25 de julho de 2025, 8h00

Conforme ressaltou Nestor de Buen (“O Estado do mal-estar”, Revista LTr, São Paulo, ano 62, nº 5, 1998), o Direito do Trabalho representa três fases: a primeira é a fase das lutas dos trabalhadores por melhores condições de vida e de trabalho, diante das condições subumanas em que viviam; a segunda é a fase das conquistas, do chamado bem-estar social, em que os trabalhadores passaram a ter e usufruir de adequadas condições de trabalho; e, finalmente, a terceira fase, atualmente vivida no mundo inteiro, que é por ele chamada de estado do mal estar, em que as conquistas são cada vez mais difíceis e os trabalhadores estão perdendo o que conquistaram por meio de muitas e sacrificadas lutas.

Spacca

Segundo esse jurista mexicano, tornou-se moda imputar ao chamado estado do bem-estar social as causas reais da crise econômica. Nesse sentido, foram escolhidas duas vítimas propícias: a seguridade social e o Direito do Trabalho. Pelos rumos da Grã-Bretanha, Margareth Thatcher e, em seguida, seu sócio americano, Ronald Reagan lideraram a feroz campanha contra o chamado estado do bem-estar, ajudados pelas agressões acadêmicas da Escola de Chicago, de Nilton Friedman.

Uma frase desse guru do neoliberalismo, reproduzida por Alfredo Mallet, numa reunião do México, não deixa lugar para dúvidas: “O conjunto de medidas conhecidas sob a capciosa denominação de seguridade social tem efeitos tão nefastos sobre a economia de um país como a política de salários mínimos, assistência médica para determinados grupos, habitações populares, preços agrícolas subvencionados etc.

Na concepção neoliberal, como asseverou Nestor de Bueno, o bem-estar social pertence ao âmbito privado, ou seja, deve ser gerado pelo esforço individual e resolvido em família ou no mercado.

Por conta desse estado de coisas, que ninguém pode negar de sã consciência, vários têm sido os ataques ao Direito do Trabalho, que caminham concretamente para a ruptura dos seus princípios fundamentais, para a volta ao contrato civil clássico, para a abolição do princípio da continuidade da relação de emprego, para as formas temporárias e precárias de contratação, como terceirização, quarteirização, trabalho temporário, intermediação de mão-de-obra, pejotização, plataformização, modificação in pejus dos contratos coletivos, revogação do princípio in dubio pro operario e criação do princípio in dubio pro empresário.

São políticas incentivadas ao extremo pela maioria dos governos, flexibilização irresponsável e desregulamentação do direito laboral, buscando-se, em primeiro lugar, a diminuição dos custos do trabalho a qualquer custo, desrespeitando direitos humanos básicos e elementares, levando-se, com isso, a inevitáveis precarizações das condições de trabalho.

Autonomia decisória

Na verdade, vive-se hoje uma realidade em que já não mais se fala em soberania nacional como instrumento de proteção dos direitos mínimos do cidadão. Nesse sentido, o professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo (O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil, p. 72. São Paulo: Saraiva, 2000), ao abordar sobre a perda da autonomia decisória dos estados ressaltou a interferência e fiscalização dos mercados financeiros por entidades semipúblicas internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos EUA, responsáveis pelo Consenso de Washington.

Parece que, ao contrário do que defendem alguns reformistas trabalhistas, faz-se necessário cada vez mais o fortalecimento dos princípios informadores do Direito do Trabalho na atualidade, como única forma de não se permitir o retorno do homem trabalhador às condições de indignidade humana que reinavam anteriormente à criação da proteção trabalhista. O que já se está vendo por esse mundo afora são cada vez mais contratações fora das regras trabalhistas, jornadas de trabalho de 12 a 14 horas diárias, sem intervalo para refeição e descanso, sem DSRs, sem salário mínimo, sem direito básicos que dignificam a pessoa humana, tudo em nome da modernização das relações de trabalho.

Eis, para aqueles que ainda não se aperceberam da frieza e desumanidade do capitalismo globalizante, o outro lado dos produtos competitivos à custa da exploração impiedosa pelos donos do capitalismo devastador, o qual, embora não se queira perceber, pode estar caminhando para a sua própria destruição.

As consequências sociais danosas desse pensar capitalista precisam ser pensadas por quem tem compromisso com a cidadania e com o ser humano, como ressaltou Fábio Conder Comparato (“Povos dominados do mundo, uni-vos: Folha de S. Paulo de 17/8/2001).

Importante e sempre atual para os que operam o Direito foi o conselho do jurista Miguel Reale (Lições preliminares de direito, p. 195, 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1991), assim escrito: cumpre a nós, juristas, não perdemos de vista o papel que nos cabe, para não colocarmos o nosso peso do lado errado”.

A indignação de Comparato e o conselho de Miguel Reale são de uma oportunidade ímpar e merecem reflexão, porque no momento em que vive a humanidade, “dominada” pelas forças capitalistas e financeiras externas e pelo mais radical discurso neoliberal, a produção e aplicação do Direito têm saído do campo do poder político e da responsabilidade social para os domínios do poder econômico-financeiro, com graves rupturas sociais. Tudo é regulado pelo mercado, em nome da manutenção dos princípios econômicos salvaguardadores dos interesses internacionais dos países que estabelecem e escrevem a cartilha a ser seguida pelo resto do mundo. Essa é a verdade, que muitos parece não perceberem.

  • é professor titular do Centro Universitário UDF/Mestrado em Direito e Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, doutor em Direito das relações sociais pela PUC-SP, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos, entre outros, Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho.

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