Estudo do BTG aponta que redução nos pagamentos pode passar de 40%

Por  — Do Rio

 


Luiza Oswald: “A insegurança jurídica está gerando temor de investir e gerando reprecificação geral” — Foto: Leo Pinheiro/Valor
Luiza Oswald: “A insegurança jurídica está gerando temor de investir e gerando reprecificação geral” — Foto: Leo Pinheiro/Valor

A retirada dos precatórios do cálculo do teto de gastos do governo federal em 2026 mobilizou as atenções entre as mudanças da PEC dos Precatórios (66/2023), mas é a nova regra de pagamento dessas dívidas para estados e municípios que está assustando advogados e gestores de fundos que investem em ativos judiciais. O texto limita o pagamento conforme o estoque em atraso e pode triplicar o prazo para o dinheiro chegar aos credores, calcula Luiza Oswald, sócia responsável pela área de fundos de “special situations” da JGP.

Diante do cenário, a negociação desses papéis no mercado secundário está congelada e os preços despencaram, diz Khalil Kaddissi, responsável pela área na Oriz Partners. Ele dá como exemplo um precatório do governo de São Paulo, cuja cotação de negociação caiu de 45% do valor de face para 25% após a aprovação da PEC. “A insegurança jurídica está gerando temor de investir em precatórios e gerando uma reprecificação geral”, afirma Oswald.

Estudo do BTG Pactual mostra que, caso as novas regras já estivessem em vigor, estados e municípios teriam pago R$ 12,9 bilhões a menos no ano passado, o que corresponderia a um desembolso de apenas R$ 17,8 bilhões, frente aos R$ 30,7 bilhões realizados, uma queda de 42%. Com isso, o relatório estima que, ao longo dos próximos dez anos, o estoque de precatórios em atraso poderá ultrapassar R$ 880 bilhões caso as novas regras sejam aprovadas. No total, ainda segundo o texto, o estoque de precatórios subnacionais em atraso chegou a R$ 193 bilhões ao fim de 2024, sendo R$ 110,4 bilhões de responsabilidade dos estados e R$ 82,9 bilhões, dos municípios.

Outra mudança prevista na PEC é a substituição da Selic por IPCA mais juros simples de 2% ao ano na atualização dos valores. Se no mesmo período a taxa básica de juros for menor, será aplicada a Selic. “Vai ser uma corrida contra o tempo, e o que ficar de fora não terá correção adequada até sair o pagamento”, resume Oswald. “A tendência é que a discussão vá ao STF”, avalia ela.

A PEC passou na Câmara dos Deputados em julho, mas, por ter sofrido mudanças, teve que retornar ao Senado, que aprovou o texto-base em primeiro turno e deve concluir a votação neste mês. Se aprovado, vai a promulgação. “Já estamos falando com originadores e varejo que o preço mudou”, conta Kaddissi.

Fundos menores vão querer vender suas carteiras e estaremos atentos. Acreditamos na estratégia”
— Khalil Kaddissi

Fundada pelo ex-secretário do Tesouro Carlos Kawall, a Oriz monta fundos por classe e, em precatórios, tem um de estaduais e municipais e outro de federais, que Kaddissi considera estar em situação normal. “O governo destravou o pagamento dos precatórios e acreditamos que todos serão honrados até o fim desta gestão, então compramos títulos que vencem até 2026”, comenta.

O fundo focado em precatórios estaduais e municipais, lançado neste ano, pode chegar a R$ 300 milhões. O caixa, afirma, é uma vantagem para se aproveitar das oportunidades do momento. “Fundos menores vão querer vender suas carteiras e estaremos atentos. Estamos crescendo rapidamente acreditamos na estratégia.” A previsão é que a Oriz termine o ano com R$ 1 bilhão em ativos estressados como um todo.

Pelo texto, se em 1º de janeiro de cada ano os valores totais em atraso forem de até 15% da receita corrente líquida do ano anterior, município ou estado poderá pagar somente os títulos cuja soma seja equivalente a 1% dessa receita. Esses índices valerão inclusive para entes federativos que não tenham estoque, caso do Rio, por exemplo. Os percentuais crescem gradativamente até atingirem o pagamento equivalente a 5% da receita, se o estoque for maior que 85%. O texto original previa o limite de 30% da receita corrente líquida.

Para Oswald, como atinge estados e municípios que estão em dia com as obrigações, a proposta tende a gerar mora generalizada. Ela explica que o Estado do Rio, por exemplo, vem destinando 2,8% da receita corrente líquida para pagamento de estoque anual e agora essa fatia deve cair para 1%, percentual que não acompanha o crescimento do estoque. “A regra viola os princípios de equidade e isonomia, dando um privilégio ilegal ao devedor”, alerta.

Inicialmente a proposta era restrita a municípios, mas o parecer do deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP) estendeu a estados e União. “Já estávamos precificando o cenário de PEC 66 para os municípios, e agora incluímos os estados”, diz Oswald. A JGP, uma das mais tradicionais gestoras do país, tem R$ 150 milhões na estratégia de ativos estressados, que abrange investimentos em créditos com problemas, como em inadimplência ou processos judiciais.

Os deputados também mudaram a data limite de apresentação dos precatórios transitados em julgado para que eles sejam incluídos no Orçamento a fim de serem pagos até o término do ano seguinte. Atualmente, essa data é 2 de abril; e o texto passa para 1º de fevereiro, diminuindo em dois meses o intervalo de tempo. Os precatórios e RPVs (Requisição de Pequeno Valor) apresentados depois dessa data devem ser incluídos para pagamento somente para o segundo exercício seguinte. De 1º de fevereiro até 31 de dezembro do ano seguinte, não haverá juros de mora sobre os precatórios.

Por exemplo, se uma decisão sair no dia 5 de fevereiro de 2026, estados e municípios só incluirão esse pagamento no orçamento de 2028. Oswald diz que, na prática, isso tem um impacto muito maior do que dois meses, porque 1º de fevereiro é muito próximo do fim do recesso da Justiça, o que praticamente elimina a chance de sair uma determinação de pagamento a ser paga no ano seguinte.

Rodrigo Taraia, sócio da área de direito tributário do BMA Advogados, diz que a forma fluida de pagamento, relacionada à receita e ao estoque, deixa indefinido o prazo de pagamento, numa metodologia que só empurra o desembolso. “É preciso ter estabilidade institucional. Não há dúvida de que o ente federativo deve e que tem que fazer o pagamento.”

Ele lembra que desde 2021 a expectativa era de que o problema seria resolvido, quando uma emenda constitucional prorrogou o prazo do regime especial que terminava em 2024 e determinou que estados e municípios teriam que regularizar o estoque até 2029. Para o advogado, o Supremo Tribunal Federal pode ser chamado a se pronunciar sobre a constitucionalidade.

Em nota técnica enviada ao Congresso, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirma que a PEC viola direitos e garantias dos credores de precatórios. “A afronta já foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 4357, 4425, 7047 e 7064, oportunidades em que foram demonstradas a posição da Corte contra mecanismos que perpetuam a dívida pública judicial, violando a coisa julgada, o princípio da efetividade das decisões judiciais e o direito de propriedade dos credores.”

Para a OAB, a mudança “reduz a previsibilidade e a atratividade econômica dos créditos judiciais, fragiliza o cumprimento das decisões judiciais e compromete a segurança jurídica em todas as esferas governamentais.”

Guilherme Bechara, sócio da área tributária do Demarest Advogados, afirma que, em busca de equilibrar a área fiscal de municípios e estados, o Congresso acabou prorrogando na prática o regime especial, só que agora sem prazo para pagar. “A vinculação à receita limita demais, funciona como mais uma rolagem.” Para ele, a entrada em vigor da PEC vai levar a uma judicialização do tema, com entidades contrárias se unindo e recorrendo ao STF “para impedir a postergação infinita.”

De acordo com o advogado, o Supremo tende a modular os efeitos da proposta por ser extremamente prejudicial aos credores. Ele conta que os clientes do escritório que investem em precatórios - na grande maioria, gestores e investidores de alta renda - estão preocupados, embora a maioria concentre recursos nos papéis federais, que voltaram a ser pagos. “Já vínhamos evitando os estaduais por causa da imprevisibilidade de pagamento”, comenta. “Os investidores dão saída a esses títulos, porém agora a PEC tende a derrubar os preços.”

Bechara comenta que em São Paulo a fila de espera para receber os créditos chega a 15 anos, prazo que agora pode passar de 25 anos. “É preciso ter equilibrio entre a visão fiscal dos entes federativos e a proteção aos credores”, alerta.

No caso da meta fiscal da União, embora retire os precatórios das despesas primárias em 2026, o texto acrescenta, a cada ano, a partir de 2027, 10% do estoque dentro das metas fiscais previstas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Na prática, a retirada dos precatórios e das requisições de pequeno valor (RPV) ajuda o governo a cumprir a meta fiscal do próximo ano (R$ 34 bilhões ou 0,25% do PIB projetado de 2026). O total de precatórios inscritos para 2026 é de cerca de R$ 70 bilhões.

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