Órgão Julgador: 1ª Turma; Relator: Thiago de Oliveira Andrade); e outro, totalmente contrário, coibindo a pactuação coletiva sobre esse tema e que é proveniente do TRT da 12ª região (autos: 0000057-68.2021.5.12.0019; data: 19/10/2022; Órgão Julgador: 1ª Câmara; Relator: Roberto Luiz Guglielmetto).
De certa forma, essa discrepância de entendimentos no cenário nacional é preocupante e devemos objetivar a resposta do Tribunal Superior do Trabalho da forma mais célere possível, pois a segurança jurídica pode estar em xeque se as negociações coletivas começarem a sucumbir na esfera judicial. A prevalecer esse cenário divergente na jurisprudência trabalhista, em breve teremos um desinteresse em futuras negociações pela parte patronal, afetando sensivelmente os benefícios coletivos concedidos à classe de trabalhadores, já que uma negociação é fruto do trabalho e da concessão mútua dos envolvidos.
A conclusão a que se chega é que, exceto nos casos em que houver afronta ao padrão civilizatório mínimo assegurado constitucionalmente, será sempre prestigiada a autonomia da vontade coletiva consagrada pelo art. 7º, XXVI, da CF, inclusive no tocante ao enquadramento do grau de insalubridade que será pago para uma determinada categoria via negociação coletiva válida.
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Ricardo Calcini é coordenador acadêmico do projeto "Migalha Trabalhista" (Portal Migalhas). Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Pós-Graduado em Direito Processual Civil (EPM TJ/SP) e em Direito Social (Mackenzie). Professor de Direito do Trabalho da FMU. Professor Convidado de Cursos Jurídicos e de Pós-Graduação (FADI, ESA, EPD, Damásio, IEPREV, Católica de SC, PUC/PR, Ibmec/RJ, FDV e USP/RP). Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Autor do livro "Prática Trabalhista nos Tribunais: TRT's e TST" - Mizuno (1ª Edição, 2021). Coautor do livro "Manual de Direito Processual Trabalhista" - Mizuno (1ª Edição, 2021). Organizador das obras "Relações Trabalhista e Sindicais - Teoria e Prática" - Mizuno (1ª Edição, 2021), "LGPD e Compliance Trabalhista" - Mizuno (1ª Edição, 2021) e "Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada" - Mizuno (2ª Edição 2021). Coautor do livro "Execução Trabalhista na Prática" - Mizuno (2ª Tiragem, 2021). Coordenador do livro digital "Nova Reforma Trabalhista" (Editora ESA OAB/SP, 2020). Organizador das obras coletivas "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista" (Editora LTr, 2ª tiragem, 2020) e "Reforma Trabalhista na Prática: Anotada e Comentada" (Editora Mizuno, 2019). Coordenador do livro digital "Reforma Trabalhista: Primeiras Impressões" (Editora Eduepb, 2018). Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (GETRAB-USP), do GEDTRAB-FDRP/USP e da CIELO LABORAL.
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