SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governo João Doria (PSDB-SP) afrouxou a regra que coibia os atrasos dos funcionários na Fundação Casa, a antiga Febem, que abriga adolescentes infratores.
Até então, o funcionário que no decorrer de dois meses consecutivos superasse o limite de 120 minutos de atraso poderia sofrer advertências e até mesmo suspensão, além de desconto no salário.
No final de julho, o secretário da Justiça e Cidadania, Paulo Dimas Mascaretti, assinou portaria revogando a norma. O novo ato não estabeleceu nenhum limite.
A regra foi abolida no contexto da campanha por renegociação salarial da categoria. O sindicato que representa os funcionários da Fundação Casa argumentou que a portaria anterior não estava de acordo com a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), pois implicava em dupla punição --desconto salarial proporcional e abertura automática de processo administrativo que podia, em última instância, levar a uma demissão por justa causa.
Angela Santos, diretora do sindicato que representa os trabalhadores da Fundação Casa, diz que a categoria vinha pedindo o perdão dos processos administrativos dos últimos 12 meses. Segundo ela, intercorrências no percurso dos funcionários ao trabalho e também as dificuldades inerentes ao exercício da função na instituição explicam o "enorme número" de processos administrativos.
"O secretário disse que não poderia rever os processos do passado, mas que poderia rever as normativas, que é o que está fazendo", afirma Santos.
"Temos um número muito maior de afastamentos no comparativo com funcionários de outras áreas. Há um número grande de problemas de saúde. É um trabalho bastante estressante, o que implica em muitas licenças por questão de estresse pós-traumático", completa, acrescentando que imprevistos no transporte público também ajudam a explicar os atrasos de funcionários.
Desde pelo menos 2012, segundo verificou a reportagem, a instituição, que hoje tem 11.359 servidores ativos, estabelecia sanções disciplinares para quem acumulasse atrasos. A reportagem pediu à Secretaria de Justiça da gestão Doria o número atual de processos administrativos referentes a atrasos e recebeu resposta de que o órgão não tem esses dados.
Até o final do ano passado, segundo apurou a reportagem, existiam 898 processos administrativos referentes a atrasos e faltas injustificadas.
Em processos disciplinares, a Fundação Casa afirmava que os atrasos "prejudicavam a ordem e disciplina interna" da instituição.
O secretário Dimas Mascaretti afirmou, em nota encaminhada à reportagem, que a Fundação Casa passa por um processo de reestruturação.
Entre as ações e projetos em implantação, diz, está a "gestão humanizada", programa que, segundo o secretário, tem por foco "a valorização, a capacitação e a motivação do quadro de servidores".
No texto, Dimas ressalva que os atrasos continuam sendo integralmente descontados dos salários. "A portaria editada tão somente afastou regra que vinculava estas ocorrências à abertura automática de procedimento administrativo para aplicação de sanção disciplinar", diz.
Segundo ele, a possibilidade de instauração de processo administrativo por atraso permanece. O gestor de cada unidade pode, mediante justificativa, "solicitar à Corregedoria a abertura de sindicância se entender pela caracterização de infração funcional".
O secretário diz que a mudança não representa prejuízos para a instituição e tem por escopo a otimização de nossos recursos humanos. "Como apontam estudos sobre boas práticas de gestão, a melhoria do clima organizacional reflete diretamente na eficiência do serviço prestado", afirma.
A mudança chama a atenção por acontecer no âmbito da gestão de João Doria, que tem utilizado o combate aos atrasos de agentes públicos como ferramenta para construir sua imagem de administrador rigoroso.
Importando mecanismos de controle que diz ter aprendido e aplicado na iniciativa privada, Doria prega a intolerância a atrasos desde que assumiu a Prefeitura de São Paulo, em 2017.
Em contraposição ao que aponta como letargia do setor público, o agora governador de São Paulo tem aplicado multas aos secretários que o acompanham. A ideia surgiu no segundo dia de mandato no município paulistano, quando a então secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, Soninha Francine, chegou 40 minutos atrasada a um evento de limpeza urbana. Incomodado, Doria criou a punição pecuniária.
As multas continuam a ser aplicadas na administração estadual. Segundo levantamento da Fiquem Sabendo, agência de dados especializada na Lei de Acesso à Informação, até o começo de agosto o secretário estadual que mais pagou multas foi Alexandre Baldy, de Transportes Metropolitanos, que se atrasou para três reuniões em fevereiro. Ele teve que desembolsar R$ 1.400.
Também se atrasaram para encontros os secretários Rodrigo Garcia (Governo, além de ser vice-governador) e Rossieli Soares (Educação), além do presidente do Fundo Social Filipe Sabará.
Para a advogada Mônica Sapucaia Machado, doutora em Direito Político e Econômico e especialista em direito administrativo, os funcionários fazem uma demanda justa e é compreensível que sejam atendidos pelo governo do Estado. Ela pondera, no entanto, que alguma solução de gestão deve ser encontrada para evitar os atrasos.
"A reivindicação dos funcionários é válida, mas não é justificativa exclusiva e não encerra o debate. Como o número de atrasos é colocado como alto pelo sindicato, isso mostra que a política anterior não estava surtindo o efeito esperado e provavelmente está criando um grande volume de processos administrativos que viraram processos judiciais", diz Machado.
"Mas agora o governo tem que pensar em uma nova política de gestão. O ideal é que dialoguem agora com o sindicato e construam um modelo em conjunto para resolver o problema de forma que diminuam os atrasos sem gerar novos problemas parecidos."
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