quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Ações trabalhistas envolvendo terceirizadas e órgãos públicos crescem 75% em 2022 no RS

 


Maioria dos problemas resulta da falta de pagamentos salariais ou multas rescisórias, motivadas pelo fim do contrato entre a empresa e o poder público 

  
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GZH acompanhou uma audiência de mediação na sede do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região , na segunda-feira (26)
GZH acompanhou uma audiência de mediação na sede do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região , na segunda-feira (26)

O ano de 2022 foi de inúmeros impasses envolvendo trabalhadores e terceirizadas que prestam serviços a órgãos públicos gaúchos. Conforme dados do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), solicitados por GZH, o número de ações trabalhistas movidas contra essas empresas, juntamente ao governo do Estado ou municípios, cresceu 75% em relação ao ano anterior. 

Levando em consideração apenas casos em que o Executivo estadual é réu, foram 775 processos em primeira instância que chegaram à Justiça do Trabalho de janeiro até a terceira semana de dezembro — 34,7% a mais do que os 575 registrados em 2021. Em relação a prefeituras, o aumento é ainda mais expressivo: são 2.397 ações movidas neste ano contra 1.228 no ano anterior, o que representa um crescimento de 95,2%. 

Durante o mês de dezembro, GZH noticiou diferentes casos de terceirizadas que apresentaram atrasos salariais (veja na barra de destaques abaixo). As empresas justificam que não têm recebido repasses dos órgãos públicos. Já os contratantes alegam que os prestadores não entregam a documentação prevista no contrato, o que impediria que as verbas fossem enviadas (confira como os repasses são feitos no final desta reportagem).

As reclamações de trabalhadores terceirizados representam apenas 2,9% dos 108,6 mil processos demandados ao TRT4 no Estado ao longo de 2022, no entanto, costumam ser recorrentes, principalmente no final do ano. Segundo o vice-presidente do tribunal, desembargador Ricardo Martins Costa, a maioria dos problemas resulta da falta de pagamentos salariais ou multas rescisórias, motivadas pelo fim do contrato entre a empresa e o poder público. 

— Algumas empresas acabam vencendo a licitação para assumir um serviço, mas não possuem fluxo de caixa suficiente, e passam a depender diretamente do valor proveniente do contrato. Quando ele se encerra, o que costuma ocorrer ao final do ano, a prestadora some e deixa de pagar os direitos a seus funcionários — explica. 

Em outras situações, modificações contratuais geram atrasos no cumprimento das demandas do contratado, o que também acarreta na ausência de repasses. No entanto, ainda de acordo com o desembargador, o órgão público também possui responsabilidade pelo atraso nos pagamentos. 

— A empresa é a responsável direta com os trabalhadores, pois é ela que deve pagar os funcionários. A relação entre terceirizada e governo é administrativa. Mas cabe ao poder público fiscalizar se o contrato está sendo cumprido corretamente. Portanto, se há alguma falha nesse processo, indiretamente o prestador tem de responder também — afirma.

No caso do governo do Rio Grande do Sul, o Executivo garante que as fiscalizações têm sido cumpridas com rigidez. Conforme a procuradora do Estado Andreia Über, que atua na área trabalhista, além de monitorar o cumprimento dos contratos, o principal desafio tem sido garantir, já no processo de licitação, que a vencedora não venha a apresentar irregularidades durante a validade do contrato. Ela aponta que muitas trocam de nome para assumir outros serviços.

— Estamos tentando melhorar o ingresso dessas empresas para buscar aquelas que tenham condições de manter esses contratos e respeitar os direitos trabalhistas. Costumamos atuar junto a outros órgãos em ações de improbidade administrativa em empresas com histórico de irregularidades que mudam de nome para poder assumir outros contratos — relata Andreia. 

Na justificativa das empresas, o problema da falta de pagamento é gerado principalmente por problemas no orçamento público. Um advogado que representa terceirizadas, mas que preferiu não se identificar, alega que o Executivo nem sempre está disposto a realizar os repasses de forma integral. 

— Geralmente, no final do ano, o orçamento do Estado reduz. Então, eles passam a parcelar e empurrar os pagamentos. Isso vem acontecendo com uma série de terceirizadas, que muitas vezes não conseguem ficar tantos dias sem receber — argumenta. 

Em contrapartida, o Estado ressalta que os contratos firmados prevem que, mesmo que o Executivo não repasse o valor integral de um determinado mês, a empresa tem um prazo de 90 dias para manter os ressarcimentos em dia.  

Para o sociólogo Clemente Ganz, diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e especialista em relações de trabalho, o aumento dessas situações é resultado do enfraquecimento das leis trabalhistas ao longo dos anos. 

— Há um processo de ampliação da terceirização nos últimos 20 anos. Nesse período, não havia legislação adequada para lidar com essas relações. A reforma trabalhista de 2017 buscou solucionar esse problema, mas acabou dando mais direitos às empresas e acabou desprotegendo os trabalhadores, resultando em uma série de problemas nos direitos trabalhistas — opina Ganz. 

Mediações também aumentam 

Para além das ações individuais, a Justiça do Trabalho busca outras maneiras de resolver os impasses, sem que haja a necessidade de um processo judicial. As mediações costumam reunir todas as partes envolvidas em uma situação de desacordo salarial para se chegar a um acordo verbal. As audiências envolvendo prestadoras de serviço com o poder público também obtiveram crescimento em 2022. Foram realizadas 13 sessões contra nove em 2021, resultando em um aumento de 45%. 

GZH acompanhou uma dessas mediações na tarde da última segunda-feira (26). Merendeiras que atuam em escolas da rede estadual alegam que não receberam parte do salário de novembro, incluindo vale-transporte e vale-alimentação. A empresa Benetton, responsável pelos 212 empregados, alega que atrasos foram causados por problemas nos repasses da Secretaria Estadual da Educação (Seduc). 

Uma primeira audiência já havia realizada na semana anterior com o objetivo de concretizar o pagamento das trabalhadoras, mas não houve acordo. Na reunião seguinte, ficou definido que uma nova sessão será realizada na quinta-feira (29), para que a empresa apresente uma proposta de pagamento dos seus empregados.

A GZH, a Seduc garantiu que todos os contratos estão em dia e que não há dívidas com a prestadora. Já a defesa da Benetton alega, em nota à reportagem, que está à disposição para levantar todos os dados referentes aos trabalhadores para enviar uma proposta, mas salienta que segue sem receber todos os valores necessários do governo gaúcho.

Como funciona o repasse de verbas do órgão público para a terceirizada: 

  • Após vencer licitação para assumir um serviço, a empresa assina um contrato com o poder público contendo uma série de condições que devem ser cumpridas; 
  • A prestadora de serviço envia mensalmente uma série de documentos previstos no contrato; 
  • Os documentos são analisados pelo setor administrativo; 
  • Caso toda documentação esteja correta, é viabilizado o valor que será repassado à empresa;

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