Lucro operacional das empresas de convênio médico, no primeiro trimestre, foi superior ao resultado de todo o ano de 2024

Por  — De São Paulo

 


Após as operadoras de planos de saúde registrarem, no primeiro trimestre, um lucro operacional de R$ 4,5 bilhões - o que representa mais do que o resultado apurado em todo o ano passado, de R$ 4,3 bilhões -, os hospitais, farmacêuticas, distribuidores de medicamentos e empresas que contratam convênio médico aos seus funcionários devem elevar a pressão por melhores reajustes. Agora, na metade do ano, ocorrem negociações entre operadoras e prestadores de serviços de saúde, e muitos contratos empresariais de convênio médico têm renovação nesse período.

Esse “contra-ataque” ocorre após uma forte pressão das operadoras de planos de saúde, que entre 2021 e 2023 acumularam prejuízo de R$ 15 bilhões. Diante desses números negativos, elas passaram a apertar as margens dos prestadores de serviços de saúde com tabelas de preços defasadas e adiamento de prazos de pagamento. Além disso, na ponta do cliente, as operadoras aplicaram reajustes elevados, uma média de 25% por ano, equivalente a cerca de quatro vezes a inflação geral, nos planos de saúde corporativos a fim de equiparar seus custos médicos que subiram após a pandemia.

“Estamos felizes com o resultado das operadoras, mas esperamos que essa melhora chegue até nós, com uma melhor política de pagamento e prazos”, disse Antônio Britto, diretor-executivo da Anahp, associação que reúne os maiores hospitais do país. Em 2024, os estabelecimentos hospitalares ligados à entidade aguardaram em média 70 dias para receber das operadoras.

Uma das maiores queixas dos prestadores de serviços de saúde é a retenção de pagamentos. Em 2024, as operadoras seguraram R$ 5,8 bilhões em pagamentos para hospitais ligados à Anahp. A retenção ocorre quando as operadoras questionam se determinados procedimentos foram realizados dentro das condições contratadas.

Essa prática, conhecida no setor como glosa, cresce em período de crise e escancara a assimetria de interesses dos interlocutores na área da saúde. Hoje, ainda prevalece a premissa de que para uma operadora ganhar é preciso que o hospital tenha uma margem menor e vice-versa. Ao atrasar o pagamento, há melhora no fluxo de caixa das operadoras. Mas há também casos de hospitais que realizam procedimentos desnecessários quando a receita está baixa.

Estamos felizes com o lucro das operadoras, mas esperamos que a melhora chegue aos hospitais”
— Antônio Britto

“A melhora no setor de saúde não é homogênea. As farmas sofrem com o câmbio, os hospitais ainda relatam pressão, as distribuidoras sentem os atrasos de pagamento, dólar e concorrência com os chineses”, disse Rafael Freixo, da consultoria inglesa L.E.K.

As distribuidoras de materiais e medicamentos, a última ponta da cadeia de saúde, reclamam que, além do aumento no prazo de recebimento, as operadoras postergam a emissão de notas de procedimentos já realizados, dificultando a cobrança. “Temos R$ 2,2 bilhões referentes a procedimentos médicos realizados, mas não faturados. Após a emissão da fatura, o pagamento leva mais 90 a 120 dias”, disse Sergio Rocha, presidente da Abraidi, entidade das distribuidoras e importadores.

A FenaSaúde, entidade das seguradoras, disse que “quando ocorrem, as glosas refletem, na maioria dos casos, cuidados que as operadoras precisam ter na gestão dos recursos do sistema, sempre em prol do controle de custos e de seus beneficiários, e jamais praticadas de forma discricionária.”

Até a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) entrou na discussão. Isso porque a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou, juntamente com o balanço do primeiro trimestre, que 62,4% das despesas judiciais das operadoras referem-se ao não cumprimento de atendimentos cobertos pelos planos de saúde. A OAB-SP disse estar profundamente preocupada “sobre a normalização do descumprimento sistemático de decisões judiciais por operadoras de planos de saúde.”

A Abramge, entidade do setor, informa que esse percentual não representa a realidade de suas associadas. “É essencial destacar que nesta parcela, possivelmente, estão situações de demandas indevidas, como pedidos de liberação de tratamentos previstos em contrato, porém antes do cumprimento do período de carência, fora da rede credenciada ou da área geográfica e outros.”

Nos últimos anos, o setor vem reclamando do aumento da judicialização e já há repasses do custo dos processos jurídicos no reajuste do convênio médico. No primeiro trimestre de 2020, os gastos judiciais representavam 0,65% das despesas médicas das operadoras. No mesmo período deste ano, esse percentual subiu para 1,45% o equivalente a R$ 3,9 bilhões. Para o advogado Rafael Robba, esse percentual é baixo.

Entre janeiro e março, o setor de planos de saúde apurou uma receita de R$ 91 bilhões, o que representa um incremento de 9,6% sobre o mesmo período do ano passado. O lucro operacional, que não considera a receita financeira, subiu de R$ 1,8 bilhão para R$ 4,4 bilhões na comparação anual.

Essa melhora trimestral vem na sequência de um balanço anual de 2024 com lucro, após três anos de prejuízos. Com isso, entre os argumentos que as empresas contratantes de planos de saúde podem vir a usar em suas negociações, é que os reajustes aplicados em anos anteriores - em média anual de 25% - já foram suficientes para recompor a alta dos custos médicos.

A taxa de sinistralidade, indicador que mede os gastos médicos sobre a receita, ficou em 79,2% entre janeiro e março, o que representa uma queda de 3,3 pontos percentuais sobre um ano antes. A redução no indicador foi impactada por um volume menor de casos de dengue neste ano e, principalmente, porque o valor das mensalidades dos planos subiu em patamares acima dos custos médicos.

“Uma inflação médica mais baixa tem de refletir um reajuste menor. Com o resultado das operadoras crescendo, vai gerar maior pressão para entrega de valor do setor”, disse Luiz Feitoza, sócio da consultoria Arquitetos da Saúde.

Os reajustes dos convênios, negociados no primeiro semestre, já ocorreram em patamares inferiores ao praticado em 2024, uma vez que o setor voltou a apurar lucro.

Nos contratos de planos de saúde para pequenas e médias empresas (PME), modalidade que abarca 8,8 milhões de usuários, o aumento ficou na casa dos 15%, cerca de cinco pontos percentuais abaixo do praticado em 2024. A Qualicorp, líder no mercado de planos de saúde por adesão, também espera reajustes menores neste ano.

Na Mercer Marsh, consultoria que administra uma carteira com 5 milhões de usuários de planos corporativos, o aumento médio neste ano está entre 10% e 15%. Em 2024, foi de 15%. “As negociações de reajuste de plano de saúde são sempre difíceis. É a segunda maior despesa, atrás apenas da folha de pagamento. É natural que as empresas busquem reajustes menores. As operadoras tendem a estar mais flexíveis, mas é preciso considerar que isso vale para clientes com políticas de coordenação do cuidado da saúde de seus funcionários”, disse Marcelo Borges, diretor-executivo da consultoria.

Para Raquel Marimon, atuária e consultora de saúde, é esperado que os prestadores de serviço de saúde busquem melhores condições comerciais diante das pressões nas margens em anos anteriores, mas as negociações com as empresas contratantes vai depender do índice de gastos dos convênios.

A Abramge diz ainda que, se o resultado negativo persistisse, a sustentabilidade da saúde suplementar seria comprometida.

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