Justiça Comum x Justiça do Trabalho
Marcelo Motta Coelho Silva
No dia a dia de um escritório de advocacia que compreende o atendimento de diversas matérias, composto por profissionais com diferentes áreas de especialidade, os conhecimentos e práticas forenses são cruzados a todo momento entre os colegas, evidenciando as significativas diferenças entre a Justiça Comum (ou Estadual) e a Justiça especializada do Trabalho.
Essa análise tem o seu recorte espacial no Estado do Rio Grande do Sul, onde lidamos com o Tribunal de Justiça e as comarcas de primeira instância, na Justiça Estadual e as Varas do Trabalho e o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que atende exclusivamente o Estado. Ambos os Tribunais, como expoentes primeiros das respectivas jurisdições, moldaram (e ainda moldam) seus conceitos jurídicos e políticos com reflexos em todo o País.
O Tribunal de Justiça do RS, já abrigou em suas fileiras Desembargadores de elevado quilate, tendo encampado, entre outros, o Movimento de Direito Alternativo décadas atrás, além de posicionar-se nos julgados de forma progressiva, libertária e humanitária, muitas vezes considerado de vanguarda por seus posicionamentos. Já o Tribunal Regional do Trabalho é tido nacionalmente por ser rígido e severo cumpridor das normas e regulamentos trabalhistas, penalizando as empresas reclamadas e quantificando vultuosamente as reclamatórias que aportam em seus escaninhos.
Porém, a principal diferença que se vê na prática forense de ambos os Tribunais – e, para Tribunais, leia-se a Justiça Comum ou do Trabalho de forma mais ampla, que agregue as Varas do Trabalho e as Varas Cíveis das comarcas do Estado – são a forma de condução dos processos. Aí está a grande diferença que entre as instituições, que toca diretamente no trabalho dos advogados que estão militando nesses processos.
Na Justiça Estadual, como regra, o processo proposto pela parte Autora é visto como um número, um pequeno elemento dentro da estrutura de milhões de processos. E a mecânica processual, desde os Juízes, escrivães e servidores, movimentam o processo visando encerrá-lo, independente da solução do litígio. O processo, a todo o momento, é movimentado com alerta (intimação) ao autor e seu advogado, dizendo que o feito será extinto e arquivado caso uma diligência qualquer não seja cumprida em um prazo (curto) determinado pelo Juízo. Aqui, vale uma referência à Justiça Federal da 4ª Região, que se utiliza dos Atos Ordinatórios, que sequer passam pelo Juiz. Essa lógica de movimentação busca, sim, uma efetividade, pois faz com que os processos sejam constantemente movimentados pelas partes, evitando a inércia (hipotética) de uma parte ou seu advogado. Porém, essa mesma linha de trabalho, por muitas vezes, frustra o resultado final, especialmente quando o autor busca um crédito de um réu. A efetividade do curso do processo é priorizada em relação ao resultado final do mesmo, que deveria ser o adimplemento do crédito pelo réu. Essa situação acaba beneficiando os devedores (réus), que muitas vezes veem o processo naufragar, ante a intensa busca por essa efetividade de movimentação do processo, ante a real busca pelo crédito.
Já na Justiça do Trabalho ocorre situação inversa de lógica processual. Não que os servidores daquela Especializada deem pouca atenção à efetividade processual, mas é que priorizam sobremaneira o resultado final do processo. Tanto é que a Justiça do Trabalho via Tribunal Superior do Trabalho, criou-se o Banco Nacional de Devedores Trabalhistas, responsável por centralizar os dados dos 24 Tribunais Regionais e por emitir a certidão negativa de débitos trabalhistas, para empregadores sem dívida.
A busca incessante dos Juízes e servidores da Justiça do Trabalho é sempre pelo adimplemento da dívida, inclusive impulsionando de ofícios processos a fim de alcançar o crédito e só arquivar o mesmo quando a dívida estiver quitada, independente se a quitação ocorreu pela empresa devedora (reclamada) primária, por alguma reclamada de responsabilidade solidária, subsidiária ou até por algum(ns) sócios ou ex-sócios da empresa empregadora.
Logicamente que essa busca incessante e determinada pelo adimplemento do crédito trabalhista e seus acessórios (inclusive tributários) está na gene da Justiça do Trabalho, no fato de que se vê, por trás do processo, um trabalhador que deixou de receber valores, de natureza alimentar, base para sua sobrevivência.
Porém, nessa cruzada, a Justiça do Trabalho (Varas e Tribunal Regional da 4ª Região) comete certos atropelos, supervaloriza práticas internas, (normativas, orientações jurisprudenciais e outros) em detrimento a regras gerais de direito (material e procedimental), v.g. a disregard doctrine (desconsideração da personalidade jurídica das empresas), para alcançar o patrimônio dos sócios ou ex-sócios da empregadora, bem como a parcial e seletiva utilização do Código de Processo Civil. Esses métodos particulares da Justiça do Trabalho aqui no Sul, de cunho muitas vezes ideológico e já institucionalizado, buscando por vezes realizar uma espécie de justiça social judicializada, extrapola os limites da legalidade e comete equívocos, avançando sobre o patrimônio de partes que talvez não tenham a responsabilidade por arcar com aquelas dívidas, o que gera um arbítrio contra o direito dessas pessoas, buscando um fim supostamente legítimo (pagar o trabalhador) por meios excessivos, que muitas vezes beneficiam mais o causídico que representa a parte, do que a própria parte – situação que não é vista pelos operadores da JT ou que é sutilmente ignorada por esses, em míope distorça da realidade.
O que deveríamos ter em nossas práticas forenses é o equilíbrio, entre as práticas da Justiça Comum e da Justiça do Trabalho. A busca pela realização do crédito sim, mas com parcimônia e justiça, com observação das regras constitucionais e legais acima de tudo, com a detalhada verificação de responsabilidade daquele contra quem está sendo buscado o crédito. Deveria haver mais trocas de experiência entre os órgãos judiciais, onde ambos busquem o melhor do outro para aprimorar suas técnicas forenses.
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