06/09/20 por Caê Vasconcelos
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“Se o sentido é preservar a saúde do adolescente e do funcionário você não pode aglomerar esses jovens”, aponta assistente social
Três unidades da Fundação Casa foram fechadas no extremo leste da cidade de São Paulo no último mês. Os adolescentes internados nesses locais foram encaminhados para centros bem distantes de suas famílias. Quem traz a denúncia à Ponte é uma assistente social, que pediu para não ser identificada por temer represálias.
Segundo dados divulgados pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) nesta quarta-feira, nos últimos 30 dias, o sistema socioeducativo registrou um aumento de 33,9% nos casos de contaminação de coronavírus no Brasil: o registro é de 3.593 casos da doença.
Desses 848 casos são de adolescentes internados, sem registros de óbitos, e 2.745 casos entre funcionários, com 19 mortes. O estado de São Paulo registra mais casos em números absolutos. Entre os funcionários o número é de 751 casos confirmados e 245 entre os adolescentes internados.
Veja os dados completos do CNJ
As unidades fechadas na capital de SP são Costa Norte, Fazenda do Carmo e Vila Nova Conceição. Inicialmente, aponta a assistente social, os funcionários acharam que diminuição no número de internações tinha a ver com a decisão do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que determinou que os juízes libertem alguns adolescentes e suspendam novas internações na Fundação Casa como forma de evitar a proliferação do coronavírus.
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Mas perceberam que não se tratava apenas disso. “Aí veio a informação sobre o fechamento dos centros e passamos a acompanhar as transferências dos jovens, no sentido de monitorar a ida desses adolescentes e avisar as famílias, mas não pudemos expor a nossa opinião de para onde eles iriam”, aponta a assistente social.
Jovens que estavam apreendidos na unidade de Ferraz de Vasconcelos, na região de Suzano, na Grande SP, por exemplo, foram encaminhados para Santo André, também na Grande SP, uma distância de mais de 37 km.
Isso, afirma a assistente, fere o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) — previsto no artigo 124 — e o Senase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), já que os adolescentes precisam ficar perto dos familiares.
“Nesse momento as visitas estão suspensas, os contatos estão sendo feitos de forma telefônica, mas quando voltar as visitas sabemos o quanto essa família vai ter dificuldade, vai ter que sair de um município para outro município distante. Dificuldade financeira e de locomoção, porque as visitas são aos fins de semana, quando o transporte público é mais difícil de acessar do que durante a semana”, denuncia a funcionária.
Essa também é a visão do advogado Ariel Castro, conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana). “A Fundação Casa não pode descumprir o artigo 124 do ECA. Quando retomarem visitas, a distância gerará prejuízo aos familiares e internos”.
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Ariel explica que as unidades de internação, em geral, estão mais estruturadas na área de saúde do que o sistema prisional. “Mas, mesmo assim, os números de contaminações são altos, já que o Estado não garante os utensílios de prevenção aos funcionários e internos, como máscaras, álcool em gel, sabonetes, entre outros”.
Para a assistente social, os fechamentos causam aglomerações nas unidades. “O centro que nós estávamos tinha capacidade para 40 adolescentes e tinham 14 e a justificativa foi que não dava para manter o centro, mas estamos em uma pandemia, um momento atípico, algo que ninguém esperava”.
“No interior e no litoral também tivemos o fechamento de alguns centros. Estamos bem preocupados para saber até onde vai esses fechamentos. Se você for parar para pensar que na pandemia não pode ter aglomeração, e por isso as visitas foram suspensas, tirar adolescentes de três unidades para colocar em duas unidades, que foram encaminhados para Santos André e Guaianases, eles estão em locais aglomerados”, lamenta.
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Com isso, continua a funcionária da Fundação Casa, os adolescentes e os funcionários serão prejudicados. “Se o sentido é preservar a saúde do adolescente e do funcionário você não pode aglomerar esses jovens em outros centros”.
“Não sabemos se isso vai ter impacto no processo judicial por conta das transferências, tinha adolescente que eu estava preparando para, no próximo trimestre, fazer conclusivo e sabemos que varia de técnico para técnico, porque ele não conhece, ele não tem vínculo, o que ele vai escrever sobre esse adolescente?”, questiona.
Com as transferências os funcionários também foram prejudicados. Para a assistente social isso aponta para o “desmonte” para a “privatização” das unidades da Fundação Casa. “Foi falado que nem os adolescentes nem os funcionários teriam prejuízos, mas funcionários foram enviados para locais a mais de 60 km de distância.
“Mas funcionários de Poá foram transferidos para Vila Leopoldina [zona oeste da cidade de São Paulo], funcionários que moram em Mogi das Cruzes [município na Grande SP] foram transferidos para São Bernardo do Campo [Grande SP], funcionários que moram na região leste e foram transferidos para a Raposo Tavares [zona oeste]”, afirma.
Para o médico sanitarista Daniel Dourado, advogado e integrante do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da USP (Universidade de São Paulo), a ausência do tipo de teste feito no sistema socioeducativo é prejudicial para qualidade do dado.
“Eles não dizem que tipo de teste que foi usado, então não sabemos se teve a ver com uma mudança de algum protocolo, que teste eles estão fazendo, se é diagnóstico ou sorológico. Essas informações são importantes para saber se estamos vendo uma fotografia de momento mostrando que aumentou por conta de maior contato ou se é alguma alteração de método”.
Muitos motivos, inclusive a aglomeração, podem ser focos de disseminação do vírus, explica Dourado. “É possível que o aumento venha das transferências, mas também da situação precária de higiene. Se na população em geral não tem tido certo cuidado, que dirá na população carcerária. É difícil alguma pressão mudar a prática”.
O que diz a Fundação Casa
Em nota enviada por e-mail, a Fundação Casa informou que “a suspensão de atividades nos centros socioeducativos Vila Conceição, Fazenda do Carmo e Encosta Norte, localizados na Zona Leste da Capital Paulista, é parte de um aprofundado estudo das estruturas da Fundação”.
“Esse estudo surgiu de uma necessidade da otimização de recursos financeiros, humanos e materiais gerada, principalmente, pela pandemia de Covid-19. É importante ressaltar que esses espaços socioeducativos poderão ser reativados a qualquer momento, se o aumento da demanda de internações o exigir”, continuou a nota.
Os fatores que levaram a suspensão de atividades desses centros, explicou a Fundação em nota, foram a “baixa ocupação, localização, necessidade de melhoria da estrutura física e existência de outros centros nas proximidades com muitas vagas em aberto (Itaquera, Guaianases e Brás)” e a Fundação também afirma que “não se registrou qualquer prejuízo aos adolescentes e aos servidores, sendo que reclamações pontuais foram prontamente resolvidas”.
A nota também afirmou que “todos os centros da Fundação operam com a população reduzida em todo o Estado de São Paulo. Nos 134 centros socioeducativos espalhados no Estado há 8.666 vagas disponíveis” e, até esta sexta-feira (4/9), “atende em seus espaços somente 4.514 jovens. Portanto, não há superlotação”.
A Instituição também apontou que os três centros socioeducativos em funcionamento, na zona leste da cidade, estão abaixo de suas capacidades. “São 196 vagas disponíveis e atende somente 109 adolescentes. Há um excedente de 87 vagas na região. Capacidade do CASA Itaquera 100, atende 52 jovens; CASA Guaianases I pode atender 44 jovens, atende 30; CASA Guaianases II tem capacidade para 52, atende somente 27”.
Sobre os jovens que foram transferidos dos centros socioeducativos que suas atividades foram suspensas, a Fundação Casa informou que a decisão foi tomada em conjunto com o Judiciário, levando “em conta a proximidade de seus domicílios de origem quando da sua internação”.
Aos funcionários, continuou a Instituição em nota, foi oferecida a possibilidade de escolha de até três opções de transferência para sua realocação, em locais preferencialmente próximos às suas residências.
O combate ao coronavírus nas unidades paulistanas da Fundação Casa, afirmou a nota, tem sido feito diariamente, que adquiriu álcool em gel, luvas, avental, sabão, oxímetro, termômetro infravermelho e máscaras descartáveis e de tecido para os adolescentes e os funcionários.
“Todo adolescente que entra no sistema socioeducativo, tendo ou não sintomas de Covid-19, é colocado em isolamento, em local provisório, recebendo orientações quanto à higienização, distanciamento e uso de máscaras, protocolos de saúde usados pela Fundação visando evitar a disseminação entre os demais jovens e servidores”.
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