sábado, 5 de dezembro de 2020

Festa de Michelle para crianças fere o ECA, além de intrinsecamente imoral

 


Festa de Michelle é para a pobreza turística e pitoresca aos olhos dos poderosos. Crianças foram expostas a risco - Reprodução
Festa de Michelle é para a pobreza turística e pitoresca aos olhos dos poderosos. Crianças foram expostas a riscoImagem: Reprodução
Reinaldo AzevedoColunista do UOL

04/12/2020 06h44

Michelle Bolsonaro, a primeira-dama dos R$ 93 mil da família Queiroz, preside o programa Pátria Voluntária. Deu na mulher aquela tentação de demonstrar amor pelos pobres. Então ela decidiu fazer, nesta quinta, no Palácio da Alvorada, uma festa de Natal para crianças carentes.

Meninas e meninos puderam nadar na piscina e brincar no gramado. Depois almoçaram em mesas espalhadas pelo jardim. A extrema direita adora esses eventos socialmente macabros, em que pobrezinhos decoram os salões e jardins de poderosos. Não! O objetivo não é passar adiante a ideia de que todos são iguais. Trata-se precisamente do contrário: o que se vê é um ritual de humilhação, em que fica bem claro quem é o doador e quem é donatário — a quem só cabe gratidão meio envergonhada.

Segundo Michelle publicou nas redes sociais, é o primeiro de quatro eventos até o fim de dezembro.

Vamos ver. Segundo leis vigentes no Distrito Federal, os presentes deveriam usar máscara. O Palácio da Alvorada é um prédio público. Uma penca de ministros e o próprio Bolsonaro passaram pelo evento.

Informa o G1:
"No vídeo publicado por Bolsonaro, aparecem os ministros Paulo Guedes (Economia); Fábio Faria (Comunicações); Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo); Augusto Heleno (Segurança Institucional); Marcelo Álvaro Antônio (Turismo); Roberto Campos Neto (presidente do Banco Central); além de Mário Frias, secretário especial de Cultura, e de Daniel Nepomuceno, secretário-executivo do Ministério do Turismo. Pelo menos 14 ministros do governo já contraíram a Covid-19. Em outro vídeo, postado em uma rede social, a ministra Damares Alves disse que as crianças chegaram cedo ao Palácio da Alvorada, brincaram na piscina e em brinquedos espalhados pelo jardim do local e iriam almoçar naquele momento."

Só os funcionários da empresa que organizou o evento e algumas poucas pessoas usavam máscara. Assim, aquelas crianças pobres que recebiam a generosa festinha de Michelle estavam sendo expostas ao risco de contaminação, aumentando a vulnerabilidade de suas respectivas famílias. E daí? Quem resiste a ver aquele simulacro de congraçamento das elites com o povo?

Pois é... Espero que o Ministério Público Federal se manifeste já nesta sexta-feira.

Existe no país a Lei 8.069, também conhecida como "Estatuto da Criança e do Adolescente".

Está lá no Parágrafo 4º:
"Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária."

No momento da "confraternização", as autoridades presentes, a começar do chefe do Executivo -- que chegou acompanhado do jogador Felipe Melo, outro Varão de Plutarco dos campos e da vida --, estavam zelando pela saúde das crianças? Ou ignoravam, também, o Artigo 18 do Estatuto? Lembro:
"Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor."

Que nada! Naquele bando de adultos irresponsáveis, o entusiasmo maior era mesmo o de Damares:
"Nós, ministros, assessores dos ministérios, é que demos os presentes. As crianças fizeram cartinhas para nós e nós entregamos os presentes. E no quintal aqui já está lindo. Imagina isso aqui cheio de crianças amanhã? Ai meu Deus, estou tão feliz. Deus abençoe o Brasil".

Nada a fazer contra a perversa imoralidade de eventos assim caso seguissem aos menos as regras sanitárias. Ocorre que aquelas crianças foram expostas a riscos, num momento de recrudescimento da pandemia, em razão da ação de adultos irresponsáveis, a maioria com cargo no governo.

Com a palavra, o Ministério Público Federal.

Ah, sim: Guedes via aqueles infantes pobrezinhos circulando pra lá e pra cá e talvez pensasse:
"Melhor assim. Com um dólar mais barato, estariam na Disney com as empregadas domésticas, suas respectivas mães. O Brasil mudou".

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